A HORA DA VERDADE.

A HORA DA VERDADE.

Esta é uma estória incomum, eu tive conhecimento dela através de um diário, e das narrativas de pessoas envolvidas, que, por mim, foram procuradas. Naturalmente, para se tornar um conto, tive que fazer algumas adaptações. No entanto, procurei deixá-lo o mais parecido com o diário e narrativas que lhe deram origem. Tais fatos ou ficção, quanto aos personagens, que tiveram seus nomes mudados, quanto aos trechos fictícios, qualquer semelhança com fatos reais, terá sido coincidência. A sequência dos fatos, em muitos casos, foi alterada, para trazer à narrativa algum suspense.

Extraído do Diário de Olímpio Nakamura:

Ano de 1992. Universidade Federal de São Paulo; curso de graduação em Engenharia Mecânica. Os mais diversos acadêmicos de Engenharia Mecânica se preparam para dar trote nos calouros. Os bixos estão quietos, como carneiro à espera do sacrifício. O pessoal da pintura de cabelo, os da raspagem da cabeça, a turma do afogamento, e a de ingestão de bebidas alcoólicas, está preparada.

Às 14 horas, começa o trote. A primeira pedra é retirada do saquinho, esta representa o tipo de trote. O outro saquinho corresponde ao número do bixo a ser trotado. O algarismo chamado é o 54. Corresponde ao calouro. O trote é o nº 2, corresponde à raspagem de cabelo.

Assim, um a um, todos os bixos seriam trotados.

Tudo ia bem, a não ser pelo fato de que um dos calouros foi sorteado duas vezes, por engano. No primeiro sorteio, ele foi para a bebedeira e no segundo, para o afogamento.

No trote, a turma do afogamento não percebeu que o calouro tinha ingerido bebidas alcoólicas e ele foi jogado na piscina, preso no fundo até que fizesse força para emergir, e somente nesse momento seria solto. O calouro, logo após a imersão, passou a encher os pulmões de água sem impor resistência alguma, fato este não esperado. Apenas a imersão sem resistência, nos primeiros momentos, era comum. Após alguns segundos, a dupla de afogadores ergueu o calouro, que estava desmaiado, e com água nos pulmões. Tentaram reanimá-lo, através de respiração artificial, boca a boca e massagem cardíaca. Até mesmo chegaram a levá-lo ao hospital. Tudo inútil, o calouro havia falecido. O atestado de óbito acusou causa morte por afogamento, após ingestão de grande quantidade de bebidas alcoólicas.

No inquérito policial ficou evidenciada a culpa de alguns dos organizadores do evento, e os dois que aplicaram o trote. A promotoria pública indiciou três dos acusados no inquérito policial. O julgamento levou em conta que todos eram réus primários, com bons antecedentes, e por isto a acusação de homicídio culposo, ou seja, sem a intenção de matar. Os réus foram sentenciados a prestação de serviços comunitários, sem prejuízo de suas atividades como estudantes.

- Não, não, não me mate, imploro. A faca penetrou-lhe entre a primeira e a segunda costela do lado esquerdo. Com as duas mãos, agarra firmemente a mão armada. Tudo em vão, as forças começam a lhe faltar, os joelhos se dobram, o corpo arqueia e cai ao solo.

- Não há dúvida, a morte ocorreu às 4h 15min da madrugada. Causa morte: enfarto do miocárdio de forma fulminante, diz o médico legista.

Ano de 2004.

- Passava das nove horas da manhã. O lugar era deserto e a casa mais próxima ficava a um quilômetro aproximadamente. A construção era dividida em duas alas, não havendo entre elas nenhuma ligação. A primeira, a de menor tamanho, destinava-se ao atendimento médico, a segunda, ao tratamento da saúde. Não havia dúvida, o anúncio era bem claro. “Este é o lugar procurado” pensou Olímpio Nakamura. A porta grande, e com excelentes trabalhos em madeira, no centro, a mais ou menos um metro e meio de altura, com uma manete de metal. Aplicou-lhe três golpes e pôs-se a aguardar. Passados alguns segundos, um homem, aparentando ter mais de setenta anos, finamente trajado, abriu a porta e convidou-o a entrar. Permaneceu parado, fez uma mesura e disse?

Bom-dia, Senhor! Vim por este anúncio, disse exibindo o recorte de jornal.

Homem respondeu:

Bom-dia Senhor! Por favor, queira me acompanhar.

Conduziu-me até uma sala de espera, onde havia um conjunto de cadeira em vime, com grandes e redondos encostos. E, disse:

Por favor, queira aguardar, o Doutor irá atendê-lo dentro de alguns minutos.

Sobre uma mesinha de centro, havia diversas revistas, uma das quais trazia a figura de um homem todo de branco, o chamamento dizia – “Os distúrbios do sono. Doutor Ambrósio um dos maiores especialistas.”

Olímpio Nakamura mal acabara de apanhar a revista, para examinar a matéria em seu interior. Ouviu uma voz que disse:

– Bom-dia, sou o Doutor Ambrósio, queira passar.

Apontando a entrada do consultório.

Bom-dia Doutor Ambrósio! Sou Olímpio Nakamura, prazer em conhecê-lo.

Queira sentar-se. Vamos preencher a ficha.

O médico sentou e colocou ambos os braços sobre a mesa, apanhou uma ficha em branco e uma caneta, que estavam na gaveta do lado direito. Olhou para o recém-chegado atentamente, como quem está estudando uma obra de arte. Ao mesmo tempo, Olímpio aproveitava para notar que o médico devia ter aproximadamente seus cinquenta e tanto anos, cabelos negros, pintados, artificialmente, pele clara com tom avermelhado, grandes entradas nas frontes. Um blazer azul lhe assentava muito bem, uma gravata borboleta vermelha se destacava na branca camisa.

- Nome?

- Olímpio Nakamura.

- Idade?

- Tenho 38 anos.

- Nacionalidade?

- Brasileiro, sou sansei.

- Formação?

- Sou formado em Engenharia Mecânica e em Administração de Empresas.

- Estado civil?

- Casado.

- Filhos?

- Temos um casal de filhos.

- Já esteve em um psiquiatra antes?

- Não, esta é a primeira vez.

- Problemas no casamento?

- Não! Posso dizer que sou feliz no matrimônio.

- Como está na profissão?

- Me considero realizado nas profissões que escolhi.

- Por que fez uma segunda graduação?

- A segunda graduação ocorreu três anos após eu haver concluído a primeira, por exigência da empresa para a qual estava trabalhando na época.

- Como chegou até mim?

- Pelo anúncio do jornal, que dizia que o senhor é especialista em interpretação de sonhos e fatos estranhos.

- Somente por isso resolveu procurar-me?

- Não, o que mais me estimulou foi saber que é um psiquiatra e parapsicólogo.

- Muito bem! Deite-se no divã e fale o que quiser. Meus clientes, muitas vezes, começam a falar sobre seus problemas após a segunda ou terceira sessão. Fique à vontade, fale sobre o que quiser, podem ser coisas fúteis, quando chegar o momento certo, você exporá o seu problema.

- Não será necessário, irei direto ao assunto.

