O fim da maldição!
Elisabete nunca mais fora a mesma. Nunca conseguiu se recuperar daquela noite terrível que tinha sido a noite do aniversário de George. Sua vida se transformara em uma terrível tortura e num pesadelo sem fim. Sua filha e seu marido foram arrancados da sua vida naquela noite por um monstro chamado Sara. Entretanto, tudo o que se sabia era que havia outro ser no corpo de Sara. Um ser maligno, um ser que tinha sede e fome por vingança.
Elisabete ficara em um centro de recuperação por mais de um ano. Não aceitava o que havia presenciado e todos os sobreviventes daquela noite sangrenta do pequeno vilarejo por muito e muito tempo não conseguiam acreditar no que acontecera. Aos poucos, a vila fora ficando cada vez menor. Pessoas iam embora daquele lugar todos os dias após o segundo ataque daquele monstro. Tinham medo. Tinham pavor. Ele prometeu voltar. Não queriam esperar por esse dia.
Após um ano, Elisabete pode enfim, voltar ao convívio dos que ainda estavam por lá. Estava pronta para voltar à realidade. Para a vida. Fora um ano de muito sofrimento pela perda das duas pessoas que mais amava. Pelo sofrimento em ver tanta gente passando por tudo o que ela passou. Porém, Elisabete sobreviveu. E chegara a hora dela se perguntar o porquê havia ficado ali, o porquê sua vida fora poupada.
Tomou coragem. Retornou ao lugar onde tudo aconteceu. Sua casa. A casa onde viveu por vinte anos com George seu marido. A casa onde sua filha Maria nasceu e onde viveram os momentos mais felizes de suas vidas, mas também o pior momento que pudera viver. As cinzas ainda estavam lá. Os restos não queimados totalmente da casa parecia estarem ainda quentes pelas chamas do retorno da maldição. Revivera toda aquela monstruosidade e recordara de cada detalhe. Sua mente era um turbilhão de perguntas sem respostas. Estava decidida e descobrir cada uma delas. A desvendar o mistério que devastara uma cidade inteira por várias décadas.
Lembrou-se do casebre da floresta. Tomou coragem. Era lá que iria morar. Era lá que iniciaria sua busca incessante por respostas. Naquele casebre no meio da mata deveria ter alguma pista que a levasse ao mistério dessa alma que se alimentava com sangue e com mortes. Elisabete já não tinha mais medo. Já não tinha mais o que perder. Tudo da vida dela fora tirada por essa terrível maldição. Ela tinha que o fazer parar.
O casebre estava abandonado, sujo e fechado pela mata que cobria ao seu redor. As amarras de Sara ainda estavam lá, soltas ao chão. Além das cordas, nada mais havia dentro daqueles amontoados de madeiras velhas. Ela limpou. Arrumou tudo para que pudesse passar um tempo ali. Trouxe o necessário. Seu propósito era bem claro, descobrir o segredo guardado naquela região. O lugar era sombrio, a luz do sol aparecia muito pouco ali. Não tinha luz. Precisou de velas para iluminar aquele lugar negro. Começou a se atentar a cada detalhe daquele cenário que outrora tinha sido a prisão do corpo da jovem Sara.
Ao anoitecer, Elisabete percebera vozes ao seu redor. Escutava alguns gemidos que vinham de longe. Não era perto, mas conseguia ouvir. Não se intimidou. Era o que queria, era o que buscava. Na manhã seguinte, ela partiu em busca de algumas respostas. Fora percorrendo um caminho que a levava até a antiga casa de Sara, onde mais de cinco décadas todo aquele mal havia iniciado. Um caminho longo e difícil a ser percorrido. Mas não tinha mais receio.
