Chacal - CLTS 04
Danilo sente uma gota gélida cortar seu rosto. Ela escorre pela têmpora e pinga em seu peito, da ponta do queixo. Mas o tempo está frio. A gota é fantasma. O fantasma, era a certeza do fim.
“Pra que porra eu fui entrá nessa... que merda... ele não me disse que ia fazê isso...”, os pensamentos de Danilo o impediam de ver com clareza a cena que se pronunciava diante de seus olhos: o filho Mateus, de 1 ano e meio, acabava de se erguer com a desenvoltura de um ginasta pela primeira vez sem demostrar receio... balançava os bracinhos para não se desequilibrar mas as perninhas estavam um pouco bambas... e ele cai com sua branca bunda de fralda no chão do tapete da sala.
- Meu Deus Danilo! Você viu? Você viu? O Teteu tá quase andando meu Deus! Que menino mais sabido da mamãe meu Pai! Era pra ter filmado rapaz... tudo que é bom nós temos que filmar pra mostrar pra eles depois... quando eles quiserem bater na gente... - a alegria de Paula era mais que perceptível nos olhos brilhantes que em instantes se perguntariam onde estava Deus...
“EU SOU A VOZ DE DEUS! O Juiz desse pedaço esquecido que precisa ser salvo...” a voz do chefe reverberava em sua consciência arrependida, Danilo relembrava o tempo todo coisas que gostaria de não ter ouvido ou visto... Chacal era severo ao extremo... na mesma proporção em que era bom ator, todos sabiam de sua fama. A política era sua maquiagem perfeita, ninguém duvidava da palavra do Prefeito Normando, o “Pastor do Povo”. A Igreja era seu véu. Só por baixo dos panos alguns podiam conhecer sua pele verdadeira, a pele do Chacal... Uma inquietante sensação de serpente a fitar-lhe sussurrava que o plano não havia dado certo... a traição seria descoberta e se isso acontecesse... se isso acontecesse... Danilo sabia que havia sido enganado primeiro, antes de enganar... 10 kg do “sal mágico” desviados mudariam sua vida definitivamente... mas que ideia... ele havia confiado nas pessoas erradas.
Ele engole em seco. A garganta dói.
Olha para a mulher e o filho. Mais à frente, Luiza, a primogênita, sua cópia fiel 20 anos mais nova, vê TV.
Ele os ama...
- Cê tá bem, amor? Tá todo voador aí, uma hora dessa da noite, tu já tá com sono né? Eu sei que trabalhar pra político é cansativo, dirigir pra cima e pra baixo o dia todo ouvindo conversa... mas cê tem que dar um passeiozinho com o Ying e a Yang antes de deitar, vai fazer bem, eles tão tudo apertado e eu tenho que dar o pápá do Teteu - o casal de cãezinhos poodle peludos, um todo branco e o outro totalmente preto, correm pela casa. Em cima do armário, Sr. Pestana, um gato tigrado e castrado, lambe o pelo e observa ao redor. Ele sabe de tudo, do que vai acontecer... Percebe as energias invasoras, mas nada pode fazer.
- Não Paula, por favor, eu não tive um bom dia hoje, peça pra Luiza dar uma volta com eles - Danilo não parava de pensar na situação em que havia se enveredado, culpa do dinheiro... Ele olha ansioso o celular, aguarda um sinal. O ícone no WhatsApp surge acompanhado de uma vibração.
“Danilo me escuta cara, sai já daí agora, foge com a tua família cara, o Chacal descobriu tudo, me desculpe meu irmão... eu vacilei, arruma uma arma p você cara, não dá mais pra gente se falar por aqui”
Ao terminar de ler a mensagem Danilo sente como se sentia quando por teimosia comia algum derivado do leite, a barriga parece derreter por dentro, o calor é acompanhado por calafrios intensos que sobem pela espinha e terminam na nuca. Danilo sabe que no dia em que ouvira a conversa no carro de luxo que dirigia por profissão sua vida estava sendo selada com um carimbo de ida sem volta para a terra do arrependimento. Ele digita com mãos trêmulas:
“Raul, q q cê tá dizendo cara? Vc disse que eu não ia me arriscar se entrasse nessa, eu confiei em vc, lhe disse tudo que eu sabia, agora a minha família tá em perigo? Eu mato vc se alguma coisa acontecer com eles! Eu te mato porra!”
