À beira da loucura
A escadaria em caracol não acabava e Marvin Lúcio só tinha como opção continuar subindo, pois a cada degrau que subia o anterior sumia no vácuo. Não era um sonho o que ele estava experimentando. Era a realidade nua e crua ou ele estava louco. Não tinha outra explicação. Nem no pior pesadelo, Marvin sentiria o que estava sentindo. Seu corpo era refém de um círculo vicioso: ora sentia um frio intenso, uma febre cruel que fazia arrepiar-lhe todos os pelos do corpo, e ora experimentava um calor tão forte que o fazia suar mais que as gotas d’água que caem das cataratas do Niágara. Marvin Lúcio lembrava-se de uma chave. Uma chave-mestra. Ela abria todas as portas, mas a porta que ele escolheu o trouxe para o tormento, para a maldita escadaria que insistia em não terminar. Marvin Lúcio era cientista. Não era um Einstein, mas chegava perto. Como físico, não acreditava na existência de Deus. Era ateu por convicção e ponto final. Mas sua família insistia em tirá-lo do lado das trevas e levá-lo para o da luz. Tempo perdido. Morreu acabou. Era o que Marvin pensava antes de pegar a chave-mestra da árvore. Se ele fosse religioso, como sua família o era, pensaria que a árvore enorme com raízes fortes e extensas era a árvore da vida. Da vida eterna. Mas ele não era religioso. Também não bebia, nem fumava e jamais experimentou drogas ilícitas. Era um “careta”, um conservador. Tinha 60 anos, mas não aproveitara a vida. Deixou-a escorrer por entre seus dedos como areia e agora era tarde demais… Subitamente, a extensa escadaria termina e dá lugar a um imenso salão, com piso de mármore branco, iluminado com uma luz que de tão forte chega a cegar. Da descomunal sala, surge um bando de homens (mais de cinquenta) vestidos com mantos brancos da cabeça aos pés e com enormes cruzes vermelhas bordadas no peito, gritando orações e cânticos religiosos enquanto espancavam Marvin Lúcio até o fazer desmaiar de tanta dor.
Quando acorda, o cientista está livre do transe e em paz. Sua alma está purificada e leve como uma pena. Os espíritos imundos que habitavam seu corpo finalmente o deixaram. Marvin Lúcio, antes um ateu convicto, é, agora, o mais assíduo frequentador da igreja Só Jesus Salva.
Amém.
FIM