Tudo ia bem, em minha vida, mas, atendendo aos ensinamentos de um velho professor de conformação mecânica, que sempre dizia que devíamos permanecer no máximo três anos em um emprego, lembrava que esse era o tempo necessário para aprendermos tudo o que a atividade exigia que, após esse tempo, entraríamos em um marasmo, nada mais aprendendo. Que em um novo emprego teríamos a oportunidade de adquirir mais conhecimentos. Resolvi por esse motivo aquiescer a uma proposta de emprego, pois, segundo o proponente, tinha sido indicado por um colega de faculdade. E, como eu queria trabalhar em construção mecânica, a empresa em que trabalhava como engenheiro administrador de manutenção mecânica. Eu queria trocar para construção mecânica e administração. Assim, fui admitido na empresa Barcelos e Filhos, uma empresa que basicamente trabalhava para as indústrias automobilísticas. O cargo que ocupei foi de superintendente de fabricação. Acima de mim, somente o dono da empresa, o Senhor Barcelos. O Senhor Barcelos tinha apenas uma filha que ainda era menor, dedicava-se apenas ao estudo. O parque industrial é composto de um pavilhão com mil metros quadrados de área construída. Na parte frontal da indústria, um prédio em alvenaria de dois pisos, na parte superior o departamento técnico, onde ficava o setor de desenho e desenvolvimento e o controle de qualidade. Na parte inferior, o almoxarifado de peças e ferramentas. A indústria tem 120 empregados, todos, salvo raras exceções, são profissionais especializados, como torneiros, fresadores, plainadores, soldadores, técnicos em conformação mecânica e em corte e dobras.

Quando assumi o cargo, não houve a passagem de funções por parte do substituído, pois este tinha morrido de infarto repentinamente. Sendo que antes de falecer havia me indicado para substituí-lo. Nas primeiras semanas tive que trabalhar em horário extraordinário, no expediente normal, conduzindo os trabalhos, até altas horas da noite, organizando as tarefas do dia seguinte. Após haver organizado a indústria, o que levou mais de trinta dias, fui chamado a ter uma conversa com o nosso diretor, que me fez algumas observações, como: que havia no setor industrial de usinagens um líder que, para ele, empresário, era tido como líder negativo, pois quando um empregado tinha alguma reclamação a fazer sempre era acompanhado por ele. Que deveria ter cuidado com ele, chamava-se João Batista, e trabalhava para a empresa há mais de 15 anos. Respondi ao Senhor Barcelos que até o presente momento, não havia notado a presença do tal João. O diretor disse:

- Uma das coisas que o finado ia fazer era mandar o João embora, coisa que você deve fazer sem muita demora.

- No dia seguinte, não tardou a se confirmar o que disse o patrão. Na primeira hora da manhã, recebo a visita do João Batista, que se apresentou a mim, e após, disse trazer uma reivindicação dos colegas, etc. etc..

Para iniciar o cumprimento da ordem recebida, dei ao João uma peça das mais difíceis em usinagens com torno mecânico. João pegou o desenho, examinou-o por alguns minutos e subiu até o departamento. Técnico. Lá chegando, dirigindo-se a mim, disse:

- Engenheiro, eu não costumo usinar este tipo de peça, sempre fiz séries mais simples que não apresentavam tolerância tão estreitas.

Ao que lhe respondi:

- Senhor João, eu tenho você como torneiro sênior, ganha como torneiro sênior, essa peça e para ser usinada por torneiro sênior. Caso não se ache capacitado a fabricá-la, teremos de rever o seu contrato.

João fitou-me no fundo do olho, por alguns instantes, baixou a cabeça e se retirou. Senti-me mal com tal situação, nunca havia feito isso antes, mas, segundo o proprietário isso era inevitável.

Estava à beira de um córrego, a água limpa se movimentava na forma laminar, de vez em quando, uma pedra no caminho mudava a forma de movimento para turbulento. Com a pesada armadura de samurai, mal conseguia baixar-me até atingir a água com a mão para tomá-la. Ouço um tropel ao longe, o cavalo e cavaleiro se aproximavam, quando, perto da margem onde estava o cavalo esbarra, a luta era iminente, o recém-chegado era um opositor. Ao vê-lo levanto, e, com ambas as mãos, retiro das costas a espada de samurai. Meu opositor faz o mesmo, o homem de cima da margem me parecia demasiadamente grande, sua espada era enorme. Ele levanta a espada e desfere um golpe, saio fora, e logo recebo outro, ao qual me desvio, mas para tanto recuo e ao fazê-lo tropeço em uma pedra e tombo de costas. O combatente avança e ergue a espada, o golpe com certeza cortar-me-ia ao meio. De repente, aparece um outro vulto, que não consegui identificar, apenas via sua armadura, o seu rosto estava com uma proteção de aço. O recém-chegado dá um encontrão no algoz e o arremessa para o lado. Acordo molhado de suor. O coração em taquicardia parece bater na garganta que se fecha. Permaneço imóvel por alguns momentos e após levanto tomo uma ducha. Fico acordado, pois já é chegada a hora de levantar. Nunca antes tinha tido um sonho com tamanha perfeição, e ao acordar, tenho-o em minha memória recente totalmente gravado como fosse um vídeotape. A nitidez com que lembrava do meu oponente e também de minhas vestes de samurai, o peso da espada, tudo aparecia perfeitamente em minha lembrança. Dirigi-me ate o sótão e lá chegando examinei o baú de velhas fotografias de meus antepassados procurava algo em específico, uma foto de meu bisavô, vestido em trajes samurai. Após alguns minutos de procura encontrei, e tive uma surpresa, a armadura a espada, tudo, enfim, era igual ao sonho.

- O meu oponente, no entanto, tinha algo de estranho, algo que me parecia familiar, porém nada encontrei nas velhas fotos que o pudesse identificar. Mas em minha memória eu ainda o via com muita nitidez e com perfeição de detalhes como: em sua cabeça havia uma espécie de elmo, com duas asas cobrindo as orelhas; no peito, tinha um escudo redondo, e no centro do escudo uma semi-estira, nos braços peças metálicas cobria-o quase que totalmente.

- A hora avançou, e tive que me dirigir ao trabalho. A semana passou sem alterações maiores, o trabalho era duro, mas eu estava acostumado. Na sexta feira pela manhã, lá chegando, como de costume, naquele dia específico da semana, iniciei o trabalho, por examinar o controle de qualidade. As peças rejeitadas estavam sobre uma bancada de teste, para que eu as verificasse e conferisse as medidas toleradas. Minha vista logo notou que a ponta de série produzida por João apresentava diversas peças fora das tolerâncias dimensionais, estavam mortas, as dimensões diametrais finamente toleradas, estavam com as dimensões inferiores as de tolerância, nada havia para fazer, as peças estavam mortas, como se diz tecnicamente. Fui obrigado a chamar João Batista ao escritório e lhe fiz uma severa advertência. O homem olhou-me novamente com um olhar penetrante e disse:

- Engenheiro, eu lhe disse que não costumava produzir peças com tal grau de dificuldade dimensional, acredite, fiz o melhor que pude, mas não consegui. Quem sabe o senhor dá a série para outro torneiro que esteja mais acostumado com esse tipo de trabalho.

- Respondi-lhe que isso não era possível, pois ele tinha qualificação para o trabalho, pois recebia igual aos que tinham aptidões para realizar a série. João olhou-me com uma grande indignação, com aquele olhar penetrante, mas baixou a cabeça e se retirou.

