A sapatilha turquesa

Lívia era uma mulher de muitas qualidades, inteligente, simpática, honesta, além de sempre se destacar positivamente em tudo o que fazia na vida.

Sempre levou as melhores notas na escola e faculdade, após isso se destacou na carreira administrativa de maneira brilhante, além de se apaixonar e casar com Roberto, um homem totalmente devotado a ela, mas que devido ao trabalho, quase nunca estava em casa.

Mas apesar de tudo isso, a melhor coisa que Lívia fazia, era ser mãe de Sofia, uma linda menina de seis anos, de cabelo cor de caramelo como a mãe, e que tinha o dom de ser amada por onde quer que passasse.

Certo dia voltando do trabalho, pronta para iniciar suas férias mais que merecidas, se depara na vitrine de uma loja de antiguidades, com um lindo par de sapatilhas de bailarina cor de turquesa, e que aparentemente caberia perfeitamente no pé de Sofia. Lívia entrou na loja, e depois de alguns minutos saiu satisfeita, por comprar o objeto por uma barganha.

Assim que chegou em casa e deu a sapatilha a Sofia, a menina as calçou na hora e começou a rodopiar por toda a casa, imensamente feliz com o mimo dado pela mãe.

Passada uma semana, cada vez mais a mãe via a filha apaixonada pelo acessório (a menina não tirava a sapatilha sequer para dormir) e decidiu a inscrever na aula infantil de balé. A menina se animou tanto, que insistiu que a mãe a deixasse começar no mesmo dia. A mãe não vendo problema algum, e pensando que podia descansar um pouco mais em casa enquanto ainda estava de férias, permitiu.

Logo nas primeiras aulas Sofia se destacou de maneira surpreendente, avançando três níveis de aula. Assim dançando com estudantes mais experientes.

A professora era somente elogios:

- A postura de Sofia muda completamente quando ela começa a dançar, a interpretação, a técnica, parece que ela dança há anos.

A mãe apesar de orgulhosa achou graça, pois nunca viu sua filha dessa maneira. Sofia sempre foi uma criança mais adorável do que a maioria, mas era desastrada ao ponto de tropeçar nos próprios passos enquanto andava.

- Ela deve estar crescendo muito rápido, e não devo estar percebendo. Como o tempo voa!

Disse com um sorriso no rosto.

Entretanto com o passar dos dias até a mãe (que resolveu assistir a uma das aulas) ficou fascinada com a desenvoltura da menina dançando, parecia até outra criança. De tão orgulhosa resolveu incentivar a filha, aumentando um pouco a quantidade de aulas, e a deixando ensaiar em casa, sempre que não tivesse aula. A menina ficou eufórica:

- Obrigada mãe, sempre que estou dançando me sinto flutuando, parece até que estou em outro mundo de tão feliz.

Mas com o passar do tempo, a personalidade compenetrada da criança que anteriormente só durava os ensaios do balé, pareciam se incorporar ao dia a dia dela.

Sofia não se interessava mais por bonecas, ou em brincar com as amigas, só se dedicava ao balé, se esforçava tanto repassando os passos em casa, que virou um hábito a menina até esquecer de se alimentar.

A mãe preocupada a advertiu:

- Querida, você pode dançar sempre que tiver folga, mas se começar a não comer por isso, infelizmente terá que parar de ir ao balé.

A menina com raiva e inconsolável disse:

- Que tipo de mãe é você? Que quer me tirar o único prazer que tenho na vida?

A mãe chocada com a agressividade e tom da menina, a manda para o quarto de castigo.

E fica pensando:

- Acho que exagerei demais no incentivo, ela parece obsessiva demais a respeito do balé, acho que vou a afastar da dança por um tempo e tentar focá-la em outras atividades.

Pondo o plano em prática, Lívia suspende as aulas por um tempo, e manda a menina guardar todos os acessórios que usava (inclusive as sapatilhas) em uma caixa dentro do guarda roupas. A menina ficou literalmente em choque disse:

- Porque você está fazendo isso? Acabei de confirmar que não me ama, porque você gosta de me ver sofrer tanto?

A mãe sem mais paciência, disse:

- Não quero desculpas, vá guardar tudo agora!

A menina em prantos fez o que a mãe mandou.

Entretanto, com o passar dos dias, apesar dos esforços da mãe em tentar distrair a menina, até mesmo com outros presentes, a criança ficava cada vez mais calada, introvertida, estava perdendo cada vez mais peso por de acordo com ela “não ter mais vontade de comer nem de viver”, a mãe preocupada a levou ao psicólogo, que disse se tratar somente de uma fase, e disse para a mãe fazer as comidas favoritas da menina.

A mãe agoniada com a tristeza da filha começa a ter por noites seguidas, sonhos estranhos com várias meninas da idade de Sofia, de diversas etnias, e que pareciam de épocas diferentes, usando a sapatilha turquesa que havia dado a menina. No começo todas as meninas dançavam lindamente, de maneira quase mágica, pareciam literalmente flutuar enquanto dançavam, entretanto depois de acabar a música, todas apareciam dentro de caixões, prontas para serem enterradas.

A mãe assustada com aquilo resolveu acabar com aquela história de balé, pedir uma nova licença no trabalho, e levar a menina para fazer uma pequena viagem, pra que ela se distraísse e com sorte tirasse um pouco a obsessão da cabeça.

Mas tinha que fazer uma coisa antes:

- Vou queimar essa maldita sapatilha, tudo começou depois que a comprei.

Mas ao procurar ela na caixa do armário não a encontrou, procurou por toda a casa, quando por último querendo finalizar logo esse assunto, entrou no quarto de Sofia, imaginando que ela tinha escondido o objeto.

Mal entrou e ficou paralisada com a cena que viu.

A menina com a sapatilha nos pés, um corte no pescoço e uma faca caída em uma poça de sangue, ao lado de seu corpo sem vida na cama.

A mãe desconsolada chora com o corpo da criança em mãos, até ver uma mensagem escrita na parede:

“Do que me vale a vida se não posso dançar?”.