ALGUNS ASSUNTOS SOBRE SARAH

 
 — Não quer me contar a verdade, ou acredita mesmo que ela se matou?
— Já disse, não tenho certeza do que aconteceu. — Respondeu Artur, mordendo as unhas.
— Diga Artur, porque encostou no corpo. Estava morta, porque encostar nela então.
— Do que adianta, não importa o que disser. Ela está morta agora, para que continuar com tudo isso.
— Sarah tinha problemas... Sarah costumava me visitar todo mês desde o outono passado. Tinha problemas de ansiedade, então procurava a mim para conseguir lidar com eles.
— Sarah nunca contou nada sobre você.
— Sarah costumava se reservar de certos assuntos. Precisava disso para aprender a lidar com os outros.
— Não estou entendendo. Porque esconder de mim.
— Se te deixa melhor, ela também nunca falou de você. Nossa relação sempre foi muito intima, ainda assim, nunca nem mencionou seu nome.
— Ela era difícil, tinha muitos problemas...
— É mesmo, então sabe o que ela fez no inverno de 89.
— Sim. Infelizmente ela me contou.
— E como reagiu? — Perguntou Evelyn, sem mudar de expressão.
— Para ser sincero, teria feito o mesmo.
— Bem, então estaria disposto a isso. Matar alguém por raiva.
— Não por raiva..., por medo.
Evelyn não respondeu, deixando-o continuar.
— Se eram tão intimas, deve ter lhe contado como ele era.
— Sim, ela me contou.
— Os abusos frequentes, a humilhação, o desprezo... — Cuspiu se estivesse preso no fundo da garganta.
— Sarah podia ter procurado ajuda na época.
— Que ajuda? Ninguém nem sequer bateu na porta dela para perguntar se estava viva ainda. Ninguém.
— Mas você bateu...
— Naquela noite não. Naquela estava em casa, em coma alcoólico.
— E exatamente o que diz na sua ficha.
— Ela escondeu o corpo dele por quinze anos na geladeira. Quinze anos...
— Já disse que ela tinha problemas. Naquela época também tinha os meus. Tive de me afastar. Só fui saber o que ela tinha feito dois anos depois, quando apareceu na minha porta bêbada e com uma arma na cintura.
— Não tinha ideia do que ela era capaz, não é mesmo.
Artur esfregou o nariz com força, e de cabisbaixo fez que sim.
— Ela te contou sobre o filho que teve um ano depois.
— Não.
— Meu deus. Então mal a conhecia.
— Conhecia ela o suficiente para saber que estava muito perturbada.
— Não... não, não, não... ela fugiu de mim porque sentia alguma coisa por você. Mas quando chegou até você, não era mais o mesmo. Ela me contou...
— Também tenho meus problemas.
— Sabe quantos ela matou.
Artur sentiu seu pomo de adão subir até quase a boca da garganta naquele momento.
— Não foi ela.
— Certo. Acho que nessa altura não precisa de joguinhos comigo senhor governador. Não estou trabalhando para a polícia se é isso que pensa.
Longe deles, uma brisa forte chutou a janela.
— Ela me implorou.
— Eu sei. Também me fez implorar antes que acontecesse.
— Nove.
— Como disse.
— Contei nove desde aquela época. Nove corpos.
Evelyn abriu um pequeno sorriso no canto da boca e continuou.
— Porque estava lá naquela noite?
— Porque ela me ligou?
— Assim, do nada...
— Isso mesmo. Mal consegui entende-la no telefone. Só ouvi-a dizendo que me esperaria na ponte.
— Se importa se ascender um cigarro.
Artur balançou a cabeça fazendo que não.
— Sarah me procurou naquele dia. Precisava de alguma coisa, mas não quis me contar quando disse que não sabia do que se tratava. Ela me derrubou então, amarrou-me a mesa da sala e revirou a casa.
— Mas, naquela manhã Sarah estava comigo.
— E nesse ponto que quero chegar. Sarah não podia estar em dois lugares ao mesmo tempo. Quando saiu, me desamarrei e liguei para ela... ela atendeu muito diferente de antes, parecia mais calma. Não quis contar o que aconteceu, então desliguei o telefone.
A expressão de Artur logo se transformou num misto de espanto.
— Sarah estava comigo. Comigo. Peça que puxem as câmeras do bar do juiz.
— Não entendeu ainda não é... Aquela era a Sarah. Quem quer que estivesse com você era outra pessoa.
— Impossível.
Evelyn puxou a manga, mostrando-lhe uma cicatriz no braço.
— Ela me fez isso naquele dia. Deixou claro que se um dia voltasse, terminaria tudo. Mas nunca voltou.
— Sarah nunca mais apareceu naquele dia também.
— Porque ela encontrou a outra. Alguém que não via a vinte sete anos. E que agia sob seu nome a muito tempo.
— Então aqueles dias que passei com ela...
— Exatamente. Não era ela.
— Mas... — Engasgou Artur, enquanto pensava no rosto de Sarah.
— Eu cheguei na ponte eram onze e meia, talvez. Encontrei caída ao lado de uma poça de sangue, mas o sangue não era dela. Ouvi a sussurrar... — Me perdoem — Em seguida, ouvi ela morrer. Toquei nela, porque não acreditei que seus olhos finalmente tinham perdido o brilho.
— Sarah vive...
— Mas... não é ela.
— Talvez... talvez mude de nome e comece de novo. Não acho que aquilo vai parar.
— Aquilo?
— Exato, aquilo. Sarah tentou me avisar diversas vezes, tentou pedir minha ajuda, mas neguei... neguei que pudesse ser verdade. Deixei-a escapar entre meus dedos para sempre.
— Podemos encontra-la ainda se for verdade, fazer a verdadeira assassina pagar.
— Não acho que será possível.
— Porque?
— Não tinha certeza até hoje, mas agora... sei que quando invadiu meu apartamento naquele dia, estava procurando as outras.
Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 15/08/2018
Reeditado em 15/08/2018
Código do texto: T6420165
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.