À noite, fui com minha família a uma pizzaria. Ao retornar, fomos dormir perto das 23 horas. Ao adormecer, tive um novo pesadelo. O meu desafiador, desta feita, era um homem bem mais forte do que eu tinha um capuz preto que não deixava ver o seu rosto. A figura era ameaçadora, o corpo tinha uma espécie de capa como se fosse um monge. Esperei se aproximar, mas o espectro parou há mais de cinco metros de mim. Eu estava vestindo um abrigo preto e tênis. Perguntei-lhe o que queria de mim. Ele apenas parecia observar-me, mas, de repente, arregaça a manga longa que lhe cobria a mão e exibe um potente soco inglês. Por cima das quatro falanges, havia oito cravos de aço. O agressor recuou a mão em forma de soco e se aproximou de mim desferindo um potente golpe. Esquivei-me com grande habilidade, característica de um lutador. Outro soco foi desfechado, mais uma defesa, não tinha tempo para o ataque, até que resvalei e caí como uma jaca podre no solo. O verdugo, aproveitando a minha queda, colocou sua canela sobre o meu estômago e, com a mão esquerda, calçou a minha cabeça, levantou a mão para atingir-me no peito com um tremendo golpe. Um outro personagem invade a cena, e com um golpe de grande potência, atinge o meu agressor. Acordei, meu corpo estava encharcado de suor, sentei na cama, minha esposa acordou, perguntando o que estava havendo, disse-lhe que tinha tido um pesadelo. Levantei, pois tinha certeza de que não conseguiria mais dormir naquela noite.

O ASSÉDIO MORAL

No dia seguinte, passei o dia perturbado com os sonhos, sim, pois agora eram dois que, embora diferentes um do outro, em ambos eu estava enfrentando a morte. Assim se passou o final de semana. Na segunda-feira, logo no início do expediente, recebo uma ligação era João Batista, que queria uma entrevista comigo. Chegou cabisbaixo, desejou-me um bom-dia, disse-lhe que sentasse e aguardasse, enquanto assinava algumas ordens de compras. Após alguns minutos, coloquei-me à disposição de João dizendo, em que lhe posso ser útil?

- Senhor Nakamura, sei que não estamos nos acertando, e, tenho quase que certeza de que o senhor não e o problema, pois o seu antecessor já iniciara com o assédio moral contra mim. O senhor está sendo mandado a assim proceder. Quero lhe dizer que não desistirei de meu emprego, faça o senhor o que fizer. – Enquanto João falava, eu o olhava bem dentro de seu olho, nada lhe disse, quanto as suas queixas.

Ao final, ele se levantou, eu o vi diante de mim, seu vigor físico, sua altura, sua mão, seu braço, enfim tudo nele me lembrava os meus últimos sonhos.

Após João haver se afastado, fiz uma ligação para o Senhor Barcelos. Expliquei-lhe nos mínimos detalhes os últimos acontecimentos, relativos ao João. E, ao final sugeri que o dispensasse, pois ele até poderia alegar despedida indireta, com a acusação de assédio moral. Após ouvir-me, o Senhor Barcelos disse.

– Não é possível demiti-lo, ele é mandatário sindical, condição esta que o faz ter estabilidade, quanto à despedida indireta ele não a fará, pois seria fazer o que queremos.

Terminou dizendo:

-Vamos continuar forçando a barra, vamos ver que bicho dá.

João, ao terminar a série, teve 20% de rejeição, percentual considerado alto demais para o tipo de trabalho, cuja lucratividade não passa de 10%. João foi chamado ao setor de recursos humanos para assinar e receber uma advertência. Começava aí a constituição de provas para uma despedida por justa causa, por desídia no desempenho das funções. Ao retornar à planta industrial, João subiu e foi ter comigo. Exibiu a carta dizendo:

- Isso que estão fazendo comigo é uma covardia.

Nada lhe disse, devo ter baixado a cabeça, naquele momento.

A rua estava deserta, eu, estava escondido atrás de uma coluna, das quatro que sustentavam o pórtico do grande edifício. Meu perseguidor olhava ao redor a minha procura, mal respirava, minhas pernas tremiam, meus olhos estáticos fitavam o grande tacape em sua mão direita. Tento olhar para seu rosto e não o vejo, sua cabeça é totalmente coberta por longos cabelos negros, suas roupas eram em pele de animais, ele se parecia com um Neandertal (homem primitivo). Sinto que ele percebeu o meu cheiro, pois sua respiração era acentuada, como a de um cão farejador. Começa a se aproximar, tento fugir, mas tropeço em um degrau e tombo no solo. O gigante levanta o tacape e desfere um golpe que atingiria em cheio meu peito. Rolo e o golpe bate no solo, que estremece, dada a violência do impacto. Tento levantar o monstro e, com sua mão esquerda me segura, levanta novamente o tacape, estou preso, não posso me livrar do terrível golpe. Novamente, no momento fatal, surge o meu defensor, lhe desfechando um golpe em seu tacape, que é jogado longe. Acordo gritando, banhado em suor, minha mulher, acorda também. E diz:

- Tens que dar um jeito nisso, estes pesadelos devem ser por jantares em demasia.

Levanto, vou ao chuveiro, permaneço lá o tempo necessário para que meu batimento cardíaco volte ao normal.

A próxima série que destinei a João tinha um grau de dificuldade mediana, ou seja, as quais estava acostumado a fazer.

A semana foi tranquila, a não ser pelo patrão ter me lembrado de que deveria continuar a pressionar o João. Aleguei que tinha dado uma trégua para não caracterizar o que ele tinha atribuído ser assédio moral. Mas que, na próxima semana, voltaria a pressioná-lo. A semana terminou sem que eu tivesse pesadelos.

Na semana seguinte, ao mudar a série de fabricação de João, dei-lhe uma série de grande dificuldade, mais difícil do que a anterior, a qual tinha tido 20% de rejeição.

Coloquei o desenho e as demais especificações necessárias na sua bancada. Após alguns minutos, lá estava o João a reclamar. Não dei ouvido as suas queixas, chegando ao ponto de deixá-lo falar sozinho.

À noite, fui dormir perto da meia-noite, fiquei lendo, hábito que tenho de longa data. Ao dormir, tive um novo pesadelo. Eu vinha caminhando por uma longa rua, árvores imensas em ambos os lados do passeio, formando uma espécie de túnel verde. Olho à frente e vejo um homem enorme, paro, e o observo. Ele estava vestido com um macacão azul, com um símbolo no peito, tentei observar o que estava escrito, mas não conseguia ver. Ele tinha na mão uma chave de grifo enorme. Comecei a caminhar e ele a me perseguir, sentia os seus passos logo a trás de mim. Ando cada vez mais apressado, termino correndo e, ele, cada vez mais se aproximava. Tropeço e caio ao solo, o homem levanta a ferramenta com as duas mãos para lançá-la sobre mim, que, a esta altura já estava de barriga para cima. A chave foi lançada sobre o meu corpo com tal violência, que iria penetrar no meu peito. Como nos demais sonhos, consigo rolar para não ser atingido. O verdugo coloca o pé sobre a minha barriga e me imobiliza totalmente, ergue a chave, para dar-me um golpe na cabeça. Novamente, sou salvo pelo desconhecido que aparece. Acordo e até a cama estava molhada pelo suor.

- Isso é tudo, até aqui. Agora quero ver o seu conselho, Dr. Ambrósio.

- Senhor Olímpio, se eu tivesse a solução dos problemas, tão logo eles fossem expostos a mim, certamente eu não seria um ser comum, como sou. Gravei tudo o que narrou, enquanto falava, fiz anotações importantes. Agora farei um estudo minucioso. E, daqui a uma semana, você virá fazer uma nova sessão. Talvez, lá já tenha algo para lhe dizer. Por enquanto, vou receitar-lhe um antidepressivo, você irá tomá-lo ao deitar.

A semana transcorreu sem acontecimentos significativos.

