Entre você e eu ficou quase tudo intocado
Mesmo que a nossa casa caia de repente
Você vai continuar aqui intacto
Na minha vida, na minha cabeça confusa
A sua vida imprevisível
Deixou a nossa validade invisível
E o meu amor imperecível
Imperecível
- Luxúria
- Papai! - grita a menininha que vem em sua direção.
- Oi minha princesa. - diz o homem, lhe prendendo num abraço cheio de ternura.
- Tava com muita saudade.
- Desculpe a demora tá?
O sorriso se desfaz. A menina incha as bochechas rosadas e cruza os pequenos braços em visível desagrado.
- Não faz essa cara amor.
- Você prometeu que ia vir mais vezes.
- Eu sei. - diz ele, um tanto triste.
- Mamãe disse que você poderia vir e ficar aqui de vez, e não iria precisar voltar pra casa. Aí a gente ia ser uma família de novo.
Ele olha para o limite do jardim onde estavam. Ao longe uma linda mulher de vestido florido sorri e acena gentilmente. O homem volta os olhos para criança, que agora colhe algumas flores a seus pés. O campo de lírios se estende quase infinito.
- Ela diz que você sempre quis vir morar aqui com a gente, e que você fica muito triste quando está longe. - diz a criança, ainda sem olhar pra ele.
- ...
- Eu sei que você está só esperando a hora certa, né pai? A hora de voltar.
- Sim meu amor. - a voz dele quase falha antes de terminar a frase.
- Eu vou sempre vou te esperar papai.
Os olhos azuis da garota o atravessam de tão brilhantes. Uma lágrima pesada desce. O jardim inteiro treme, as cores falham e se confundem por alguns segundos. Dezenas de sinais de instabilidade do sistema pipocam em pontos aleatórios do cenário.
- Eu sei que não é sua culpa papai. Eu sei.
O homem não aguenta, retira com angústia seu óculos de realidade simulada e então chora copiosamente. Sozinho em casa seu choro penoso ecoa por todos os cômodos escuros. Os fones de ouvido ainda conectados transmitem uma última frase antes do sistema se desligar:
- Estamos com muita saudade.
Na mesma noite um tiro foi ouvido naquela casa. No dia seguinte Olavo foi enterrado no jazigo da família, ao lado da esposa e da filha, ambas falecidas há dez anos. Foi só então que descobriram que as duas tinham sido desenterradas por ele e ligadas a uma estranha máquina construída no porão de sua casa. Na máquina estava colado um pequeno papel onde estava escrito:
“ A família está reunida de novo ”