O COLECIONADOR DE OSSOS...
Era um terror na pequena cidade.
- Ninguém tem mais sossego, nem os mortos!
- Chega de tanto túmulo violado!
Não havia praticamente nenhuma cova, naquela cidade, que não havia sido visitada e, quando descobriram montando vigia dia e noite, já era tarde. Todos os túmulos haviam sido revirados.
Depois de algum tempo, como de costume na vida, a comunidade esqueceu e seguiu adiante naquela madorrenta arte de falar dos outros.
Levantaram, a princípio, suspeita aqui e acolá, mas nada que apontasse um culpado.
E, certa noite, quando a cidade dormia seu sono possível, na qual todas as línguas maledicentes procuravam uma paz impossível, viu-se subir a ladeira um veículo escuro. Seu motorista estacionou no centro da cidade com a típica igreja, praça e prefeitura: o trio perfeito de qualquer comunidade minúscula.
Abriu a porta trazeira da SUV e de lá tirou, segurando por luvas escuras, um caldeirão fervendo sobre um equipamento elétrico. Dentro, um líquido azul borbulhava. Tirou, então, do seu bolso um saco plástico no qual moera todos os ossos de todos os mortos que recolhera nos últimos anos.
Colocou uma máscara e misturou o líquido no caldeirão. Um forte odor se espalhou no ar. Em seguida, após deixar esfriar um pouco, deixou o líquido escorrer pela ladeira abaixo e o odor foi-se espalhando pela cidade, penetrando o líquido nos bueiros, na própria terra e, assim que viu a sua obra, partiu na escuridão da noite que se cobria por densa neblina.
O líquido foi ganhando forma ao passo que se unia aos elementos da terra e uma névoa azulada, densa, começou a emergir misturando-se à neblina. Cada molécula se multiplicava e, com o passar do tempo, toda a cidade foi alcançada como se uma redoma azul a envolvesse.
No dia seguinte, o sol aos poucos foi dispersando a névoa. As pessoas acordaram assustadas, como se todas tivessem tido o mesmo pesadelo.
Dali a alguns dias notaram algo incomum: todas tinham todas as noites o mesmo pesadelo com os mortos.
Todos os defuntos acordavam e despedaçavam os vivos a golpes de dentes.
Era um terror que começava a consumir os nervos de todos. O padre, em desespero, ordenou uma procissão, depois outra e mais uma. Nada melhorava o ambiente. E o pior: ninguém mais conseguia deixar a cidade seja por que motivo fosse. Assim que saíam, batia uma angústia, uma febre, uma dor no peito que somente passava quando retornavam.
Cansados de tantos sofrer, viram que uma noite apareceu um estranho na praça vestindo uma capa negra. Não se conseguia ver seus olhos, nem seu rosto. Era uma escuridão total. Buzinou a SUV e, portando um microfone, disse aos que ali se reuniram, um punhado de gente que sem saber o motivo resolvera comparecer à meia noite:
- Querem ter novamente suas noites de sono? Assine cada cidadão esse termo de compromisso que agora exibo. Ao voltarem para suas casas terão um deles em cada cama.
- Maldito! - Disse o delegado sacando da arma e disparando três tiros contra a figura. As balas pareciam não fazer efeito. O homem fez um gesto com as mãos, o mesmo que se faz ao afastar uma mosca do prato e o delegado foi arremessado a muitos metros de distância.
Ao voltarem para casa, todos tinham um documento daquele nas suas camas. Muitos assinaram sem dó, mas havia uma advertência: ou todos assinavam ou não funcionaria para ninguém.
Alguns ainda tentaram enganar, mas a casa dos que não assinavam se mostrava diante dos olhos dos outros com uma estranha névoa azul sobrevoando-a e, assim, pressionaram todos até que no curso de uma semana a cidade toda havia entregue a sua alma em troca das noites de sono.
E no dia seguinte, quando todos finalmente, dormiram muito bem. A enorme represa que guarnecia um vale acima da cidade rompeu sem aviso. Não sobrou viva alma. Quem podia ver o lado invisível da vida, conseguia enxergar o homem na capa preta flutuando sobre as águas, pescando as almas da cidade e colocando-as dentro de um saco negro que estampava a face do demônio...