Nova ida ao Médico:

- Bom-dia, senhor Olímpio, como passou a semana?

- Bem, não tive nenhum sonho. Conte os detalhes?

- A ponta da série que João estava fazendo ficou pronta. O controle da qualidade rejeitou duas pecas, sendo dois em cinco. Isso significava um alto percentual de perdas. Quando chamado a explicar, João, mais uma vez, alegou o grau de dificuldade, a qual não estava acostumado. Fui inflexível e, mais tarde, chamei-o para assinar uma nova advertência. Desta vez, João me surpreendeu, parecia calmo, apenas fez uma rotação da cabeça sobre o tronco, em sinal de reprovação. À noite, antes de deitar, sempre tomei cinco gotas do medicamento receitado pelo senhor. Deitado, relaxava e pegava no sono, acordando apenas pela manhã, sem haver sonhado.

- Estive pesquisando o seu caso e encontrei um velho livro, que narra algumas estórias semelhantes a sua. Embora tenham ocorrido na Idade Média, uma delas foi num castelo medieval, outra foi no Japão, quase que na mesma época. O autor afirma que foram baseadas em fatos reais. A do castelo medieval conta que um senhor feudal, exercendo o seu direito, costumava a passar, com as noivas do seu feudo, a primeira noite de núpcias. Costume aceito na época. Havia uma moça notadamente bela, sua beleza era comentada em toda a corte. O senhor feudal mal podia esperar que a moça arrumasse um pretendente para se casar. Mas isso aconteceu quando ela tinha 19 anos.

Meses antes do casamento, o Senhor Feudal começou a ter sonhos terríveis. Em seus sonhos, um homem monstruosamente gritando o perseguia e sempre quase o matava. Ele acordava, como você, banhado de suor. Até que na noite que antecedia a do casamento, ele amanheceu morto.

A estória ocorrida no Japão é semelhante, você poderá lê-la, se quiser, o livro está na Biblioteca Municipal. Seu título é: Mistérios do Sonho.

- Senhor Olímpio, O senhor sabe o que é assédio moral? Sabe o que isso significa? O assédio moral, ou tortura mental, ou coação psicológica, dê o nome que quiser. Ele ocorre no interior dos nossos lares, nas escolas, no trabalho, na prática de religiões, enfim está presente em todos os lugares. Antigamente, havia a tortura física, onde a vítima era submetida a processos doloridos, principalmente, quando se pretendia que a vitima confessasse algo, ou denunciasse alguém. Hoje, no entanto, estamos mais sofisticados, o processo é mais inteligente e, pode crer, os métodos atuais são mais terríveis, seus efeitos permanecem pelo resta da vida da vítima, ao passo que as torturas físicas cicatrizavam e a vítima acabava se esquecendo do martírio. No entanto, aquele que tenha sofrido um assédio moral, ou tortura psicológica, que entendo seja o melhor nome a ser dado a essa crueldade, após a vítima ter sido massacrada, seus efeitos permanecerão pelo resto de sua vida, afetando, não só a vítima, mas também seus amigos e familiares. Alguns passam a consumir antidepressivo, outros ficam alcoólatras, quando não ficam com severos distúrbios neurológicos. O Assédio Moral ou Violência Moral no trabalho não é um fenômeno novo. A novidade reside no aumento substancial dessa prática, com a banalização do fenômeno e na dificuldade em estabelecer o nexo-causal. Esta prática tem como objetivo causar a humilhação da vítima, expondo-a situações humilhantes e constrangedoras, repetidas e prolongadas, durante a jornada de trabalho, e no exercício de suas funções, sendo mais comum em relação hierárquica autoritária. Participam um ou mais chefes, sendo dirigida a um ou mais subordinados, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, com a finalidade de forçá-lo a desistir do emprego. A vítima escolhida é isolada do grupo sem explicações, passando a ser hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante se seus colegas. Estes, por sua vez, por medo de perderem o emprego e também temerem serem alvo, rompem os laços afetivos com a vítima e, frequentemente, reproduzem e dão ênfase às ações e atos do agressor no ambiente de trabalho, instalando um pacto da tolerância e do silêncio. A vítima, por sua vez, vai gradativamente se desestabilizando e fragilizando, perdendo sua autoestima. Assim, a humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do trabalhador de modo direto, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, ocasionando graves danos à saúde física e mental, que podem evoluir para a incapacidade laborativa, desemprego ou mesmo a morte, constituindo um risco invisível, porém concreto, nas relações e condições de trabalho. O senhor disse que o João lhe acusou de assédio moral; no meu entender, ele está com a razão. O que a empresa esta fazendo com ele é efetivamente um assédio moral, o senhor é o instrumento utilizado para as ações. Pense nisso.

A sessão terminara, fui para a casa, porém, no caminho, pensava sobre tudo o que estava acontecendo. A estória do Japão me impressionara particularmente. Como ainda era cedo, resolvi ir à Biblioteca Municipal. Estacionei o carro na frente do prédio, adentrei no portão lateral, subi dois lances de escadas. Lá chegando, começo a procurar, no fichário, o livro recomendado. Não achando-o, pedi ajuda para uma das atendentes da biblioteca. Veio uma senhora esbelta e de origem alemã, minha conhecida de longa data. Perguntei-lhe como estava seu filho que tinha ido para Alemanha a estudo e ela me disse que ele estava retornando, não conseguira se adaptar na Europa, estranhou os costumes, o clima, a umidade e o frio. As noites são longas, às 15 horas anoitece. E, por diversos dias, o tempo permanece cinzento, o frio é insuportável, até mesmo para alguém do sul do Brasil.

Ajudou-me a procurar o livro, pedi para levá-lo, não foi possível, pois este era para simples leitura na biblioteca. Agradeci e instalei-me em uma poltrona comodamente. Como de costume, em toda a vida de estudante, examinei o livro, li o prefácio, as referências sobre o autor, a data da primeira edição, etc. Logo passei a examinar o índice. Verifiquei o “modus operandi” do escritor. Iniciou, fazendo referências ao terror noturno, que ocorre com as crianças, raramente ocorrendo com adultos. As crendices, que atribuíam os pesadelos à comida consumida antes do sono. Em sequência, as estórias sobre terrores noturnos e pesadelos, incluindo as que o médico narrara. E, finalmente, lá estava o que eu procurava. Experiências com sonhos induzidos. Ele assim começava a sua narrativa: existe uma lenda contada no sul da Franca, que existiu uma seita, praticada pelos moradores de uma pequena cidade, cujos adeptos podiam chegar a um estágio tal que podiam intervir nos sonhos de uma pessoa que estivesse a distância. Para tanto, eles tinham que estar dormindo no mesmo horário que o alvo estivesse utilizando chá de certo cogumelo, alucinógeno, e, concentrando-se na imagem da pessoa alvo, ao entrar em sono profundo, se transportavam até o sonho da outra pessoa, interagindo de forma efetiva e com uma realidade tal que a vítima ao acordar não se esquecia de nenhum detalhe do sonho. A seita foi dizimada em 1.887. Seus adeptos foram proibidos de tal prática. Hostilizados por todos os habitantes da pequena cidade, se espalharam pelo mundo, uns na forma de imigrantes, outros apenas trocaram de cidade na própria França. Nunca mais se ouvir falar de tais práticas, etc.