A mensagem é visualizada. Não há resposta. Na sala, o som da TV é sobreposto pelos latidos dos cães que se divertem arengando com Sr. Pestana, que nunca está afim de brincadeiras. Mateus está no colo da mãe que tenta pôr a mamadeira em sua pequena boca malcriada.
O celular vibra. É uma chamada. O número está privado.
- Alô?
- Se liga Danilo, é rápido man, presta atenção - Danilo reconhece imediatamente a voz nervosa de Raul - Eu tenho 4 filhos cara... me perdoe irmão... você sabe quem é o Chacal... não sei como ele descobriu... eu arrisquei tudo mas consegui o perdão cara... devolvi tudo a ele... você também pode... é só assumir o erro cara... - a voz do outro lado rompe num choro contido. Danilo percebe que há outras pessoas de onde Raul o liga, parecem sussurrar o que querem que ele diga.
- Raul, me escuta porra - Danilo se levanta da sala e segue rápido até a cozinha - Como foi que ele descobriu? Você entregou a gente porra! Você é um filho da puta pilantra! Isso ia mudar tudo pra gente caralho! Seu arrombado! - Danilo fala alto, os olhos brilham com lágrimas que quase escorrem. Não percebe que acabara de se entregar. A ligação é encerrada.
- Amor, tá tudo bem? - Paula se aproxima com Mateus nos braços. Ela não faz a mínima ideia da armadilha que acabara de capturar seu destino e de sua família.
-Num é nada não amor... coisas do trabalho... eu vou deitar um pouco, depois a gente conversa mais, tá? - Danilo saiu rapidamente da presença da mulher e se trancou no banheiro que ficava em seu quarto.
Os últimos 6 anos desfilavam em sua mente impactada. Desde que começara a trabalhar como motorista do prefeito, a vida de Danilo havia mudado consideravelmente, acabara por se tornar homem de confiança do homem mais temido da região, envolvido em diversos processos sob diversas acusações que iam desde desvios de verba a execuções de famílias inteiras associadas à política e ao tráfico de drogas, apenas por presenciar suas conversas e ordens... seu silêncio e sigilo o mantinham no cargo. Ordens de execução, tortura, abusos, entregas de propina, todo o esquema encoberto pela desinformação era repassado em diversos contatos realizados a bordo do carro, o lugar mais fácil para tratar de assuntos ilícitos. A elite de Comendador Negromonte, uma cidade em ascensão do interior de Alagoas, campeã nos índices de desenvolvimento no setor agropecuário e líder no ranking de mortes antes dos 18, fazia da ignorância e do narcotráfico o alicerce perfeito para a perpetuação de seu poder, a oligarquia organizada morbidamente sobre a deseducação e fé do povo, se alimentava de sangue e ouro... Era só pôr desemprego, enxadas, álcool, crack, cocaína, facões de cana, maconha e algumas pistolas nos lugares certos e aguardar o lucro, essa era a fórmula que dava certo por todo o país. Desde que assumira a prefeitura, o “Pastor do Povo”, Normando Sacramento, bispo da Igreja Épica Da Totalidade de Deus, conhecido por um restrito grupo secreto pelo codinome de “Chacal”, devido a crueldade e frieza com que tratava de seus interesses, o número de mortes não esclarecidas, desaparecimentos, e de empregos no corte da cana havia aumentado como nunca. Danilo descobriu o apelido sem que o chefe soubesse, por acidente. A luta contra a violência e o tráfico nas ruas era o slogan permanente em sua forma de administrar que passava sempre pelo direcionamento de Deus em suas supostas decisões. O próximo passo consistia na candidatura a Governador do Estado. A mídia local fazia seu serviço de tal forma que a imagem do prefeito em destaque estava sempre imaculada e qualquer um que ousasse se arriscar a manchar tal reputação certamente estaria dando passos deliberados para um fim certo. O silêncio era a lei que movia as engrenagens de uma sociedade mascarada pelo medo... Já haviam se passado 7 anos da Era Chacal...
