UM DOCE PARA MIM E NENHUM PARA ELE

Domingo, 31 de Outubro de 1858, Minneapolis, Minnesota - EUA.

Dennis veste sua fantasia de soldadinho de chumbo e a mãe se maravilha.

O menino de nove anos chama o amigo sentado no gramado frio.

- Vem Simon!

O garotinho de olhos pretos e tristes se levanta devagar. Não veste fantasia alguma.

A mãe torce o nariz.

O amiguinho a olha por alguns momentos e sem se despedir corre no encalço de Dennis.

O magricela avança entre crianças vestidas de piratas, marinheiros ou, quando mais pobres, um simples lençol.

Sua mãe, temente a Deus, lhe pôde costurar a fantasia de soldado.

Leva nas mãos um cestinho de palha trançada e sobe os degraus da primeira porta.

A senhora Jackson abre a porta e sorri, ante o pequenino do quepe torto cujos cabelos cor de palha seca aparecem em profusão.

-Trick-or-treat! – gritam os meninos e a velhinha alemã finge se assustar.

Doces ou travessuras, a mais tradicional brincadeira de Dia das Bruxas.

Ela corre para dentro de casa e volta com um bolo de nozes recheado.

Coloca no cestinho de Dennis e ele olha com o canto do olho, o cestinho de palha de Simon continua vazio.

Dennis fica em silêncio e quando saem da casa enorme de madeira cheirando a filhas de ciprestes, ele divide seu bolo com o menino cujos cabelos negros parecem colados na cabeça de tão finos. Ele tem uma pequena cicatriz em forma de flecha no queixo fino e ela se move de uma maneira engraçada enquanto ele mastiga.

Já faz umas duas semanas que eles andam juntos o dia todo.

Desde o dia em que ele saiu da escola dominical. Novo na cidade, Dennis se tornou alvo fácil para os meninos maiores.

Não passa um dia que não apanhe. Seu pai proibiu sua esposa Rebecca, de se envolver.

- Apanhar molda o caráter de um homem! – diz lavrando a terra.

O trigo agora já tem pelo menos um metros e o trio de garotos correm atrás de Dennis lhe atirando pedras. Seus pais migraram de Nova York para aquele lugar perdido, em busca de uma vida melhor.

Dennis sentiu a pedrada que lhe acertou bem no meio das costas. Ele correu para dentro da plantação de trigo e os garotos param, temerosos.

As histórias correm naquela cidade. Pessoas que somem nos campos e nunca mais se encontra nem seus corpos. Seu pai, Adam, diz que isso é bobagem.

Que as pessoas migram simplesmente.

Dennis estava encolhido quando ouviu, melhor dizendo, quando sentiu o movimento.

Quase gritou ao ver o garoto pequeno em estatura, muito magro, de rosto encovado, olhando com cuidado os três valentões que se afastam.

Diante do susto do menino loiro, o outro lhe tranquiliza:

- Eles também corriam atrás de mim! Agora eu fico escondido e ninguém me vê!

Minutos depois os dois se tornam grandes amigos.

Desde o começo sua mãe o olhou estranho quando apresentou o garoto.

O pai baixou um pouco os olhos do jornal, tomado de um cheiro de suor q não o deixava mesmo após o banho.

E hoje os dois percorrem toda a extensão da Central Avenue NE, próximo ao rio Mississipi pedindo doces. O coureiro, vestido de palhaço lhe dá caramelos feitos pela mulher que está vestida de bruxa. Eles ignoram Simon.

Os dois meninos descem a rua e Dennis lhe oferece um caramelo.

- Não... Tudo bem. Meu pai fala que eles estragam os dentes.

Dennis fica curioso, seu amiguinho nunca fala sobre a família.

- Qual o nome do seu pai? Onde vocês moram?

Simon abaixa a cabeça e olha para o lado. De repente, para mudar de assunto, dá um gritinho.

- Olha! A senhora Gunter! Ela sempre tem deliciosos Browies de chocolate com castanha!

Simon corre, tirando uma fina de uma carroça e sobe pelo quintal coberto de grama baixa. Dennis ri e corre atrás do amigo.

Eles batem na porta e a senhora Gunther olha para os dois.

- O que fazem aqui?

Eles mostram os cestinhos.

- Doces ou travessuras.

A velha fecha mais ainda a cara.

- Vocês crianças passam o ano todo me infernizando, agora querem doces?

Ela não precisa de máscara com aquela carranca.

Dennis coloca a mão no peito e jura.

- Senhora, eu nunca joguei nada contra a sua casa e tenho o maior respeito pela sua pessoa!