No dia seguinte, fui ao setor de Recursos Humanos, pedi que me disponibilizassem todas as informações existentes sobre os meus últimos antecessores. O penúltimo fora o Engenheiro Marçal Menezes, tinha sido afastado por dependência alcoólica, sendo substituído por Pedro Antonio Correa, também engenheiro industrial mecânico, que morreu um ano e dois meses após haver ingressado na empresa, sua morte foi atestada como sendo infarto do miocárdio fulminante, às 4h15min da manhã. E este tinha sido o colega que me indicara para a vaga.

Com o endereço da família do falecido, resolvi fazer-lhes uma visita. Lá chegando, fui recebido pela viúva e seus dois filhos. Apresentei-me como sendo a pessoa que o substituiu, e que se me fosse oportunizado, gostaria de fazer algumas perguntas, de caráter pessoal. Dona Martha, uma mulher bem conservada e de fina estirpe, aquiesceu prontamente ao meu pedido, porém antes queria que eu lhe explicasse o motivo da visita e das perguntas. Para não causar uma falsa impressão, como a de suspeitas sobre a sua morte, disse-lhe, simplesmente, que eu apresentava um quadro de depressão, e que, segundo o meu psicanalista, poderia ser do trabalho. E, como o falecido fora por mim substituído, queria ver se ele apresentava os mesmos sintomas, por isso as perguntas. Antes que eu lhe fizesse qualquer pergunta, adiantou que seu finado marido era uma pessoa muito reservada, nunca falava com a família sobre seu trabalho, por isso, se fosse o caso nada poderia responder. Afirmei-lhe que não haveria perguntas profissionais e sim relacionadas à sua conduta no lar. A primeira pergunta que fiz foi: “Nos meses que antecederam a sua morte, notaram algum quadro depressivo, distúrbios no sono, insônia ou coisa parecida?” – “Sim, por diversas noites, acordou com sudorese excessiva, dores de cabeça e não mais conseguia dormir. Após a sua morte, atribuímos estes mal-estares a sua hemodinâmica.” Em continuação, perguntei se por acaso ele contara algum sonho ou pesadelo que tivesse tido.” – Não, nunca mencionou nada a respeito.” “– Seu marido procurou ajuda médica?” “– Não, se o tivesse feito talvez nos o tivéssemos aqui hoje.”

Agradeci a ajuda e me despedi. Concatenando as idéias, pensava: se for o que estou pensando, o mesmo deve ter acontecido com o que ocupara o cargo antes do falecido. Como tinha o seu endereço resolvi procurá-lo.

A casa era simples, porém, muito bem conservada, uma característica dos engenheiros, de serem cuidadosos com suas moradas. “Bom-dia, dei a um homem, que se encontrava sentado sob uma àrvore no pátio.

– Bom-dia! - respondeu o ancião.

– Por acaso, o Engenheiro Laudelino Mendes mora por aqui?

– Sim, meu senhor, é meu filho e está trabalhando neste momento. – A que horas posso encontrá-lo? – - Após as 19 horas.

- Muito obrigado, amanhã, às 19h 30min, virei procurá-lo.

O dia seguinte transcorreu dentro da normalidade. João Batista se esforçava para fazer a série o melhor que pudesse. Eu trabalhara o dia inteiro, fazendo orçamentos para novos contratos. Às 19 horas fui procurar Laudelino. Surpreendeu-me positivamente, Laudelino era um homem saudável, não aparentava ser dependente de álcool.

– Boa noite, você é que o Laudelino?

– Nakamura, quanto tempo não nos vemos, a última vez foi na nossa formatura. Em que posso te ser útil?

- Eu estou trabalhando na empresa Barcelos e Filhos. E, se não for incomodá-lo, gostaria de fazer-lhe algumas perguntas de ordem pessoal. - Laudelino convidou-me a entrar em sua casa.

– Então, Nakamura! Estás trabalhando na Barcelos, eu não tive sorte naquela empresa, terminei entrando em depressão, e consequentemente me afundando na bebida. Fui obrigado a pedir minha demissão, pois cheguei ao ponto de estar embriagado no serviço, o que dava direito à empresa de demitir-me por justa causa; mas, isso foi apenas a gota d’água que transbordou o copo. Maltratei minha família, espanquei minha esposa e meus filhos, pois saía do serviço e ia para os bares, e não enchia a cara em um único bar, fazia a via sacra, tomava apenas um drinque em cada um, assim, para eles, os frequentadores, eu apenas bebia um cálice de bebida, ou uma caipirinha, só que eu passava, no mínimo, em dez bares,e nos últimos eu já estava completamente alcoolizado. Ao chegar em casa se a mulher falasse alguma coisa, como “ você está bêbado de novo”, eu me ofendia e sentava-lhe o braço. Não comia nada, ia dormir, e quando levantava no dia seguinte e que eu me alimentava, pela manhã, antes de ir para o trabalho. No final, eu já estava bebendo ao meio-dia, no meio da tarde dizia que ia comprar merenda no bar da esquina e aproveitava para tomar alguma bebida. Assim, certo dia fui chamado ao departamento pessoal. Lá estava o médico da empresa, que atestou que eu estava embriagado. Pedi minha demissão. Um amigo me conduziu aos AAs. Hoje estou recuperado do alcoolismo. Mas o quer saber de mim?

– Engenheiro Laudelino! Estou trabalhando na Barcelos e estou apresentado um quadro depressivo, meu psicanalista diz que é relacionado ao trabalho, me parece que tu tiveste a mesma dificuldade que estou tendo, o que podes me auxiliar nesse sentido?

– Sim, sim, entendi! O quadro depressivo que eu apresentei foi terríveis pesadelos, verdadeiros terrores noturnos, por diversas noites alguém tentava matar-me com extrema violência, acordava molhado de suor e não mais conseguia dormir. Descobri, por acaso, que, estando alcoolizado, não tinha os pesadelos, dormia a noite toda, só que no final estava dependente de álcool. E por isso saí da empresa, fiz um tratamento e estou curado.

- Mas, Laudelino! O que você atribui que tenha provocado o seu estado de depressão?

- Houve uma situação com a qual eu não soube lidar. A propósito, o João Batista ainda trabalha lá?

– Sim, e ele é o meu problema.

– Também foi o meu problema, aquela estória de induzi-lo a se afastar da empresa. Eu não soube por que o Senhor Barcelos queria tanto se livrar dele, eu não achava que ele causava tantos problemas, apenas representava seus colegas, se não fosse ele seria outro.

– Não precisa dizer mais nada, já entendi tudo. Agradeço ter me recebido em sua casa, se algum dia precisar de mim, não se acanhe, aqui está o meu cartão.

- Na manhã seguinte, marquei hora com o meu psiquiatra, iria visitá-lo após o expediente. Lá chegando, após alguma espera, fui atendido. – Boa-tarde engenheiro Olímpio Takamura, como tem passado?

– Bem, e obtive algum progresso sobre o qual quero discutir com o senhor.

Coloquei-o a par de toda a investigação que havia feito. Concluí dizendo: “O que acha de tudo isso?”

A última parte do livro a que o Senhor se referiu, eu não dei qualquer importância, pois me parece inverossímil, ficção pura, aconselho-o a não considerá-la.

– Mas, veja bem, é muita coincidência, três pessoas que, com toda a certeza, pressionaram o tal sujeito, tiveram os mesmos sonhos terríveis, um começou a beber e o outro morreu de ataque cardíaco, durante o sono. Isso para mim é prova suficiente de que os três casos têm algo em comum, além de terem pressionado o João Batista.

