A COVA
 
A neblina sobrepujava boa parte da igreja e o cemitério que havia ao fundo. Não tinha como imaginar a quantidade de gente que a igreja enterrava lá todos os anos, mesmo depois de não haver mais lugar para colocar mais cadáveres, eles enterravam, quase toda terça nos últimos cinco anos. A igreja paroquial tinha cerca de três séculos, construída por Jorge Gibelino de Castro, homem fiel e dedicado a espelhar a paz, mas que anos após sua morte foi descoberto que estava abusando dos meninos da igreja, e sentindo que poderiam contar para alguém, ele os matava e em seguida os enterrava no cemitério, colocava seu corpo em qualquer cova e em seguida pedia para o coveiro enterrar alguém lá no dia seguinte.
— Não acha que podem estar todos empilhados debaixo da terra... — Disse Isaac.
— Se depender da igreja, sim.
A vista do pátio a noite era inquieta com o som dos gafanhotos e das corujas. Não deveriam estar lá a essas horas, mas precisavam descobrir o que o padre fazia toda noite na cova atrás da igreja.
— Olha ele saindo. — Avistou Rafael eufórico.
— Não faça barulho... pode nos ouvir.
Padre Ernesto, tinha segredos que muitos nunca desconfiariam, ainda assim se comprometia a visitar uma velha cova atrás da igreja toda a noite, levantou uma taça de ouro e um livro antigo.
— Vamos segui-lo.
A lua sempre majestosa ajudava-os iluminando boa parte do caminho. Isaac ajudou Rafael a escalar o portão negro, que também não era tão alto, o difícil era se equilibrar entre as lanças no topo.
Rafael sempre precisava de sua bombinha de asma, mas naquela noite nem sequer conseguia tira-la da boca com tanto medo.
— Venha, vamos dar a volta.
O cemitério tinha uma placa no alto de um pequeno portãozinho; Ninguém será abandonado no céu, estarão todos salvos na glória e no espirito santo.
— Está ouvindo...
— Me perdoe por favor. Não consegui traze-lhes um hoje. ­— Ressoou a voz do padre.
A cova estava aberta, tinha sido construída a anos, a princípio seria um mausoléu, mas antes que a obra conseguisse ser finalizada, três pessoas desapareceram lá dentro e os demais trabalhadores sabendo o que tinha acontecido nunca mais voltaram para terminar o serviço.
— Uma alma... ou a sua.
— Eu sei, eu sei, eu sei... mestre. Peço que seja paciente.
— O último que me trouxe já estava podre. Traga-me um corpo quente.
— Vivo você diz.
— Isso mesmo.
Isaac colocou a cabeça para dentro da cova. O padre estava parado a frente de uma estátua apavorante, seus olhos piscavam numa cor vermelho-rubro.
— Tudo bem, trarei alguém vivo até amanhã.
Ernesto recolheu os ossos de irmã Lucinda, colocando-os em um saco de lixo, e saiu da cova.
Eles não acreditavam no que tinham visto e ouvido.
— Você viu, eu sabia que tinha algo errado. Não podemos deixar que ele mate alguém.
— E vamos fazer o que?
— O que for preciso.
O dia amanheceu, tão rápido como qualquer outro. As nove horas da manhã eles seguiram o padre até a casa de Manuela, uma senhora de setenta anos que perdera a visão a pouco tempo.
— Senhora Manuela, não sabe quão feliz estou.
— Porque Padre.
­— Hoje Deus me deu o prazer de lhe mostrar seu poder.
— Como assim.
Enquanto conversavam, Rafael e Isaac espiavam pela janela. Ernesto segurou a caneca de porcelana e bateu contra a testa de Manuela com o máximo de força que sua idade permitira, fazendo-a desmaiar.
— Ele bateu nela.
Eles se esconderam dentro do carro antes que o Padre saísse arrastando Manuela pelos braços, até coloca-la no porta malas.
Ao chegarem na igreja, ambos esperaram ele se afastar e saíram do carro, estavam atônitos, mas tinham que fazer algo. E antes que o padre chegasse na cova eles o abordaram.
— Oi Padre, por favor pode me ajudar.
— Rafael, o que houve? — Perguntou Ernesto, tentando disfarçar.
— A igreja está pegando fogo.
Ernesto correu na direção da porta principal e entrou na igreja acompanhando os meninos, mas não viu ou sentiu cheiro alguém de fumaça.
— Onde está o fogo, garotos?
Rafael pulou sobre as costas do padre derrubando, enquanto Isaac lhe deu o chute mais forte que pode na boca do estomago, fazendo o padre desmaiar de dor.
— O que vamos fazer agora?
— Vamos leva-lo a cova!
— Tem certeza.
— Tenho!
— Não sabemos desde quanto está fazendo isso ou quantos já foram.
Rafael relutava, mas sabia que Isaac estava certo. Eles levaram o padre para trás da igreja e quando não aguentaram mais suspende-lo começara a gira-lo pelo caminho.
Dentro da cova não havia nada, a não ser a estátua.
— Deixe-o... estou com tanta fome. Tragam-me alguém de novo amanhã e serão recompensados com toda riqueza que quiseres. — Explodiu uma voz da estátua.
Os garotos se entreolharam nervosos, em seguida saíram da cova e voltaram no dia seguinte.
 
Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 12/08/2018
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