Uma era de sangue.
E havia muito mais escondido.
Muito mais...
Um mês antes, na tarde em que ouvira Chacal mencionar numa conversa ao celular o endereço onde 1 tonelada de cocaína, o “sal mágico”, vinda de Bogotá, estava escondida numa casa humilde de uma vila de desempregados em sacos de lixo pretos, uma voz sussurrou no ouvido de Danilo que essa seria a chance perfeita para mudar de vida e consequentemente mudar a vida de sua família. Só precisava encontrar a pessoa certa para fazer o serviço. Raul era essa pessoa, se conheciam desde a infância, eram amigos, e Danilo sabia dos seus dotes furtivos , alguns quilos a menos talvez não fossem percebidos de imediato... eles conversaram durante um bom tempo até decidirem, após um plano ousado... 10 kg seriam o suficiente para que ambas as famílias deixassem o Estado, já que havia um receptador certo em outra cidade disposto a comprar tudo, dinheiro vivo, e não havia nenhum tipo de segurança na guarda da carga além do desconhecimento total dos mortos-de-fome que moravam na tal vila. As altas esferas das polícias militar e civil eram o braço forte na administração de Chacal, sem ela todo o esquema estaria fadado a desmoronar. Havia um eficiente grupo de extermínio. Fora a polícia quem guardara a encomenda mediante gorda comissão dividida entre um grupo subdividido em duas viaturas. Mas o plano de Danilo havia dado errado... depois de tanto planejamento... de alguma forma. Ele não sabia como. Chacal agora estava ciente de que fora traído por um homem de confiança seu. E o que isso podia significar... bem, Danilo jamais poderia imaginar...
Até que outra vez o ícone do WhatsApp surge na tela de seu celular. É Raul. Ele acaba de mandar um vídeo. Danilo clica na tela e aguarda o download. Mas o que vê... é apenas o início...
De joelhos, com as mãos amarradas para trás, um homem chora e implora. Luzes de lanterna são apontadas para seu rosto desfigurado e inchado, ele tem a aparência de um homem linchado, o homem sem camisa tem sangue espalhado pelo tórax e ao seu redor é possível perceber que há pés de corpos deitados... um deles parece de criança... não é só um... Danilo conta quatro... o outro é de mulher, está de vestido... a câmera que filma faz um breve movimento enquanto algumas palavras são ditas “Isso é o que acontece com traíra safado... Pena de morte na Lei do Chacal!” Danilo sente por entre as pernas a urina escorrer com ele ainda de cuecas: ele reconhece aquele homem e aqueles corpos... é Raul quem implora antes de um homem encapuzado e de óculos escuros se aproximar e desferir 5 tiros de pistola a queima roupa em sua cabeça com o zoom perfeito da câmera com flash a flagrar toda a cena... a cabeça lembra uma abóbora após algumas marteladas... pedaços voam a cada disparo... o corpo tem alguns espasmos... os olhos estão fora das órbitas... o sangue vaza em jatos... a câmera ainda filma o restante dos corpos antes de parar a filmagem... todos estão crivados de bala... dos cinco, quatro são crianças...
Danilo derruba o celular no chão.
O coração está prestes a parar. Ele sente algo como uma vontade insana de correr dali rumo ao primeiro abismo que encontrasse e se atirar. As mãos tremem tanto que ele não consegue sequer se apoiar na pia para se erguer da privada em que urinou sentado com a tampa fechada, inclusive de cuecas. Tudo é como se acontecesse num pesadelo quase real. Só que é real...