- Se não o estou estimulando nesse sentido é pelo fato de que há apenas suposições, e que, se verídicas, João teria assassinado o seu antecessor. Mas como vamos provar? Dizer que ele pratica delitos durante o sono. Seria considerado como desequilibrada mental qualquer pessoa que assim agisse. No entanto, devemos ter cautela, vou pedir que faça uma avaliação cardíaca. Enquanto isso, não pressione o João. Eu vou me comunicar com alguns colegas para obter mais opiniões a respeito.

No dia seguinte, João estava trabalhando em seu torno mecânico, aproximei-me, lhe desejei um bom-dia e perguntei como estava indo a série. Respondeu que estava indo dentro do possível, peguei uma peça e conferi com o micrômetro algumas medidas, e disse que estava bom. Perguntei-lhe a origem de seu sobrenome Figueiró, não tinha visto antes, respondeu que na verdade o seu sobrenome sofreu, com o tempo, alguma modificação, pois na sua origem ele fora Figerro, pois descendia de imigrantes franceses. Para não causar suspeita, lhe disse que embora não apresentasse indícios, eu tinha descendência nipônica. Ele sorriu e eu me afastei indo ter com um seu colega.

Três dias após, recebo uma ligação telefônica no celular, era o Dr. Ambrósio, meu psiquiatra, pediu para que eu o procurasse, após o expediente.

- Bom-dia, Dr. Ambrosio, como tem passado?

- Bom-dia, Senhor Nakamura! Temos novidades para você. Estive consultando alguns colegas sobre o seu assunto, apenas tive sucesso ao consultar um cientista russo que, atualmente, está fazendo um trabalho científico sobre distúrbios do sono.

Seu trabalho consiste em testar certa substância psicotrópica capaz de colocar uma pessoa em sono REM e não REM, exatamente o seu caso.

- Mas, Doutor! O que é sono REM e não-REM?

- Durante a noite, existem vários ciclos de sono REM e não-REM. O terror noturno ocorre geralmente no estágio REM, enquanto que o outro ocorre em estágios mais profundos (não-REM). Estresse, tensão emocional ou conflito também parecem estar relacionados a este distúrbio.

As causas do terror noturno são ainda desconhecidas. Algumas teorias biológicas têm admitido uma imaturidade no sistema nervoso central como causa deste problema. Outras teorias admitem que este distúrbio esteja associado com alterações em fases específicas do sono. O ciclo normal do sono envolve estágios distintos, desde a sonolência até o sono profundo. O sono REM (Rapid Eye Movement), assim chamado, é acompanhado do movimento rápido dos olhos, pois é comumente associado à ocorrência dos sonhos.

Este cientista russo, segundo os seus relatos, conseguiu colocar várias pessoas em sono REM, simultaneamente, e mais, ele conseguiu que elas interagissem, durante o sono. O inacreditável é que, todas elas após o sono, se recordam de tudo o que fizeram e com quem interagiram. Para que isso se tornasse possível, ele ministra algumas drogas que ativam certos neurotransmissores no cérebro, induzindo o sono REM.

- Mas, doutor Ambrósio, como posso encontrar este cientista russo?

- Não haverá a necessidade de você procurá-lo, ele virá ao seu encontro, dentro de uma semana. Ele espera que o seu caso contribua e muito para os seus estudos.

Na semana seguinte, fui convidado a comparecer no consultório do doutor.

- Senhor Nakamura, o Dr. Anatov sobre quem lhe falei, não poderá vê-lo. Ele está no Rio de Janeiro, participando de um congresso, ele não tinha idéia da distância entre o ABC Paulista e a cidade do Rio de Janeiro, além do mais ele não fala português, por isso, vou servir de intérprete. Já o pus totalmente a par de seus problemas. Faremos um videoconferência, nós estando no meu consultório e ele no hotel, no Rio de Janeiro.

Na tela do computador apareceu um homem surpreendentemente jovem. A câmara do consultório, ora focava a minha imagem, ora focava a imagem do Dr. Ambrósio. O Dr. Anatov iniciou a vídeoconferência, se apresentando a mim, com tradução simultânea pelo Dr. Ambrósio.

- Sou o Dr. Vladimir Anatov, psiquiatra, com pós graduação em abalos emocionais da vida moderna. Atualmente estou estudando, para defender tese, a importância do sono em cada uma de suas fases. Uma importante parte de meus estudos é sobre a possibilidade de controle dos sonhos. O seu caso em particular é muito raro e tem poucos registros, a maioria deles é ficção. No entanto, há registros, na própria Rússia, e, em outros países, que merecem credibilidade. Há certas regiões do cérebro, cujas funções ainda são desconhecidas, quanto a sua atuação. Há ainda que se considerar, a fim de estudo, o sonho como fator a ser interpretado à luz do conhecimento teológico que, por sua vez, o interpreta como sendo obra do espírito que jamais está inativo. Durante o sono, afrouxam-se os laços entre corpo e espírito e ele se lança pelo espaço e entra em relação com os outros espíritos sintonizados por ele. Temos ainda os que dizem que há mais dois tipos de sonhos. O primeiro é o premonitório, quando se toma algumas informações ou conselhos sobre algum acontecimento futuro. O segundo é o pesadelo, ou seja, o sonho ansioso, onde entra o terror. É também uma experiência real, porém penosa; o sonhador vê-se pressionado por inimigos ou por animais monstruosos, tem de atravessar zonas tenebrosas, sofrer castigos que, de fato, são vivências provocadas por agentes do mal ou por desafetos desta ou de outras vidas. E aí chegamos aos sonhos conscientes, que pode ser o seu caso: este caracteriza-se pela lembrança exata do ocorrido, pois, ao retornar ao corpo, o ser recorda-se dos fatos e atividades por ele desempenhadas no ato do desdobramento. O sujeito é capaz de ver o seu “Duplo”, bem próximo, ou seja, de ver a ele mesmo no momento exato em que se inicia o desdobramento. Facilmente, nestes casos, sente-se levantando geralmente a cabeça primeiramente e o restante do corpo depois. Alguns flutuam e veem o corpo carnal abaixo deitado, outros se veem ao lado dos corpos. Todavia, esta recordação é bastante profunda e a consciência é altamente límpida neste instante. Existe uma ligação ainda profunda dos fluidos perispirituais entre o corpo e o perispírito, facilitando, assim, as recordações pós-desdobramento.

- Mas o que mais se assemelha, ou encaixa no seu caso, são os sonhos provocados: através de processos hipnóticos e magnéticos, agentes psicotrópicos representados por certos fungos ou plantas podem propiciar o desdobramento do sonho. Os bons sonhos podem provocar satisfação e bem-estar ou auxiliá-lo sempre com finalidades superiores. Mas os sonhos obsessivos podem produzir efeitos maléficos, afinando-se com as deficiências morais dos sonhadores, propiciando assim, uma maior facilidade para que os malfeitores possam provocar o desligamento do corpo físico, atraindo o sonhador para suas experiências fora do corpo.

- Senhor Nakamura, peço que não leve em conta o que acabo de lhe falar, são apenas hipóteses, não há nenhuma comprovação científica em nenhum dos casos, até hoje estudados. Eu pretendo, com os meus estudos, fazer alguma comprovação científica, embora saiba de antemão que, apenas no final, possivelmente, restará o testemunho das pessoas que participaram da experiência.

DR. ANATOV

O Dr. Anatov, era um homem alto, com cerca de um metro e noventa, ombros largos, tônus muscular privilegiado, cabeça grande assentada sobre um pescoço quase que imperceptível, cabelos claros com um tom avermelhado, face escanhoada, nariz aquilino e dentes alvos, escondidos por um conjunto de lábios finos.