Era um terror na pequena cidade.
- Ninguém tem mais sossego, nem os mortos!
- Chega de tanto túmulo violado!
Não havia praticamente nenhuma cova, naquela cidade, que não havia sido visitada e, quando descobriram montando vigia dia e noite, já era tarde. Todos os túmulos haviam sido revirados.
Depois de algum tempo, como de costume na vida, a comunidade esqueceu e seguiu adiante naquela madorrenta arte de falar dos outros.
Levantaram, a princípio, suspeita aqui e acolá, mas nada que apontasse um culpado.
E, certa noite, quando a cidade dormia seu sono possível, na qual todas as línguas maledicentes procuravam uma paz impossível, viu-se subir a ladeira um veículo escuro. Seu motorista estacionou no centro da cidade com a típica igreja, praça e prefeitura: o trio perfeito de qualquer comunidade minúscula.
Abriu a porta trazeira da SUV e de lá tirou, segurando por luvas escuras, um caldeirão fervendo sobre um equipamento elétrico. Dentro, um líquido azul borbulhava. Tirou, então, do seu bolso um saco plástico no qual moera todos os ossos de todos os mortos que recolhera nos últimos anos.
Colocou uma máscara e misturou o líquido no caldeirão. Um forte odor se espalhou no ar. Em seguida, após deixar esfriar um pouco, deixou o líquido escorrer pela ladeira abaixo e o odor foi-se espalhando pela cidade, penetrando o líquido nos bueiros, na própria terra e, assim que viu a sua obra, partiu na escuridão da noite que se cobria por densa neblina.
O líquido foi ganhando forma ao passo que se unia aos elementos da terra e uma névoa azulada, densa, começou a emergir misturando-se à neblina. Cada molécula se multiplicava e, com o passar do tempo, toda a cidade foi alcançada como se uma redoma azul a envolvesse.
No dia seguinte, o sol aos poucos foi dispersando a névoa. As pessoas acordaram assustadas, como se todas tivessem tido o mesmo pesadelo.
Dali a alguns dias notaram algo incomum: todas tinham todas as noites o mesmo pesadelo com os mortos.
Todos os defuntos acordavam e despedaçavam os vivos a golpes de dentes.
Era um terror que começava a consumir os nervos de todos. O padre, em desespero, ordenou uma procissão, depois outra e mais uma. Nada melhorava o ambiente. E o pior: ninguém mais conseguia deixar a cidade seja por que motivo fosse. Assim que saíam, batia uma angústia, uma febre, uma dor no peito que somente passava quando retornavam.
Cansados de tantos sofrer, viram que uma noite apareceu um estranho na praça vestindo uma capa negra. Não se conseguia ver seus olhos, nem seu rosto. Era uma escuridão total. Buzinou a SUV e, portando um microfone, disse aos que ali se reuniram, um punhado de gente que sem saber o motivo resolvera comparecer à meia noite:
- Querem ter novamente suas noites de sono? Assine cada cidadão esse termo de compromisso que agora exibo. Ao voltarem para suas casas terão um deles em cada cama.
- Maldito! - Disse o delegado sacando da arma e disparando três tiros contra a figura. As balas pareciam não fazer efeito. O homem fez um gesto com as mãos, o mesmo que se faz ao afastar uma mosca do prato e o delegado foi arremessado a muitos metros de distância.
Ao voltarem para casa, todos tinham um documento daquele nas suas camas. Muitos assinaram sem dó, mas havia uma advertência: ou todos assinavam ou não funcionaria para ninguém.
Alguns ainda tentaram enganar, mas a casa dos que não assinavam se mostrava diante dos olhos dos outros com uma estranha névoa azul sobrevoando-a e, assim, pressionaram todos até que no curso de uma semana a cidade toda havia entregue a sua alma em troca das noites de sono.
E no dia seguinte, quando todos finalmente, dormiram muito bem. A enorme represa que guarnecia um vale acima da cidade rompeu sem aviso. Não sobrou viva alma. Quem podia ver o lado invisível da vida, conseguia enxergar o homem na capa preta flutuando sobre as águas, pescando as almas da cidade e colocando-as dentro de um saco negro que estampava a face do demônio...