A FAZENDA MAL ASSOMBRADA.

Os irmãos Donizete e Antonio trabalhavam na fazenda do Tamanduá, perto do povoado de Santa Luzia, noroeste de São Paulo. Ano de 1983. Muito trabalho para os dois tratoristas. Tinham de arar a terra para a lavoura de algodão. O dono da fazenda tinha pressa. -" Só tem um jeito, patrão!! Eu aro a terra de dia e o Antonio de noite. Um trabalha enquanto o outro descansa!!!!" O fazendeiro Vespasiano gostou da sugestão. Tinha apenas um trator e o tempo era escasso. No dia seguinte, Donizete trabalhou das sete da manhã até as dezoito horas, só parando uma hora pra almoçar. Antonio assumiu o turno da noite, das dezoito horas até as seis horas da manhã, parando apenas uma hora pra jantar. O fazendeiro ficou satisfeito com a área enorme que Antonio deixara arada, durante a noite. -" Esses faróis do trator iluminam bem!! Auxiliados por esses dois faroletes que o Donizete instalou acima da cobertura do trator, ficou bom demais da conta!!!" Exultou Antonio. Na roça escuro é escuro mesmo... um tremendo breu!! O fazendeiro deu um pequeno aumento para os dois tratoristas. Santa Luzia tinha quarenta casas e 230 moradores. Casas com amplos quintais tomados por goiabeiras, jabuticabeiras, laranjeiras e pés de seriguela, tamarindo e jatobás. Ruas de terra. Ruas sem postes de iluminação. Uma igrejinha no meio da praça, uma pequena escola, dois bares, um armazém de Seu Demerval, uma farmácia e uma casa de beneficiamento de arroz. O cemitério ficava a 800 metros, no meio de um pasto de gado, no caminho pra chácara do velho Chico Silveira. Um campo de futebol recebia os jogos do time da cidade, o Arranca Toco Futebol Clube. Antonio e Donizete eram zagueiros. No bar do Heitor ficava a única televisão do povoado. Na farmácia do Dito o único telefone. O padre Marcos vinha de Lajeado, cidade vizinha, pra rezar a missa dominical. As pessoas se reuniam nos barrancos gramados, em frente das casas, pra contar causos ou piadas, ouvir rádio ou jogar conversa fora, após o jantar. A fazenda do Tamanduá não era muito longe do povoado. -" Olha lá a luz do trator de Antonio, trabalhando!!!" Disse Donizete ao vizinho Tobias. -" Na noite de anteontem, eu, a Damiana e os quatro meninos ficamos observando aquela luz que ia e vinha, ia e vinha nas terras do Vespasiano!! Agora sei que é seu mano arando a terra !!!" Donizete sorriu. -" Era o modo de terminar a tempo!!! Oito da noite, licença!! Vou pra cama pois acordo cedinho par arar !!!" Tobias fez cara de admirado. -" Amanhã é domingo, Donizete!! Descanse, homem!!!" Duas semanas depois, restava apenas uma pequena faixa de terra pra ser arada e terminar a empreitada. -" Vou terminar antes de onze da noite, Donizete!! Vamos comemorar amanhã cedo!!!" Disse Antonio, assumindo o comando do trator. Comprara uma garrafa de pinga e a escondera na mochila pois sabia que Donizete reprovaria!!! Vinte horas. Antonio jantou pouco, ansioso por terminar o trabalho. Pensava no dinheiro. Um gole na garrafa. Pensava em visitar os pais no Pernambuco. Outro gole. Pensava em pedir Janete em casamento. Outro gole. Recostou-se numa árvore e tirou uma soneca. Dez minutinhos, pensou ele. Dormiu uma hora direto. Apagou. Acordou assustado. Esfregou os olhos. Tomou o resto da pinga. Colocou o chapéu. Subiu no trator. Acendeu as luzes e posicionou o arado. Era trabalhador. Sujeito pau pra toda obra. Forte, jovem e sem medo!! O terreno em declive, perto de uma mata. Os olhos pesavam. Ele jogou a água da moringa no rosto. -" Eita, que falta pouco pra terminar!! Bora trabalhar!!!" Gritou. Quinze pra uma hora da madrugada. Antonio debruçou sobre o volante. Dormiu. O trator andou sozinho por mais de duzentos metros. Um buraco de seis metros de profundidade a frente. Antonio foi jogado do trator mas o arado caiu sobre ele, matando-o. Amanheceu. Donizete sentiu falta do irmão. Rumou pra fazenda. Correu tanto que chegou lá em vinte e nove minutos. O fazendeiro ainda dormia. Seguido pelos quatro cachorros, Donizete foi a procura de Donizete. Olhou em volta e nada viu, nem o trator nem Antonio. Vespasiano chegou ao local. Os cachorros latiram e olharam fixos para o lado da mata. Donizete e Vespasiano foram conferir. A cena era triste e desoladora. Eles desceram pra ver Antonio mas nada mais podiam fazer. Em pouco tempo o local estava tomado pelos moradores da cidadezinha. Seria preciso avisar e aguardar a chegada do carro funerário e da polícia da cidade vizinha. Santa Luzia parou para o velório. Cinco dias depois, Donizete se mudou pra cidade dos seus pais, em Pernambuco. Seria muito triste morar naquele local sem o irmão. O tempo passou. O algodão floresceu como nunca antes. Os campos branquinhos, branquinhos. Parecia o céu. Uma colheita lucrativa que deu trabalho e muito dinheiro para os moradores. Seis meses depois. Uma forte chuva. Vespasiano levantou-se para ir ao banheiro. Sua esposa dormia. Madrugada de sábado. Lamparina nas mãos. Os cachorros latiram, saudando o dono. O mictório ficava a dez metros da casa, no quintal ao lado celeiro. Retornava pra casa quando viu luzes, indo e vindo. Arrepiou-se. Estavam onde era a lavoura de algodão. Lavou o rosto no tanque de água dos bois. Fez o sinal da cruz. Olhou de novo. As luzes estavam lá. indo e vindo!! Entrou em casa e deitou-se ao lado da esposa Iracema!! Rezou um pai nosso e adormeceu. Contou o fato a esposa, de manhã. - "Credo em cruz, Vespasiano!! Antonio estava arando, certamente!!! Assombração." Iracema chegou a ver as luzes, tempo depois. O fazendeiro e a esposa foram conversar com o padre Marcos. O religioso disse ser coisa da imaginação deles!! Deveriam rezar muito!!! o fazendeiro disse. -" Todo sábado, padre!! Dura pouco tempo as andanças das luzes, que era o tempo que faltava pra terminar o trabalho dele!!" Iracema completou. -" Se num acredita, vai lá ver, padre!!!" Vespasiano e a esposa tentaram seguir o que o padre pediu mas todo sábado de madrugada as luzes surgiam. Indo e vindo. O boato se espalhou. Vespasiano vendeu a fazenda e mudou-se pra capital. Até hoje, o velho Tobias e os moradores de Santa Luzia observam aquelas luzes, indo e vindo, na direção das terras onde os irmãos trabalhavam. Antonio lavou o rosto e subiu no trator. Ligou a chave. As luzes se acenderam e iluminou o terreno a ser arado. Todo machucado, pescoço quebrado, roupas com sangue, fraturas expostas... pensava estar ainda vivo mas estava morto!!! Gritou. -" Eita, que falta pouco pra terminar !!! Bora trabalhar!!!" FIM.

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 29/10/2018
Reeditado em 27/04/2019
Código do texto: T6489614
Classificação de conteúdo: seguro