A Casa das Trevas

Era meio-dia e meia, de uma sexta-feira primaveril, quando Jon Near, sua esposa, Leah Hills, e o cachorro, Smurff, chegaram à nova morada. Herança do avô paterno de Jon, a casa ficava numa região do Canadá cercada por uma imensa floresta. Jon e Leah já tinham tirado a bagagem do carro, quando Smurff começou a ranger os dentes e latir repetidamente na direção da casa. Não era o comportamento habitual de Smurff, um cão da raça poodle, muito dócil por sinal. Jon achou que o cão estava estressado por causa da longa viagem e lhe deu um pedaço de chocolate, de uma famosa marca suíça, para ver se ele se acalmava. Deu certo. Após o “presente”, Smurff parou de latir, abanou o rabinho e seguiu seus donos até o novo lar.

A habitação era espaçosa e muito antiga, mas estava em bom estado de conservação. Jon e Leah se instalaram num dos cinco quartos de casal e foram para cozinha almoçar. Após a refeição, o casal foi conhecer melhor os cômodos da nova moradia, enquanto Smurff dormia satisfeito, depois de ter comido sua caprichada ração canina.

A casa estava toda mobiliada, mas não tinha rede de internet, nem de celular. Um gerador solitário garantia a eletricidade no lugar.

Jon poderia escrever seu livro em paz, mas se precisasse usar a internet para seu notebook, teria que se deslocar até o centro da cidade de Ontário, há cerca de uma hora de carro de sua residência. Jon Near já havia recebido um adiantamento de 20.000 dólares para escrever seu novo livro. Entretanto, a editora deu-lhe um prazo de três meses para entregar o manuscrito pronto, caso contrário o contrato de edição seria cancelado e Jon teria que devolver o dinheiro, que ele já gastara.

O primeiro mês na casa foi tranquilo, exceto pelo bloqueio criativo de Jon. O escritor não conseguiu escrever sequer o título do romance, quanto mais um parágrafo dele. Escrevia e apagava. Escrevia e novamente apagava, sempre tentando encontrar o título perfeito para iniciar o romance, mas ele não vinha. De jeito nenhum. Esta total falta de inspiração assustava e pressionava Jon Near, pois o prazo dado pela editora estava se esgotando e o tempo corria contra ele. No início do mês seguinte, o casal passou os piores dias de suas vidas. A partir do primeiro dia, do início do segundo mês, Jon e Leah começaram a escutar, sempre às 3 da manhã, um carrilhão tocando bem alto: tam, dam, dam dam! Tam, dam, dam, dam! Tam, dam, dam dam! Tam, dam, dam, dam!, mas não existia nenhum relógio deste tipo na casa. Além disso, objetos caíam ou mudavam de lugar inexplicavelmente. E, por fim, os pratos voando e se espatifando no chão, as risadas satânicas sem ninguém por perto e a morte, sem motivo aparente, do adorável Smurff, foram a gota d’água para Jon tomar a atitude de ir ao centro da cidade, em busca de ajuda, para resolver o mistério sobrenatural que assolava a casa. Enquanto Jon estava fora, Leah foi mexer no armário de seu quarto para pegar um vestido. Quando tirava o cabide com a peça de roupa escolhida, sem querer, acionou um mecanismo e o armário se abriu revelando uma enorme biblioteca em seu interior. Com muito receio, a médica adentrou no recinto. Havia livros escritos em vários idiomas, mas predominavam o francês, o inglês e o alemão. Leah, que era poliglota (dominava as línguas latinas e também o inglês e o alemão), notou que os temas dos livros eram sempre os mesmos: magia e religião. As sete portas do inferno e como abri-las; Invocação e pacto com o Demônio; Magia branca e negra: qual é a melhor? ; Feitiçaria; Rituais de Exorcismo: como e para que praticá-los; Bíblia Sagrada,; O Evangelho Segundo o Espiritismo, estes eram alguns dos títulos dos inúmeros livros que compunham a extensa biblioteca que ia do chão ao teto. Leah ficou imaginando quem se interessaria por estes assuntos. “Um feiticeiro ou um padre.” Pensou a esposa de Jon. Antes de deixar o lugar, a médica viu na única mesa do cômodo um livro com capa preta. Era um diário, provavelmente do dono da biblioteca. Resolveu levá-lo para ler enquanto esperava seu marido voltar da cidade.

Jon Near voltou três horas depois.

― Leah, tenho novidades e não são boas… ― disse o escritor mexendo a cabeça de um lado para o outro.

― Você tirou as palavras da minha boca, Jon! ― disse a médica ortopedista tentando aparentar uma tranquilidade que não existia.

― Conte as novidades você primeiro, Jon. Sou todo ouvido.

― O.k.. Eu descobri que meu avô era o dono desta casa, mas ela foi vendida para ele por seu antigo proprietário: um padre...

― Sim. Continue, Jon.

― Este padre não era muito bem-visto pelos habitantes da cidade. Eles diziam que ele não era um padre a serviço de Deus, mas … do Diabo! ― Ele vendeu a casa para meu avô paterno, a preço de banana, porque corria risco de morte. Após concretizar o negócio com meus avô, nunca mais se teve notícias dele. Os locais dizem que nossa casa é amaldiçoada, uma casa das trevas!

Isso foi o que eu descobri. Agora conte você, meu amor, quais são suas novidades.

― Me siga, Jon. Vou lhe mostrar o que descobri. Leah levou o marido à biblioteca e lhe contou sobre o diário que achara nela. O diário era do padre Wilston Light. Nele havia nomes de mulheres que sofreram supostos rituais para se livrarem dos demônios que possuíam seus corpos, mas a realidade era bem outra. O padre, ao invés de as exorcizar, punha os espíritos malignos dentro delas. Ele fazia pactos com seres diabólicos e sem luz em troca de dinheiro e poder. Quando descobriram o que padre Wilston Light realmente fazia, os locais o ameaçaram de morte caso ele não deixasse imediatamente o lugar. Isto foi o que descobri. ― Disse Leah, tomando fôlego enquanto fazia o sinal da cruz.

Jon Near e Leah Hills não ficaram nem mais um minuto na sinistra casa. Uma forte tempestade que se aproximava foi um mero pretexto para o casal deixar o lugar, às pressas, e sem culpa. Jon já tinha o título para seu novo livro: A Casa das Trevas: uma história autobiográfica.

FIM

Luciano RF
Enviado por Luciano RF em 15/07/2018
Código do texto: T6390430
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.