Continuou o especialista: - Senhor Olímpio Nakamura, a dietilamida do ácido lisérgico é a mais poderosa droga conhecida. Meus estudos me levam a crer que, tal substância, minuciosamente dosada, tem o poder de produzir uma viagem. Esta droga é encontrada em plantas, da família das Convolvuláceas. Essas plantas - a Rivea corymbosa e a Ipomoea violácea - eram empregadas há séculos na América Central, pelos índios zapotecas. Acredita-se que os alcaloides sintetizados causavam euforias e delírios. Ao realizar experiências com o ácido dietilamida d-lisérgico, a vigésima quinta substância extraída numa série de testes com o fungo, observei, acidentalmente, que uma quantidade mínima da droga tinha o poder de deflagrar um estado de realidade alterada. No começo, empreguei experimentalmente em sessões de psicoterapia. Posteriormente, passei a fazer experiência com os estados alterados do sono. No entanto, o usuário dessas drogas também está sujeito às chamadas bad trips, ou "viagens ruins", nas quais pode ser levado a estados emocionais depressivos, que podem evoluir para reações psicóticas e paranoia. Em casos extremos, esse estado pode prolongar-se por toda a viagem, que se transforma em verdadeiro pesadelo. Eu estava certo que a dietilamida do ácido lisérgico sozinha não podia causar um estado alterado do subconsciente, capaz de ser controlado por qualquer meio conhecido. Passei a pesquisar, a partir dessa substância, seus efeitos, se misturada com outras substâncias com o poder de mexer com os estados alterados do sono. Creia-me senhor Nakamura, o seu caso e um achado para mim. Poderá representar o fim de uma procura incessante de vários anos, sem nenhum resultado plenamente positivo até o presente momento.

- Suas suspeitas recaem sobre o senhor João Batista que, por sua vez, seria hipoteticamente, descendente de antigos participantes de uma seita dizimada na Idade Média. Seita esta que teria o poder de fazer com que o sonho fosse induzido e que, durante o mesmo, houvesse interação entre diversas pessoas. Tudo nos leva a crer que a hipótese seja verdadeira. Admitamos que seja. O que devemos fazer para sua comprovação?

- Dr Anatov. – disse o Dr. Ambrosio. – Podemos colocar o Senhor Nakamura em sono REM. E, durante este, monitorarmos as suas reações, através de onda cerebrais.

- Faremos melhor do que isso, ligaremos a ele um equipamento, que não só lê as ondas cerebrais, como também faz a transdução dessas para a formação de uma imagem.

- Dr. Anatov, você quer dizer que podemos ter as imagens do sonho em uma televisão?

- E mais ou menos isso. Posso lhe garantir que as imagens não são ainda muito nítidas, não seremos capazes de identificar uma pessoa nelas. Mas podemos ver o que está acontecendo e até mesmo acordar o paciente em caso de perigo.

Findada a videoconferência, a qual apenas ative-me a observar e ouvir os diálogos dos espertos, ficou resolvido de que dentro de um mês o Dr. Anatov voltaria da Rússia, trazendo todo o equipamento necessário à experiência.

No dia seguinte, na primeira hora, recebi a visita de João Batista, o homem estava radiante. Disse:

- Acabo de terminar a série e consegui ficar dentro dos limites aceitáveis.

- Muito bem, agora você está dentro do que sua classificação determina. João se afastou, logo telefonei para o Patrão, informando o ocorrido. O homem ficou possesso e disse em altos brados “Este merda é indestrutível, têm que apertá-lo mais! Veja tudo o que compete a um torneiro sênior fazer e lhe dê o que houver de mais difícil. Não, não, eu vou determinar o que ele vai fazer, passe-me as informações.

As funções de torneiro sênior incluíam, também, operações em centro de usinagens computadorizado.

No dia seguinte, por ordem do nosso diretor, o próximo trabalho de João seria uma série, cuja fabricação era obrigatoriamente realizada no centro de usinagem.

Aos costumes, entreguei-lhe o conjunto de desenhos e me afastei. Dez minutos após, lá estava João com os desenhos na mão, cara de poucos amigos. Disse-me: “Isto é perseguição, eu não sou especializado em centros de usinagem, tenho formação, mas não tenho prática, vou levar um tempo muito grande para programar a série.”

- Não vamos começar tudo de novo, estou lhe dando trabalhos condizentes com a sua categoria. No descritivo de sua função constam operações em centros de usinagem. Não tenho culpa se está despreparado para o exercício de suas funções. Volte ao seu local de trabalho e não suba mais para fazer reclamações, a não ser que o trabalho dado seja fora do seu descritivo de funções.

O edifício em construção era enorme, eu devia estar no vigésimo andar. A escada que estava subindo não estava protegida, o vão estava sem qualquer guarnição, se caísse despencaria até o solo. Ouço passos, alguém se aproxima, descendo a escada. Olho pelo vão aberto e vejo os três lances de escada. Ele trazia algo na mão, que no primeiro momento, não conseguia distinguir o que era. Quando ele surgiu no outro lance, consegui lhe ver por inteiro. Sua roupa negra mais parecia um monge, sua cabeça estava coberta por um capuz negro, e na mão carregava uma enorme corrente. Sem dúvida, era o meu oponente. Começo a descer a escada, acelerando os passos, porém ele cada vez mais se aproximava. De repente, sinto a corrente enrolar em meu pescoço, não conseguia respirar, já estava de joelho, o bárbaro cada vez mais apertava corrente. O estado de agonia era total! Vejo um vulto que se aproxima, subindo a escada, desfecha um tremendo golpe com ambas

as mãos fechadas sobre o torturador. Acordo com minha mulher me chamando, pois estava sem poder respirar, me retorcendo todo.

- Esses foram os acontecimentos da última semana, Dr. Ambrósio. Estou cada vez mais certo de que este sonho tem tudo a ver com o João Batista.

- Pode ser que seja, porém o difícil é provar a sua culpa. Se o que você está dizendo for verdadeiro, estaremos diante do crime perfeito.

A EXPERIÊNCIA

Um mês se passara e chegara o dia de nos encontrarmos com o Dr. Anatov.

- Senhor Nakamura, você está disposto a suportar uma experiência, nunca antes realizada? - perguntou-me o Dr. Anatov.

- Sim, certamente sim, submeto-me a tudo o que for necessário para o deslinde dos fenômenos do sono a que estou passando.

- Pois bem, inicialmente, você tomará um chá de certos cogumelos, e, após, irá respirar uma fumaça entorpecente. As doses serão progressivas e aumentadas, dependendo dos seus sinais vitais, sendo o mais importante o batimento cardíaco.

Deitado em uma maca, ligado ao aparelho de eletrocardiograma, outro registrava o batimento cardíaco e temperatura corporal. O chá apenas me deixou sonolento. Ao iniciar a respiração com a fumaça, comecei a sentir um sutil e nauseante giro, perdi todo o domínio do cérebro e da imaginação. Uma nuvem espessa e negra baixou-me sobre os olhos e eu tive a intuição de que ela fazia parte do meu sonho. Vejo uma figura invisível ainda, mas pronto a saltar diante de mim, meus sentidos dominados pelo pavor, tudo quanto havia de vagamente horrível, de monstruoso e infinitamente perverso no mundo. Formas indistintas revoluteavam em meio à escuridão da nuvem, cada uma delas trazendo em si a ameaça ou a advertência de alguma coisa iminente, o aparecimento de algo tão pavoroso cuja sombra. Por si só bastaria para fulminar-me a alma. Fiquei gelado de horror. Senti os cabelos arrepiarem-se, os olhos saltarem das órbitas, a boca escancarar-se e a língua pender para fora como um pedaço de sola. Era tal o tumulto em meu cérebro que tive a impressão de que minha cabeça ia estourar. Tudo girava, ora no sentido horizontal, ora no sentido vertical, náuseas me provocavam ânsia de vômito.

