A porta da casa
A porta da casa era estreita, parecia selecionar quem ali entrava. Não era uma casa grande, mas também não era pequena. Mas nessa história, o mais importante não eram portas, janelas, nem geladeiras ou fogão. Era a casa, ou melhor, os moradores da casa.
A cidade ao longo dos anos não mudou muito, porque nenhuma grande empresa se instalou ali. A linha do trem, há anos abandonada, continuava triste, enferrujada.
A casa ficava bem na beira da linha do trem. As rachaduras nas paredes eram a prova que um dia pesadas locomotivas, abarrotadas, apitando, como se sorrissem passaram por ali. Velhos tempos...
Nos fundos da casa tinha um abacateiro imenso, e que agora já velho não alimentava mais ninguém. Acabou virando um condomínio de casinhas de João de barro. Os vizinhos mais antigos contam com satisfação que em outra época, chegaram a contar trinta e três casinhas, uma em cada galho, e todas com moradores. Ficavam imaginando se eles conviviam bem.
Mas um dia todos se foram. E a porta da casa aberta. Como se esperasse por alguém.
Apesar de não receber moradores há a muito tempo, a casa se mantinha muito bem conservada. A pintura não desbotara, o telhado continuava bem firme. Não haviam sinais de goteiras pelos cômodos. As torneiras funcionavam perfeitamente. Só não havia luz.
Quando a empresa de energia instalou os padrões dos vizinhos, a casa ficou sem, porque ninguém poderia assinar a papelada. Não morava ninguém lá.
Na frente da casa havia um pequeno jardim, que curiosamente estava sempre florido. A impressão que se tinha era que algum vizinho, sem que ninguém soubesse, ia lá todos os dias regá-lo. Mas era só impressão mesmo. Porque ninguém naquela rua chegava perto da casa. Nem os mais atrevidos. Os abacates apodreciam. As crianças mantinham o respeito e o medo. Bobagens de criança.
Penso que só os pássaros conheciam o gosto dos abacates.
Do outro lado da linha do trem, ficava o cemitério da cidade. Muito bem cuidado, os túmulos brancos, pintados com cal, era lindo em dia de finados.
Um senhor de nome José Benedito, o morador mais antigo da cidade, conta que quando era pequeno, conheceu os únicos moradores da casa. Ele disse que era um casal muito simpático, velhinhos e que nunca tiveram filhos. Disse que a senhora adorava flores, e que os dois eram bem pequenos. Até se pareciam. Eles não eram de muita conversa, mas sempre foram educados. Boa gente.
Quando eles morreram, juntos, e deitados na cama. Ninguém apareceu. Nenhum parente, pra organizar o enterro, velar os mortos.
O que toda cidade sabia era que a porta da casa estava aberta quando acharam os corpos. Aliás por ela saia o mau cheiro que chamou a atenção dos vizinhos.
E que essa porta estreita, desde esse dia nunca mais se fechou. O jardim estava florido naquela manhã.
E ainda continua assim.
A porta da casa aberta causava medo e também curiosidade no povo da pequena cidade. Não que fosse proibido falar no assunto da casa, mas todos concordavam que era melhor falar de outra coisa.
Acontece que um dia, num dilúvio, um viajante passava por ali. E por seu azar, ou sorte, seu carro resolveu quebrar bem em frente a casa. Estava tão escuro que ele nem percebeu que na frente da casa ficava o cemitério. Talvez ele teria empurrado o carro pra longe porque morria de medo de histórias de assombração.
No outro dia bem cedo a chuva já havia parado e com a ajuda da claridade, rapidamente ele resolveu o problema do carro e seguiu viagem. Mas como sentia muita fome, parou na mercearia, que também fazia o papel de padaria pra tomar um café. O forasteiro acabou ouvindo uma conversa no balcão e para puxar papo contou aos homens o ocorrido naquela noite.
Falou da noite passada, da chuva, que a rua estava deserta e seu carro não dava sinal de vida, mas que depois de tentar de tudo e desistir, observou que a casa na frente estava com a porta aberta. E disse que por sorte foi muito bem acolhido por um simpático casal de velhinhos.