Memórias
     
    
Esboçava a lápis os trechos de uma noveleta, enquanto meu filho de quatro anos brincava no carpete do escritório. Os pensamentos divagavam por mundos nebulosos, lutando para se alinhar e dar vida às palavras em meu cenário mental, quando ele se aproximou.
     — Pai, quem é mais forte? Você ou eu?
     A indagação me trouxe à realidade e fitei-o. O pequeno trazia um boneco do Hulk e Superman em cada uma das mãos — a fonte do dilema. Fiquei em silêncio, processando a questão, aquele rostinho espevitado à espera.
     — Eu sou fraquinho, não é? — se adiantou, baixando os ombros como que envergonhado.
     Fraquinho.

   Me veio à mente a cena de um pai se atracando na rua com dois pitbulls  para proteger a filha; perdeu parte da mão direita e metade da orelha. Uma mãe pulando do terceiro andar com seu rebento no colo, escapando das chamas que consumiam o apartamento; quebrou as pernas e três costelas, a criança não teve lesões sérias. Uma avó entrando na água para salvar o neto, mesmo sem saber nadar; quase se afogou, mas o salvou.
     Heróis da vida real.
    Puxei-o para mim, abraçando-o carinhosamente, o coração enchendo-se de alegria.
     — Toda a nossa força reside no amor à sua fraqueza, pequeno — foi a única coisa que as lágrimas me permitiram responder.
O Marceneiro
Enviado por O Marceneiro em 24/06/2018
Reeditado em 15/07/2021
Código do texto: T6372956
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