A Gorda -Segunda Parte-
Mábio estava voltando do refeitório quando o administrador, sem apear do cavalo, gritou:
_ O DOUTOR PAULO PRECISA FALAR COM O SENHOR. ESTÁ LHE AGUARDANDO NO ESCRITÓRIO.
Seria a primeira vez em que Mábio estaria com o patrão, na verdade, nem o conhecia: o homem vivia viajando.
O jovem dirigiu-se para o imponente casarão, que guarnecido por um suntuoso jardim, atravessou intacto a dureza dos séculos. Mábio em meio a tanta beleza, passou a mão pelo rosto e ajeitou para trás os cabelos que lhe caiam esvoaçantes sobre os olhos. Estava fascinado com a variedade e cores das flores sobre o gramado ensolarado. Sorriu, e por um momento imaginou-se dentro de uma obra de Renoir.
Após subir as escadarias, hipnotizado pelas magníficas estátuas de mármore, entrou na sala. O ambiente ainda mantinha o mobiliário do tempo dos Barões; Mábio ficou a contemplar os rostos aprisionados nos quadros espalhados pela parede. Pensou nos objetos de tortura; decoração questionável que viu pendurados na senzala há muito transformada em salão de jogos. Um ar frio lhe percorreu o corpo ao supor que todas aquelas almas poderiam estar queimando no inferno.
O fazendeiro abriu a porta do escritório. Era branquelo, raquítico e de feições grossas. Trajava roupas e chapéu de cowboy e estava trepado em botas de solado altíssimo. Foi impossível não se lembrar das entrevistas na TV; onde artistas fazendo careta para chorar, contavam que antes de poder ostentar mansões, carrões e belas mulheres, tinham trabalhado no roçado e até passado fome.
O chaveirinho sertanejo disse apontando o dedo para um confortável sofá revestida com almofadas azuis:
_ Sente-se ali, rapaz; tenho algo importante para lhe dizer.
_O Senhor não está satisfeito com o meu trabalho?
_Não! Não se trata disso. É sobre Isaurinha, minha filha.
_Espero não ter feito nada que lhe desagradasse.
_Não sou de rodeios, rapaz; vou direto ao assunto: minha filha está muito doente. Os últimos exames mostraram que Isaura tem uma cardiopatia grave e pode morrer a qualquer momento.
_Sinto muito... Existe algo que eu possa fazer? Mábio perguntou, visivelmente comovido.
_Existe sim! Eu preciso que mostre ainda mais interesse por ela, que comessem a namorar. Entende???
Mábio meneou a cabeça de forma negativa e falou com ênfase:
_Senhor! Não posso me submeter a tamanha crueldade. Já imaginou o sofrimento da moça, caso descobrisse?
Com voz embargada, andando em círculo sobre um bonito couro guzerá que cobria boa parte do assoalho, o fazendeiro começou a falar:
_Rapaz, sou um homem realista; minha filha além de limitada, não é o tipo capaz de despertar a libido, ou qualquer coisa que seja em alguém. Posso lhe dar muito dinheiro... Pense! É por algo nobre. Isaura está morrendo... Precisa perder peso. A única forma seria encontrar um motivo para viver. Pobre menina, desde que nasceu é só sofrimento. Fiquei sabendo o quanto você é atencioso para com ela. Eu e minha esposa já tentamos de tudo. POR FAVOR! (Nos ajude.)
O homenzinho chegou à janela, e não conseguiu conter as lágrimas ao ver a filha sendo amparada por dois empregados, "os mais fortes que tinha". Estava vindo da balança usada para a pesagem do gado. Isaura caminhava devagarinho. A dor lhe moldava uma carranca capaz de afugentar para sempre todas as criaturas das trevas. Ao voltar-se para o rapaz, ele falou com dificuldade:
_Coitada, tem dias que nem consegue caminhar sem ajuda. Ontem estava com quase trezentos quilos. Pode isso?
Com a prática o veterinário calculava que já havia passado das vinte arrobas, contudo, fingindo surpresa, limitou-se a dizer:
_Isaurinha é alta, não parece tanto.
_Como vê, meu rapaz, a situação é crítica...
Mábio esperou que o sofrido pai parasse de soluçar para então se levantar e falar:
_O Senhor pode ficar tranquilo, tentarei ajudar... Mas não será por dinheiro, ou qualquer bem material. A recuperação da moça, será a minha recompensa.
_Pode ter certeza, rapaz, você será muito bem remunerado.
_Não vou aceitar nada além do que recebo pelo trabalho que exerço. Não falaremos mais sobre isso. Que fique bem claro, combinado?
_Se prefere assim... Mas quero que saiba, que quem faz o bem nunca se arrepende.
Mábio por algum tempo ficou pensativo. Depois coçou a cabeça, fez um muxoxo e repetiu quase sem mexer os lábios: "Quem faz o bem nunca se arrepende?" Espero que tenha razão.
Após o veterinário sair, Dona Márcia entrou no escritório e perguntou eufórica:
_Então, foi como planejamos?
_Acho que sim. Fiz uma boa encenação; até chorei...
Continua...