Danilo sai do banheiro. Corre até a sala da casa entregue de presente pelo prefeito Normando Sacramento, o “Pastor do Povo”, como forma de agradecimento pelos bons serviços prestados, uma casa onde viviam felizes ele, a esposa, os dois filhos, seu casal de cachorros peludos e seu gato. Eles eram sete. Sete era um número perfeito. Um mártir cujo sacrifício exigiu descanso, repousou no sétimo dia...
- Paula! Paula! Vem cá, vem cá logo! - Paula toma um susto.
- Vige minha nossa senhora! E viu fantasma foi? O que que foi homem de Deus? - Paula tem um sorriso no rosto.
- Cadê a Luiza? Cadê a Luiza!
- Ela saiu com os cachorro, você num pediu, homem? Que aperreio é esse? - a expressão de tranquilidade no rosto de Paula fez Danilo sentir vontade de chorar como criança, ela não fazia a menor ideia do erro estúpido do marido.
- Paula, Paula meu amor... me escute, me escute, eu não tô brincando, pegue o Mateus que eu vou chamar a Luiza lá fora, a gente precisa sair da casa agora. Agora. Não me pergunte nada, nada, pelo amor de Deus, não agora. Eu vou lhe explicar tudo, agora, faça o que eu te peço em nome de Jesus... não pegue nada, vai logo, logo... - o tom de nervosismo beirando o desespero de Danilo não era usual, nem as lágrimas se acumulando nas pálpebras, foi o que percebera a esposa, a mulher com quem dividia a vida há 20 anos. A mulher que não merecia o que viria... e Danilo sabia.
A porta da frente da casa se abre com força.
O som faz com que Danilo e Paula protejam os rostos instintivamente quando ouvem o som de vidro se partindo. Cinco homens altos e com roupas com estampas camufladas entram na casa com uma velocidade vista apenas em filmes de ação. Os cinco têm pistolas com silenciadores nas mãos e os rostos estão protegidos por balaclavas. Paula sente o grito brotar, mas uma voz dentro dela a pede para ficar em silêncio... e ela fica... mas não leva uma fração de segundo para que ela entenda que tudo acabara de mudar... estava tudo perfeito demais para continuar como estava... naquele momento ela estava pensando nas vicissitudes da vida real... na família... no amor... no medo... no futuro...
- Bora porra bora! Deita no chão viado vai! Deita porra! Deita ou eu atiro caralho! - um dos homens aponta a arma para a cabeça de Danilo, o golpeia com uma coronhada e o atira ao chão.
- Por favor... por favor... - Danilo fala com a voz carregada de desespero - pode me levar... mas não faz nada com a minha família não... por favor... eu imploro... pelo amor de Deus...
- Implora? Implora é o meu ovo esquerdo! - o homem chuta a costela de Danilo com força, ela estala, Danilo sente gosto de sangue na boca - Cadê a menina Stevie? Cadê a prostitutinha? O negócio aqui tem que ser ligeiro porra!
- O “Meia-Meia” tá vindo com ela e com os cachorro nojento desse pau no cú, chefe.
- A senhora - um dos homens aponta para Paula - venha com o menino e fique caladinha senão eu vou enfiar essa porra aqui - ele ergue a pistola com o cano silenciador - no se cú... sua piranha safada! - o homem ri alto e a puxa pelos cabelos.
- Calma Stevie... calma, cê vai tê sua oportunidade de tirar o queijo, segura a onda ae que eu acho que tu vai tirar a virgindade de alguém hoje...nem que seja de um cú! - um outro ri enquanto pisa nas costas de Danilo.
Mateus começa a chorar.
- O Chacal disse que queria o menino, então, tá ligado né? Faz ele se calar mas não toca nele não - o homem que parecia comandar faz sinal para um do grupo e ele tira Mateus dos braços de Paula que parece enfeitiçada por uma paralisia na alma.