Depois de muita caminhada, chegou a um clarão onde percebera que não havia vida há muito tempo. Um círculo onde nada crescia, nada vivia. Não havia mato, tampouco árvores. Era como se aquele pedaço de chão em forma de círculo nada pudesse ser plantado. E não podia. Elisabete teve a certeza que a raiz de todo o mal vivido pela pequena cidade se encontrara ali. Voltou para a cidade e começou uma busca incessante por respostas sobre o que tinha acontecido naquelas terras há mais de cinco décadas. Muitos jornais ainda restavam na pequena biblioteca da vila. Procurou por alguns deles e foi então que descobriu que alguns grupos de homens armados torturaram uma família por mais de uma semana matando todos que moravam lá.
Um dos filhos, um jovem rapaz, foi o mais valente de todos. Lutou muito para não perder a vida como todos da sua família. Porém, os torturadores eram muitos. Não teve chance. Suas últimas palavras foram juras de vingança e que deveras voltaria para consumar suas palavras. Assim o fez. Usou a pobre moça chamada Sara para iniciar sua promessa. Sara matou a todos da sua família e foi matando um a um da cidade até George descobrir que era ela que realizava todo aquele horror.
Elisabete teve a certeza que o mal estava naquele círculo de terras mortas. Precisava de um plano. Precisava saber o que fazer e onde se escondia a sombra da maldição. Lembrou-se de como a alma do jovem no corpo de Sara havia escapado. Um buraco. Pegou seu crucifixo. Começou a cavar, cavar sem parar. Ela sentia a liberdade de muitas almas que ali estavam presas voarem para o além. Almas torturadas, almas amedrontadas. Duas famílias destruídas por mortes sangrentas há muitos anos. Mas ela não sentiu a maldição. A maldição ainda estava por lá. Ela tinha certeza.
Elisabete começou a invocar a maldição através de gritos:
- Venha até a mim! Venha se você estiver mesmo aqui!
A maldição ouviu seus gritos, e quando Elisabete se virou lá estava ele. Tinha uma forma assustadora. Não mais no corpo da moça, mas em um corpo todo machucado e ensanguentado pela tortura de cinquenta anos atrás. Sim, era ele. A própria maldição. O medo fora tomando conta de Elisabete, mas ela se estabeleceu. Retomou suas forças. Estava disposta a pagar com sua própria vida. Sem pensar, ela pegou o crucifixo em suas mãos e o ameaçou iniciar o ritual. A maldição ria muito alto. O crucifixo já não fazia mais efeito sobre ele. Ele já não estava mais em outro corpo. Ele era o corpo amaldiçoado.
A inocência de Elisabete o levou a um caminho sem volta. O mal adentrou ao corpo dela. Já não tinha mais o que fazer. Era isso o que ele esperava; outro corpo para possuir.
Elisabete tentou com todas as forças para não se deixar tomar conta pelo mal. Travaram uma luta mortal. Uma luta para que não houvesse mais inocentes sendo levados a morte. Ela própria, com um resto de forças que ainda lhe sobrara, juntou a cruz do chão e a levou até seu peito cravando feito uma espada. A maldição começou a urrar como um animal. Ela sabia que tinha que ir até o fim. Sabia que deveria por um fim naquele maldito. Ele tentou sair do corpo dela, mas já não conseguiu mais. Suas forças foram se esvaído, foram se enfraquecendo até que as forças de Elisabete foram se recuperando.
Após uma luta duradoura, a maldição fora desaparecendo do corpo de Elisabete, deixando-a caída ali, imóvel. Ela sabia que isso podia acontecer, mas estava disposta. Após alguns minutos, uma respiração profunda trouxe Elisabete à vida novamente. Sua cabeça girava. Estava machucada, estava cansada. Sorriu. Sorriu como não sorria desde a noite do aniversário de George, desde antes de tudo acontecer. Ela acabou com a maldição. Ela pôs fim à maldição.
Agora ela podia voltar para o casebre. Podia voltar para a cidade onde tanto mal já acontecera com a certeza de que não nunca mais a maldição iria tirar ninguém dali. Elisabete trouxe a paz para o lugar, trouxe a paz para as pessoas. Trouxe para todos, o fim da maldição.