A rebelião das Bruxas - Parte II- O ataque planejado
A Fazenda do jovem médico Wolff está lotada. Hoje é um dia especial. Convidou todos os seu amigos de partido( a maioria da extinta Arena) para a formação de um grupo secreto e paramilitar cujos objetivos eram combater o comunismo, os "vândalos" das Diretas já, limpar a cidade dos mendigos e meninos de rua, expulsar os gays e lésbicas e combater toda forma de culto ou religião que não fosse a cristã. O grupo seria chamado de "Aliança para o bem". E assim foi feito.
Ele faz seu discurso de abertura na reunião, apanha assinaturas e distribui capuzes. A reunião dura cerca de duas horas. Planejam ataques e ações para todo o mês de junho. Tudo meticulosamente traçado, com álibis e bodes expiatórios. O primeiro ato do grupo seria após a reunião. E teriam dois alvos: a casa de um líder sindical camponês e um terreno de umbanda que estaria realizando um de seus rituais naquele dia. Passam a usar um símbolo: o falcão. Mas entre eles está uma jovem infiltrada que pertence à ordem das "Filhas de Ísis". Ela é uma das ressocializadas que recebeu uma missão do Conselho: espionar grupos e pessoas que poderiam prejudicar os negócios da irmandade. O Dr. Wolff, por suas preferências politicas e atividade pública, que pouco agradavam o Conselho, era um dos alvos da espionagem. A tatuada escondia o símbolo da seita com um curativo no dorso da mão. Alegava ser diabética e que a ferida era de difícil cicatrização. Estava infiltrada nos meios conservadores desde o começo dos anos 80. Filiou-se à Arena nesse período. Ninguém nunca desconfiou. Nem de seu eterno curativo, cuja ferida nunca sarava ou cicatrizava. O Conselho subestimava a inteligência de seus adversários.
Na Delegacia da cidade, o Delegado titular recebe um telefonema:
- Delegacia metropolitana, boa tarde.
- Delegado Fontana, é o Senhor?
- Sim. Ele mesmo.
- Aqui é da promotoria. Sou a Ângela. O promotor queria saber se o senhor já tem em mãos o relatório e o questionário da Madame Morgana sobre os óbitos da fazenda.
- Sim, é claro, está tudo aqui comigo.
- Pode passá-los por fax, por favor.
- Não. O Fax está está com defeito.
- Como está com defeito se acabo de receber justamente de seu assistente, faz dois minutos, um fax ?
- Pois é, Doutora Ângela, as coisas aqui são complicadas. O fax deu defeito justamente quando recebi sua ligação. Faz poucos segundos. O Delegado neste momento arranca um dos fios do fax.
- Delegado, o promotor precisa do relatório para apresentar à Juíza hoje, sem adiamentos. E a juíza , por sua vez, precisa desses documentos para autorizar a Policia Federal a fazer buscas e apreensões nos documentos da fazenda.
- E o que eu faço, doutora? que voe até aí?
- Não precisa, o promotor está indo aí buscar os documentos.
- Que alívio. Estarei aqui aguardando por ele.
- Passar bem delegado.
- Idem.
O delegado Fontana está nervoso, atrapalha-se em meio ao amontoado de papeis em sua mesa. Procura por algo, não encontra. Chama por seu assistente:
- Inspetor Ricardo!
- Sim delegado, o que deseja?
- Onde está o relatório sobre os óbitos na fazenda das Brancas?
- Que relatório? os relatórios contemplam outros casos, como a exploração de trabalho infantil e tráfico de animais silvestres. O senhor disse que interrogaria a Madame Morgana sobre isso semana passada, mas até agora não foi lá.
- Tem certeza disso?
- Óbvio, delegado.
- Então vamos logo. O promotor quer isso hoje. E está chegando aqui para pegar os documentos e levá-los à Juíza da Comarca.
Pegam um carro descaracterizado. Um fusca. Próximo à entrada da fazenda ouvem diversos disparos, mas eles viam de outro lugar mais afastado, não da fazenda das Brancas.
- Ouviu isso delegado?
- Sim, deve ser algum fazendeiro idiota treinando tiros.
- Acho que são fogos do terreiro de umbanda. Hoje tem festa por lá.
- Não são fogos, são tiros. Conheço a diferença. Com quase quarenta anos de polícia sei bem diferenciar.
- Doutor, o portão da fazenda tem o formato de uma chave! estranho isso, mas bonito.
- Uma chave, inspetor? Não sabe o que é isso? nem sei como passou nesse concurso( risos)
- O que é ?
- Uma cruz ansata, que era usada pelos antigos egípcios. Significa vida e fertilidade e mais um monte de baboseiras. O porteiro está vindo, inspetor. Cuidado, essa gente é louca.