- Nããããõo! Meu filho não! Nãããoo! - Paula grita e um dos homens dá um soco certeiro em seu queixo e ela cai imediatamente nocauteada. A cabeça acerta o sofá e em seguida o chão com toda a força. Danilo observa a cena revolvendo-se com a dor na costela que lhe impede de respirar normalmente. É a sua amada quem está caída com os olhos se revirando... A impotência toma conta de seu ser, e ele pensa em... Deus...
- Bora, o “Meia-Meia” chegou com a cachorrada, apaga logo essa galera ae que a noite vai ser longa hoje, com certeza vai ser melhor que assistir “O Exorcista”, o Chacal tá com ódio desse pilantra... o caminhão já tá chegando, avisa que é pra pegar tudo, os celulares, tudo, até esse gato seboso ae - o chefe faz sinal com a pistola em punho. Sr. Pestana está com as orelhas voltadas para trás, as pupilas dilatadas, acuado na cozinha.
Outro homem entra na casa trazendo Luiza e os cachorros, ela tem o rosto vermelho e lágrimas escorrem em abundância quando ela vê a mãe e o pai caídos no chão da sala. Ela tem apenas 16, e ainda não havia sido beijada...
- Papai... ô painho... que que tá acontecendo pai? - Luiza treme e chora segurando os cãezinhos pela coleira. Nesse momento, tudo escurece para ela. O clorofórmio a guia junto de sua família para as profundezas de um sono pesado...
E funesto.
***
Danilo sente como se fosse um balão que aos poucos vai se inflando... as pálpebras aos poucos vão recuperando as forças e ele vê um clarão alaranjado crepitando à sua esquerda... ele ainda não consegue discernir em que posição se encontra porque não consegue sentir o corpo... apenas um formigamento nas extremidades vai se apresentando até que aos poucos ele consegue sentir o que não queria... dor... nas mãos... nos pés... nas costelas... o clarão aumenta... ele sente o calor trazer de volta sua consciência... Danilo abre os olhos e busca perceber onde se encontra, observa o ambiente. E quando se percebe, o terror o possui...
Pregos transpassam as palmas das suas mãos e as plantas dos seus pés...
Danilo se dá conta de que está pregado à uma cruz... o vento frio é sentido quando ele consegue erguer a cabeça e ver uma brilhante Lua saindo de trás de uma grande nuvem negra. A dor o aflige... Como um quadro que ganha vida diante da presença do observador, a imagem em sua frente torna-se totalmente clara: ele está de frente a diversas cruzes erigidas em cima de centenas de montes de pedras em formato de lápides... por um campo que se perde em sua visão ofuscada e débil. Danilo tem a convicção imediata de estar em um cemitério... em algum lugar desconhecido e sombrio... na escuridão, ele vê vultos que rapidamente se aproximam... eles usam capuz e trazem tochas nas mãos. Outros puxam carros com rodas como se fossem cavalos... e em um desses carros, há uma espécie de tenda. Danilo sente o estômago se revolver e uma sensação ácida explode em sua boca num vômito convulsivo. Ele olha prestes a desfalecer a pira em chamas e percebe que são seus móveis que alimentam as chamas, ele reconhece diversos deles intuitivamente...
- Meu Deus...
Os encapuzados se aproximam carregando a carruagem, que estaciona em frente ao crucificado. Danilo sente o coração acelerar em espasmos. Um deles se aproxima de Danilo, o homem usa apenas capuz e está nu, tem algo nas mãos... de repente a fisgada na coxa esquerda faz Danilo sentir um choque transpassar sua espinha... os olhos se arregalam... a seringa é esvaziada...
Um homem desce da carruagem. No lugar da cabeça de homem, há uma cabeça de lobo...
Os dentes vorazes sorriem.
Seus olhos são como chamas crepitantes...
- Danilo... meu fiel Danilo... quem diria... vamos ser rápidos e francos agora. Direi apenas a verdade. É um direito seu saber de tudo antes do veredicto. Ouça-me com atenção - o homem com a cabeça de lobo falava próximo ao rosto de Danilo e ele podia ver que aquela criatura não pertencia ao mundo... era algo aterrador... a substância injetada começava a fazer efeito... Havia sido uma dose paradoxal de adrenalina com morfina.
