ANIMAIS MORTOS
ANIMAIS MORTOS
Alexandre aproximou-se do riacho, as folhas caiam perpendicular a ele, sendo levadas pelo vento frio a uma caverna. Seus olhos brilhavam sob o pânico incólume que dominava seu coração, e ele se manteve inquieto até cruzar o bosque. Por vezes mordia o beiço, e tentava fingir que não estava ali. A luz do lampião erguia-se sobre a arvores, iluminando uma área ampla e que o deixava confortável para não sair da trilha. Quase duzentos metros depois, encontrou Úrsula parada ao lado de um animal morto, não era possível distinguir sua raça visto que toda sua pele havia sido arrancada. Úrsula carregava no colo uma bacia de madeira escura da qual escorria sangue, mas não pode confirmar o que pensara — Vamos querido, os outros estão nos esperando.
Alexandre fez que sim e a seguiu. O vestido dela, era longo, armado, e muito se parecia com um vestido de noiva, mas por algum motivo alguma coisa suava diferente nela, um ar de desespero... enquanto caminhavam, seus olhos se confundiram com a paisagem, e o semblante de Úrsula começou a se perder dentre o verde, como se estivesse chapado.
— Estamos longe. — Questionou Alexandre, olhando para seu vestido tão longo...
A trilha malformada, dividia-se numa intersecção com outros dois caminhos, um descia o morro direto a uma ribanceira, e o outro seguia um trajeto para um vilarejo onde todos os cidadãos haviam morrido a dois anos de fome. Úrsula seguiu a direita e virou próximo a monólito onde haviam dezenas de nomes esculpidos, escritos numa linga estranha e austera. O vento começou a assobiar, zunindo pelas copas das arvores e algum tempo depois, notou que o caminho estava cheio de ossos, pedaços de carne, dentes, entre outras partes de animais mortos.
¬— Alguma coisa errada? — Perguntou Úrsula.
Ele não respondeu, mas Úrsula tomou a entender que seu silencio significava um sim. Alguns metros dali haviam luzes e sombras dançando sobre o que parecia ser uma fogueira. — Vá na frente, eles te aguardam Baal.
— O que eu faço depois?
— Seja deles...
Úrsula aproximou-se de Alexandre com o balde madeira, tocou seu conteúdo, e passou o dedo sobre seu rosto, desenhando um símbolo antigo. — Assim eles iram te reconhecer. E não fique com medo, seus sacrifícios serão recompensados. — Falou Úrsula, e em seguida desapareceu entre as arvores.
Alexandre tomou folego e continuou andando, até chegar a fogueira no que parecia ser uma clareira. Chegando lá, encontrou com dezenas de homens e mulheres, vestidos de trajes sociais, os homens estavam de smokings e as mulheres de vestido, e dançavam ao redor do fogo em duplas, contudo não conseguia ver o rosto deles, já que todos usavam máscaras. E ainda que tivesse chegado, era como se ninguém conseguisse lhe ver. Então, colocou o lampião no chão, e quando fez, e levantou o rosto, todos pararam de danças e congelaram-se na posição que estavam. Alexandre aproximou-se da fogueira, e dentro das chamas viu um rosto, deformado, mas próximo das feições humanas — Curag onognum asseptum everus. — Ouviu o rosto no fogo sussurrar.
— Baal... Baal... Baal... — Falou um dos homens parado ao seu lado, enquanto esmagava com a mão uma cabeça de rato.
Todos começaram a dançar novamente, mas havia algo diferente desta vez, estavam sem mascaras e todos choravam com seus pares, como se sofressem de forma extrema, seus prantos cresciam, até que seus lamentos penetrassem dentro de sua mente.
— Por favor, meu filho, ele não queria fazer aquilo, ele era muito jovem, me devolva meu filho.
— Ela estava me ameaçando, tive de matá-la, tive de matá-la com minhas próprias mãos.
— Me ajudem, por favor, tem algo errado, alguém abriu meu estomago.
— Mamãe, mamãe, porque está tão escuro, o homem de casaco levou o papai e ele não voltou mais.
— Tem alguém em casa querida, querida, ai não... o que aconteceu... querida...
Os lamentos enrolavam-se em sua mente, até começar a escutar uma outra voz que começara a tomar mais intensidade do que as demais.
— Estão tão frio aqui, não quer entrar garoto?
— Não posso falar com estranhos.
— Eu não sou um estranho, moro logo ali na casa vermelha, venha... tenho sopa hoje.
— O que está fazendo?
— Preciso de sangue...
Alexandre reconheceu a voz em sua cabeça... era sua voz, um pouco mais jovem, mas sua.
— Por favor, deixe-me ir, deixe...
— Não vai doer, só vou arrancar um pedaço, não corra...
— O que está fazendo? Não acenda o fogo... por favor não faça isso.
— Agora temos luz...
— Nã-ã-ã-ã-o-o-o-o-o
Alguma coisa tocou seu ombro, uma mão queimada vinda de dentro do fogo. — Era para ter sido eu. Mas ele escolheu você...
De repente as vozes se acalmara e todos ao seu redor caíram no chão.
— O que? — Perguntou-se.
Alexandre tirou a máscara de uma mulher caída ao seu lado. A máscara estava fria e quando a tocou, rachou como vidro até estilhaçar e quebrar. A mulher por traz daquela mascara era sua mãe, ela estava pálida e não parecia estar mais viva — Mãe...
O homem ao seu lado era seu pai, porém este estava com a pele dura, roxa e áspera, como se já estivesse apodrecendo. — Pai...
— Não precisa ter medo garoto, vai entender quando a hora chegar. Não precisa mais destes animais mortos... — Falou a voz vinda do fogo.
Ele se levantou, e chorar não parecia ter mais significado. As copas das arvores começaram a vibrar e não se ouviu um só barulho naquele momento, somente sua respiração. Alexandre caminhou para dentro do fogo como se fosse algo certo a se fazer, e em seguida desapareceu nas brasas...