A nuvem foi se afastando, tudo passou a aparecer medianamente claro, as figuras começaram a se organizar em meu cérebro. Agora via as imagens perfeitamente nítidas. Estava em um campo, começo a caminhar até chegar a um córrego de água límpida e gelada, abaixei-me e, com a mão em concha, apanho um pouco de água e levo até a boca, o gosto salutar, o gélido frescor que sentia na boca, eram de uma realidade e clareza estonteante. Acordo com uma mão me batendo suavemente na face. “Acorde Senhor Nakamura, acorde!”

Após haver narrado em detalhes tudo o que senti aos dois médicos, estes me informaram que no momento inicial, quase que tiveram de interromper a experiência, pois meus batimentos cardíacos chegaram a 180 batidas por minuto, tal era a angústia e o pavor que experimentara durante o teste.

Já estávamos quase obtendo resultados positivos nas experiências, pois há mais de vinte dias, duas vezes por semana, nos encontrávamos, à noite, no consultório do Dr. Ambrósio para praticar a intervenção dos sonhos. A cada dia de experiência que passava, os venenos e ingredientes psicotrópicos que me eram ministrados, menos mal faziam, dada a adaptação do meu organismo. Quando obtivemos um resultado altamente satisfatório, as ondas cerebrais estavam sendo decodificadas, as imagens apareciam com nitidez satisfatória no televisor. Iniciara o sonho: eu caminhava por uma rua deserta, prédios enormes em ambas as laterais, uma espécie de nevoeiro deixava a visibilidade inferior a dez metros. As luzes nos postes pareciam um pequeno ponto luminoso, no meio da neblina densa e úmida. Com ambas as mãos nos bolsos do casaco de abrigo, com o corpo encolhido, pois a sensação de frio que sentia, obrigavam-me a caminhar rápido. Sinto e ouço passos atrás, passadas pesadas. Apuro o passo, estou quase correndo, mas sinto que o perseguidor estava cada vez mais próximo. Tropeço em algo que está

no caminho e caio incontinente, viro de barriga para cima, o vulto se aproxima. É o verdugo de sempre. O elmo com duas asas nas frontes, escondem o seu rosto. Com grande rapidez ele coloca a grande botina preta sobre o meu peito. O aperto me impede de respirar. Minha morte é iminente, a dor no peito fica insuportável. Nesse momento, chega o salvador e dáa um grande encontrão com seu ombro no verdugo, que se desequilibra, e cai ao solo. Levanto-me, nesse momento o salvador passa seu braço direito no pescoço do agressor, prende o pulso com a mão direita e o sufoca. Eu me aproximo e tento ver o rosto do verdugo, que, no momento, está imobilizado. Antes que eu pudesse ver o rosto do agressor, acordo. E ouço o professor Vladimir dizer para o Dr. Ambrósio:

- Conseguimos ter uma imagem muito boa, espero que da próxima vez possamos identificar os personagens.

O Dr. Ambrósio diz:

- A gravação em vídeo ficou quase que perfeita, apenas maculada pela neblina que distorceu as imagens. Na próxima semana, faremos uma nova sessão e espero que tenhamos mais nitidez e que possamos identificar o verdugo.

A semana se passou dentro de grande expectativa. Na quarta à noite, tudo preparado para uma nova intervenção. O ritual foi o mesmo da experiência anterior. O psicotrópico ingerido, não mais causava efeitos colaterais terríveis com nas primeiras experiências. Entro em sono profundo e lá estava eu caminhando entre ruínas e escombros, frutos de um bombardeio. Meus trajes eram civis, estava com uma calça de brim azul, jaqueta cinza e tênis. Olho para todos os lados, apenas escombros e ruínas, nada se movimentava na paisagem. No final de uma espécie de rua, ao longe, avisto um vulto que se aproxima. Tinha a aparência de um monge, com uma túnica marrom, uma corda amarrada na cintura e um capuz. Nesse momento, viro-me para ver para onde correr. Na direção contrária avisto um outro vulto, que se aproximava. Eu estava no caminho dos dois, qual deles seria o verdugo e qual seria o salvador? Fico parado, visualizo melhor o segundo, uma espécie de homem das cavernas, grandes pelos o cobrem, na cabeça uma espécie de máscara animal, não dá para ver corretamente, mas assemelhava-se a uma cabeça de gato selvagem. Na mão, ele trazia uma espécie de arma primitiva, seria, talvez, um tipo de tacape. O homem primitivo avança ligeiro e sagaz. Ergue o tacape e rapidamente se aproxima de mim, com a pretensão de desferir-me um golpe fatal. Nesse momento, identifiquei o verdugo, certamente, o outro seria o salvador. Esquivo-me e corro para o lado, ambos se encontram e começam a lutar entre si. O monge, ligeiro, maneja a corda com uma habilidade incrível, mas o verdugo desfere violentos golpes com o tacape. Corro a ajudá-lo, quando vejo a corda no solo com uma laçada pronta, passo-a no pescoço do agressor, enquanto o salvador o segura pela mão que porta o tacape. Atiro a corda por cima de uma viga de madeira, que está suspensa entre os escombros, o salvador vendo isso, larga o braço do verdugo e dá um salto pegando a ponta da corda, colocando todo o seu peso sobre ela, que, nesse momento, ergue o corpo do verdugo, sufocando-o. O verdugo coloca sua mão no pescoço, na tentativa de afrouxar a corda que está lhe sufocando, tudo em vão, o peso do salvador o mantém elevado, e o ar lhe falta nos pulmões e ele começa a tremular as pernas, até que os movimentos vão diminuindo e cessam por completo. A corda solta e o corpo cai inerte ao solo. Nesse momento, me vem a necessidade de identificar o verdugo. Arranco-lhe a máscara e o vejo nitidamente. Era o Senhor Barcelos. O monge retira seu capuz, que não permitia que visse seu semblante. Olho-o e quase morro de espanto. O salvador, era nada mais nada menos do que João Batista. Neste momento, sou acordado pelo professo Vladimir e pelo Dr. Ambrósio. O Dr. Vladimir disse: “O êxito foi total, temos a gravação completa de todo o sonho.”

Na manhã seguinte, a notícia se espalhou rapidamente, o Senhor Barcelos tivera uma parada respiratória durante a noite e amanhecera morto.

Olímpio Nakamura dedicou-se a investigar os fatos que culminaram no desfecho inusitado, tendo descoberto o seguinte:

“Que o Senhor Barcelos era descendente de alemães que migraram para a França, e lá se envolvera na seita que dominava a interferência nos sonhos. E, mais, que o referido tivera um filho que, ao entrar na universidade, sofrera um trote como calouro e perdera a vida. Os culpados foram condenados por homicídio culposo, e a sentença foi simbólica, apenas prestaram serviços à comunidade, por três anos. Por isso ele tentou eliminar os três engenheiros responsáveis pelo trote. Para tanto, atraiu os três, um a um, a sua empresa, para eliminá-los quando dormiam.

João Batista, imigrante francês, também descendente dos praticantes da intervenção nos sonhos, sabia que algo havia de errado. E, por isso, intervinha nos sonhos, tentando impedir os assassinatos.

rocado
Enviado por rocado em 16/08/2018
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