Mel from Hell – Don’t Fear the Reaper
Meu nome é Mel. Um nome bonito, mas mais bonito ainda é vê-lo escrito em sangue. Mel: uma garota bonita e inteligente. E má. Claro, muito má. E como é bom ser má!
A noite estava mais estrelada do que o normal, a lua gigante, brilhando. Eu não estava querendo muito contato, mas, se por ventura algo cair na rede, é peixe. Já dizem, não dê sorte para o azar; não dê conversas para estranhos, muito menos quando esse estranho tem carinha de anjo e, por acaso, se chamar, docemente, Mel. Não custa avisar!
Saí dirigindo meu carro, andando pela estrada apenas para pensar, estava precisando refletir sobre algumas coisas, foi quando, de repente, vi uma coisinha fofa esticando o bracinho pedindo carona. Ora, ora... Coelhinho, saia da toca! Vamos brincar? Me senti Eva no Paraíso, tentada pela maça. E então, quase tomada por uma força sobrenatural, dei carona ao garoto. Logo de cara, percebi que ele estava com várias cruzes. A mãe dele deve ser uma bruxa, pressentindo, mas não evitando. Aposto que se olhar nos bolsos dele teria arruda, alho, no entanto, quando se trata do diabo, eu sinto muito em dizer, mas é o fim da linha. Você é meu!
Ele disse norte e eu fui para o sul. A entrada do inferno tem cara de boa-gente. E o seu caminho é feito de atalhos. Não conseguia mais esconder meu desejo por ele, praticamente babava, com um sedento lobo por carne, carne fresca, carne jovial, carne abençoada. Entrei no Cemitério, ele começou a rezar, não que isso não fosse comum, mas aquela voz, aquele conjunto todo era tão bonitinho, relutei, mas já não adiantava mais se debater. Para toda presa há um caçador. No caso, caçadora. Ele parecia inchar, eriçando-se como um gato. Um bonitinho gatinho. Ah, gosto tanto de gatinhos! Não tenha medo, meu docinho, o inferno é tão doce quando um beijinho, feito um delicioso brigadeiro.
E ele, ainda me seduzindo, dizia: Por favor, não! Em nome de Deus, não! Oh, quanto fofura! E a minha voz, em resposta, saia da boca cavernosa, profunda e terrível, o som de uma voz sem respiração permeando a situação: — Você acha que é fácil estar morta? Pior, viver morta? Isto é minha única diversão. Tentei explicar, ou melhor, complicar, e fui ficando cada vez mais beligerante. E sem delongas fui sincera com ele, falei que estava muito a fim de o devorar. A fome era tanta, que não sobraria uma unha se quer. Mas, que diante de tanta inocência, seria a mais breve possível, para o pobrezinho não sofrer. Não que já não tivesse. Imagina ouvir sua sentença de morte, sem ter escapatórias.
E assim cumpri.
Terminei de me alimentar sem deixar nenhum sinal da antiga rigidez cadavérica. Alguém não fez a lição de casa. Nunca converse com estranhos, muito menos quando se tratar de rostinho angelical, aparência espectral. Menininhos inocentes talvez não acredite no relatado, e talvez até aceitem a carona por desafio, por tédio, por imaginar que se tratar apenas de um leitor de Kerouac.
E assim voltei para casa, convalescida, energizada, enquanto a cortina da escuridão se abria no céu. É claro que, posteriormente, eu fui consolar a mãe do inocente garoto. Sou destas: mato e choro no velório. Deve ser isso que chamam de catatonia. Enquanto eu a abraçava, não havia nenhum pensamento de pânico passando pela minha cabeça. Nem planejava, nem avaliava a situação. E também não evitava o olhar da solitária senhora sem seu único filho, mortificada. Há apenas uma repetição mansa e rítmica: Oh Darling, don't fear the Reaper.
By Alais R. C.