CONTE ATÉ TRÊS
 


— Filho, mamãe fez algo terrível com papai e vou ter que ficar longe de casa por muito tempo.
— Mamãe, vo-cê vai pra onde...
Maria olhou para a expressão dos policiais e respondeu.
— Não tenha medo filho. Sempre que precisar de mim, conte até três que estarei esperando aqui dentro, nas suas lembranças.
Mario puxou o ombro de Maria com força, seus olhos se contraíram numa lagrima de desespero.
— Só conte até três...
Nicolas viu algemarem sua mãe, pondo-a dentro de um carro de polícia e nunca mais a viu novamente. Durante os anos que se sucederam, o garoto descobriu que sua mãe não tinha sido presa. Mas depois de descobrir isso, não conseguiu mais nenhuma informação dela.
— Amor, vá buscar o Kevin... — Falou Nicolas.
Simone fez que não com a cabeça chorando.
— Amor... o que foi?
— Eu não aguento mais isso... o que há de errado com nosso filho.
— Vai ficar tudo bem.
— Que porra Nicolas, nada vai ficar bem. Você não viu, ele arrancou a cabeça do gato e abriu com o martelo.
Nicolas debruçou-se contra a mesa, colocando as mãos no rosto.
— É uma fase, vai passar.
Ela balançou novamente a cabeça num sinal negativo, enquanto seu rosto se fechava numa expressão de raiva.
— Porque está fazendo isso comigo?
— Como?
— Tratando tudo como se fosse normal... — Gritou ela.
— Estou assim porque é nosso filho. Qual é Simone, quer que eu faça o que, interne o garoto, chame ele de louco.
— Quero que você seja realista. Faz um ano que ele não vai à escola, estamos tendo que pagar fortunas para pagar professores particulares que ainda não conseguem ensina-lo uma simples conta de matemática. Sou eu que tenho que levá-lo ao médico quando tem suas crises, não você, sou eu que tenho que passar vergonha, não você, sou eu que tenta deixar essa casa em pé, não você, sou eu que...
— Se é você que faz tudo porque não pede divórcio.
Simone engasgou, reprimindo seu rosto numa expressão de desaprovação.
Enquanto discutiam houve um barulho no andar de cima, como o de um espelho se quebrando.
— Eu não vou lá em cima...
— Sabe que ele é seu filho...
Simone não respondeu, apenas virou o rosto e parou de chorar. Nicolas continuou olhando para seu rosto até que se levantou da cadeira, e foi até o quarto de Kevin. Antes de entrar, ele ouviu uma voz nostálgica conversando com seu filho.
— No final eles vão entende-lo...
— Meus pais vão me amar.
— Não... mas eu te amo querido. Agora, prometa-me que quando chegar a hora irá contar a três.
— Eu vou...
Nicolas aproximou-se da porta entreaberta e viu Kevin parado próximo de um pedaço de vidro no chão, e dentro do reflexo havia um rosto, não era possível ver exatamente quem era, pois estava escuro, mas se assemelhava a uma silhueta feminina.
Quando entrou no cômodo, ascendeu a luz, Kevin olhou-o assustado, sua mão estava sangrando e havia um círculo perfeito desenhado em um pedaço de vidro.
— O que você fez Kevin...
Kevin se afastou, encostando-se na parede ao fundo.
— O que aconteceu com o espelho? — Perguntou Nicolas nervoso, mas não teve resposta.
Nicolas apanhou os cacos de vidro e varreu o quarto, em seguida pôs Kevin para dormir e trancou o quarto dele.
Eram onze horas da noite quando Nicolas conseguiu ir se deitar. Simone estava virada de costas para ele na cama, coberta até a altura do pescoço e ouvindo música. Nicolas virou-se de barriga para cima e disse;
— Já te contei o que aconteceu com minha mãe?
Simone fingiu que não ouviu e continuou virada.
— Acho que faz vinte e dois anos agora. Eu acordei uma noite e encontrei meu pai caído no banheiro, com um buraco na cabeça, nunca tinha visto tanta tripa e sangue... só em filmes... depois só me lembro de uns policiais chegando em casa, eles encontraram meu pai daquele jeito, colocaram a culpa na minha mãe e em seguida a levaram. Minha mãe tinha histórico de doença mental, nestes últimos anos descobri que antes de eu nascer ela havia sido internada em seis clinas psiquiátricas diferentes, antes eu diria — não foi ela — mas agora... Naquela noite ela me abraçou bem forte, e me disse que sempre que precisasse dela era só contar até três. Engraçado, contei a três milhares de vezes e ela nunca apareceu. Descobri a pouco tempo que ela nunca chegou a ser presa, nem tinha ficha na polícia...
Simone ouvia tudo, mesmo fingindo que não.
— Devo estar ficando louco como ela, porque quando subi no quarto de Kevin ouvi ele conversando com ela... e tenho quase certeza que ouvi ele dizendo o nome dela, Maria... e isso me fez lembrar que nunca tinha comentado o nome da minha mãe aqui dentro de casa, nem para você.
Em seguida Nicolas virou para o outro lado da cama.
— Um... dois... três... — Disse Nicolas com dificuldade.
Simone continuou virada, enquanto ele pegou no sono.
As três horas da madrugada Nicolas acordou, notando que sua mulher não estava na cama ele se levantou. Estava escuro, e ao tentar ascender a luz percebeu que a casa estava sem energia.
— Simone... ­— Chamou ele, apanhando uma lanterna no criado mudo.
— Simone...
Então sentiu uma respiração no seu pescoço, mas ao virar não encontrou ninguém. Nicolas abriu a porta do quarto, o corredor por mais deserto que estivesse nunca parecia estar vazio com a centena de brinquedos espalhados pelo caminho. Quando apontou a lanterna para sua frente, notou que a porta do quarto de Kevin estava arrombada e havia uma figura riscada na parede; um círculo perfeito.
Ele se aproximou devagar, até que percebeu um rastro de sangue que levava para dentro do quarto de seu filho.
— Kevin, Simone...
Nicolas esperou, tomou folego, pegou uma vassoura que havia próximo e caminhou até a porta. Na sequência foi derrubado por alguma coisa que veio pelas suas costas.
Caído viu o rosto do filho iluminado pela lanterna e atrás dele um rosto na penumbra, escondido no escuro. Kevin segurou a lanterna...
— Um...
— O que está fazendo filho.
— Dois...
— Por favor pare...
— Três...
E desligou a luz.
Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 09/08/2018
Reeditado em 09/08/2018
Código do texto: T6414581
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