Os portões de abrem e eles entram tranquilamente na Fazenda. Vão direto à casa da Madame Morgana.
- Boa tarde, Senhorita Morgana!
- O senhor de novo! o que quer dessa vez?
- Calma. Não foi iniciativa minha, mas da promotoria. Se dependesse de mim, nem pisaria aqui.
- E o que é?
- Tenho perguntas a fazer.
- Então pergunte.
- O que é isso Madame, antes até me convidava para entrar, agora me deixa aqui, no sol.
- Tudo bem, entre! Mas sem perguntas sobre os móveis, os quadros e os desenhos.
- Sem problemas.
- Madame, há algo curioso que há tempos atiça a curiosidade das autoridades, especialmente a dos promotores. É a respeito dos óbitos. Há registros de nascimentos, mas não de óbitos nesta fazenda. Como explica isso?
- Simples, Delegado. Somos imortais. Vivemos para sempre, Somos como espíritos. Temos um início, mas nunca um fim. Uma graça que nossa mãe nos concedeu: a grande deusa Ísis.
- O que está fazendo inspetor?
- Escrevendo o que ela está dizendo. Essa não era a ordem?
- E você acha que ela está depondo de verdade? não percebe que está a nos fazer de palhaços?
- Pode anotar, meu jovem. É o que direi em juízo.
- Quer dizer Madame Morgana que a ausência de registros de óbitos é decorrente da vida imortal que gozam neste local? quer mesmo que repasse essa estupidez à promotoria?
- Óbvio, pois é a mais pura verdade. Somos seres espiritualizados e não morremos por doença ou envelhecimento. Só assassinadas pela maldade que nos cerca.
- Não envelhecem?
- Até certa idade. Aí o envelhecimento cessa. Entendeu?
- Se isso é verdade, posso conversar com alguém dos anos 30. Sua avó, por exemplo, a fundadora desse hospício, digo, Fazenda.
- Por que conversar com ela? se está conversando com uma pessoa que nasceu quase na mesma data de Jesus. Nasci no primeiro século, dez anos depois de Cristo nascer.
- Sabe que vai a juízo não é, Madame? e que dependendo do que descubram, pode mofar na prisão. Quer mesmo que escreva essa baboseira no relatório?
- Sem dúvidas.
- Temos também outro assunto. É sobre a cruz de aço no lago.
- É linda não é, Delegado?
- Sim, também acho. A Madame se lembra de um certo curioso e penetra que antes de seus festejos resolveu entrar no lago e teve parte da perna decepada por um crocodilo?
- Sim, o comerciante da esquina. Nós cuidamos bem dele toda a noite.
- Mas o deixaram sozinho por alguns instantes, não é verdade?
- Pode ter acontecido, não lembro.
- Ele, da janela de uma dessas casas, suponho aquela mais próxima do lago, afirma por Deus que viu um ritual de morte nessa cruz. Segundo ele, dois homens mascarados de jacaré foram de barco carregando uma mulher até a cruz. Chegando lá, eles a amarram na cruz e voltaram. E a cruz desceu lentamente até o fundo, até desaparecer na água. E ela não voltou mais. O manco percebeu que a cruz saiu das águas depois de dois dias. Isso é verdade?
- Claro que não. Ele estava com febre, teve alucinações, visões ou estava mentindo.
- Pode ser, mas com o depoimento dele algumas peças do jogo começam a se encaixar.
- Era só isso, delegado?
- Se vocês são imortais e a morte na cruz foi só uma alucinação, então é hora de darmos no pé.
- Eu também acho.
No momento em que os dois se preparavam para sair, uma das Brancas chega gritando:
- Madame, Madame, Madame!
- O que foi menina?
- Assassinaram trinta e duas pessoas no terreiro de umbanda, aquele do outro lado da fazenda, onde se planta arroz orgânico.
Os dois policiais ouvem a notícia e dão partida ao local. Morgana vai ao Conselho e avisa o ocorrido.
- Saberemos os autores em instantes, aguarde.
- E como?
- No dia em que sentar em uma dessas cadeiras saberá. Agora se retire e vá cuidar dos negócios. A produção não pode parar.
Uma das tatuadas entra discretamente no templo do Conselho.
- Estávamos à sua espera. O que ocorreu e quem são autores da chacina e o que pretendem?
- Eles pretendem nos incriminar e levantar a cidade contra nossa irmandade. No local do crime, com o sangue das vitimas, eles desenharam uma cruz ansata. Todos pensam que somos culpados. Foi o Dr. Wolff e os fazendeiros da antiga Arena. Eles montaram um grupo de extermínio.
- Passe as informações à Morgana. E ela saberá o que fazer. Agora saia daqui.
Continua depois.