- Minha criança... te darei uma punição justa... eu sou a voz de Deus aqui... Pois bem, eis o que precisa saber: agora mesmo você está em uma de minhas fazendas, no meio do nada, ninguém poderá te ouvir aqui, ninguém mesmo, acredite, e aqui se encontra meu cemitério particular, destinado aos corpos dos meus sacrifícios... aqui descansam todos os que me fazem ser quem sou... sua punição hoje servirá de exemplo aqui. Traição e roubo sempre serão punidos... e a minha sentença... é te fazer entender que o Inferno nem sempre é um lugar em chamas... na verdade, ele é uma situação... um momento... um estado de consciência... e logo em seguida, à morte na cruz... para que possas descansar com tua família depois do que viverá... Agora, que Deus te perdoe filho... tu hoje és meu sacrifício ao Pai do Escuro!
- Veja o Inferno!
Nesse instante, Danilo sentiu os sentidos se alertarem como se renovados por uma energia revigorante. Danilo reconheceu a voz que gritava em prantos indizíveis... a filha vinha sendo arrastada por três homens fortes, a menina magra está nua... Danilo grita pela filha num soluço inconcebível...
- Não! Não! Pelo amor de Deus não... deixem minha filha!
Os homens se posicionam em frente ao crucificado, as luzes das tochas formam um círculo de luz em meio à escuridão, um dos homens segura a menina pelos cabelos... Luiza olha nos olhos do pai... ela está nua... com frio... com um medo indescritível... ela vê o pai pregado à uma cruz... e os homens iniciam uma violação inenarrável sobre seu corpo jovem e intocado... o sangue escorre pelas magras pernas enquanto ela é dominada à força e estuprada de todas as formas até que um deles arranca-lhe a cabeça com uma espada ... Danilo grita em frenesi... logo em seguida, o casal de cães Ying e Yang é esquartejado em cima de uma bacia dourada... o homem com a cabeça de lobo come as vísceras dos animais... Paula é arrastada algemada até o corpo da filha decapitada e um homem de capuz joga gasolina em cima dela e ateia fogo com uma das tochas... Paula grita em agonia enquanto as chamas a consomem... um outro se aproxima e joga Sr. Pestana que está dentro de uma gaiola nas chamas... o gato esperneia, mas nada pode diante do fogo... Danilo chora lágrimas inconsoláveis enquanto assiste o espetáculo pavoroso da execução de sua família... e para encerrar o sacrifício, um homem nu entra carregando Mateus pendurado pela perna esquerda... o menino grita e chora em desespero... e antes que Danilo pudesse sentir o vazio que o toma ao ver o filho daquela maneira, a espada partiu a criança em duas partes... o golpe fez com que o homem que o trazia pela perna ficasse com uma metade da criança ainda no alto... as vísceras penduradas... Logo após o rápido golpe, o homem com a cabeça de lobo se aproxima e come a metade que caíra no chão... mastiga avidamente o crânio infante que estala enquanto é devorado... Danilo fecha os olhos e os abre diversas vezes e sabe que tudo é real... ele sente a escuridão o abraçar à força... que dor era essa que ele sentia? Por que Deus o havia punido tão cruelmente? Será que só assim ele aprenderia? Seu erro havia sido tão grave assim?
O Chacal uiva...
Dois dias depois, urubus bicam o corpo de um homem preso à uma cruz numa fazenda distante, pertencente a Normando Sacramento. Depois que eles se fartarem, um servo retirará o que sobrar do corpo e o enterrará no cemitério particular do patrão. O servo odeia enterrar os sacrifícios... mas tem medo de falar... ele teme por ele e pela família... o Chacal parece saber de tudo... o servo pensa... e decide que não vê nada...
TEMAS: Pena de MorteCemitérioAnimaisInfernoPsicose
Obrigado por ter vindo até aqui...