Finalmente arranca um sorriso da velhinha.

- Esperem...

Ela entra arrastando as chinelas e o cheiro do chocolate escapa pela porta aberta.

Volta com um generoso browie.

Dennis olha para Simon que parece conformado, mas ele não fica.

- E meu amigo? Ele também não joga nada na sua casa!

A velinha o encara de maneira estranha.

- Então... Você não sabe?

Ante o olha de desespero do pequeno garotinho de cabelos negros, ela complementa:

- O pai dele não permite que ele coma doces!

Satisfeito com a explicação, Dennis e o colega saem pela Quincy Street NE, pedindo de casa em casa por doces ou travessuras e apenas o garotinho loiro recebe balas, confeitos, bolos e outras guloseimas doces e salgadas.

Andam ao rumo de casa e Simon olha para o cestinho de abobora vazio do amigo e começa a se queixar.

- A única pessoa que não te ignorou foi a viúva Gunther.

Simon fica em silencio.

- Os meninos na escola falam que ela é doida.

Simon dá de ombros.

- Os meninos falam demais... Por isso saí da escola.

Os dois andam calmamente até a casa de Simon e veem seu pai Adam usando um forcado para encher uma carroça.

Dennis cumprimenta seu pai, que está coberto de suor.

O homem limpa a testa com o antebraço.

- E então filho? Ganhou muitos doces esse ano?

Ele fica um tanto sem jeito.

Sim... Mas ninguém deu nada para o Simon.

Olha de soslaio para o garoto de roupa preta e olhos tristes e as feições de seu pai mudam da felicidade, para a surpresa e dessa, para a raiva.

Atira o forcado que se espeta no feno.

- Já para dentro de casa! Pare com essas mentiras! Não há ninguém do seu lado!

Os olhos de Dennis se enchem de lágrimas e a mãe deixa de pendurar as roupas, atraída pelos gritos do marido.

- Mas pai! O Simon está bem aqui! Por que vocês não veem ele?

O homem do campo explode subitamente.

- Eu não aguento mais! Meu filho não vai ser um estranho que fala com o vento!

Seu pai o agarra pela gola e começa a chacoalhar seu garoto com violência.

A mãe corre para proteger seu filho.

- Larga ele Adam! É apenas uma criança!

O vizinho, atraído pelo barulho vem claudicando com sua bengala de empunhadura de prata e fica a par da discussão.

Ele estranha a descrição de Simon pelo menino.

Olham para o lado onde o garotinho magro de cabelos negros colados ao crânio se encontra.

Um amigo imaginário?

- Olha! Ele tem essa cicatriz em forma de flecha no queixo! Como não estão vendo?

Dennis está chorando.

O Senhor Ozzy arregala os olhos e implora a atenção dos pais de Dennis.

- Senhor Adam? Dona Rebecca? Eu pediria sua atenção, mas é melhor mostrar, do que apenas falar.

Os dois não entendem e ele se recusa a explicar, fazendo um gesto para que o acompanhem em uma curta caminhada.

Rebecca, Adam e Denis acompanharam o senhor Ozzy até o Cemitério Memorial de Minneapolis sem entender nada.

- Senhor? Senhor? Melhor voltarmos, hoje é dia das bruxas e os cemitérios não são seguros! – pede a mulher exasperada.

Fazendo um sinal de impaciência com as mãos, pede silenciosamente que o acompanhem.

Adam fecha a cara. Nunca foi homem de brincadeira e aquela está indo longe demais.

O velho manca de uma perna, uma dolorosa lembrança da guerra com os ingleses e passam por cruzes e mausoléus novos, indo cada vez mais para baixo da colina.

Quando a família ia protestar de novo, o homem de idade avançada para subitamente.

- Chegamos.

As cruzes já começam a mostrar os primeiros sinais de deterioração e eles ainda não haviam entendido o motivo de estarem ali.

O garoto de cabelos loiros e olhos azuis percebe que seu amigo está parado no alto do morro, com o olhar mais triste que ele já viu na vida.

- Ali...

Eles olham para a lápide e não notam nada de diferente.

- Simon... – murmura Dennis.

O velho balança a cabeça.

A mãe se arrepia da cabeça aos pés e desmaia, seu marido a segura, confuso.

Ela também o viu por um instante.

E quando Dennis olhou o daguerreotipo com a foto do seu amigo, Simon devolveu o olhar profundamente.

Ele está ao seu lado desde então. Junto a centenas de outros que se avolumam em torno do menino que pode vê-los

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Humberto Lima
Enviado por Humberto Lima em 29/10/2018
Código do texto: T6489176
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