Já era hora de esquecer aquilo- CLTS 03

Sentiu primeiro o impacto e depois a dor. O sangue começou a escorrer no momento em que sua cabeça se chocou contra o espelho que se quebrou. Ouviu os risos de deboche e os passos se afastarem. Tudo parecia meio embaçado devido ao baque na cabeça.

Tremeu quando ouviu novos passos. Encolheu-se e se preparou para uma nova rodada de agressões vindas do valentão da escola. Sentia que era ele, antes mesmo do seu temor se confirmar. Seu corpo sentia o perigo, como uma presa que ver a chegada do predador.

-Deixe ele em paz.- ouviu uma voz; sentiu um alivio imenso. Será que alguém finalmente iria intervim ao invés de ficar apenas olhando? Mas sentiu medo pela pessoa. Não queria que ela se machucasse.

O valentão pareceu ofendido de ter sido interrompido na sua diversão e em pose ameaçadora perguntou ao novato o que ele queria, perguntou se estava afim de apanhar. Uma briga se seguiu. O novo aluno se mostrou com reflexos rápidos. Viu algo que nunca havia visto no rosto do valentão: medo. Ele se afastou assustado e os deixou no banheiro vazio.

-Vamos ser amigos agora.- disse seu novo amigo estendendo a mão e lhe ajudando a levantar. Quando ia agradecer o menino todo o cenário se desfez. Acordou no chão do banheiro, com a testa sangrando e entre cacos de vidro. Estava frio. Era o clima ou a solidão? Não sabia dizer, assim como não sabia quanto tempo tinha se passado.

Ainda estava só naquele banheiro. Ryan chorou de raiva. Porque tinha que ter tido aquele sonho em que alguém vinha lhe salvar? Aquela cena ocorreu, mas não com ele. Sentiu mais raiva de uma certa pessoa, muito mais do que sentiu de quem lhe bateu. O que Caleb tinha que ele não tinha? Porque um novato havia salvado o menino e não ele?

*

-Mark, Caleb que bom ver vocês por aqui! Não sabia que conheciam esse lugar!- disse Ryan surgindo não se sabe de onde. Ele carregava uma mochila que parecia está bem pesada. Sentou-se ao lado deles na grama. Bem próximo deles a floresta e as flores completavam o cenário de calmaria. Algumas pessoas faziam piquenique aproveitando a natureza do local.

-Conhecemos bem até demais.- disse Mark olhando em direção as flores, fazendo referencia a experiências passadas que tiveram no local e a amizade que tinham com a menina, que somente eles viam, que era guardiã daquelas flores e que havia os ajudado após um certo acidente que eles tiveram.

-Pelo seu olhar deve ter visto algo de diferente aqui também. Mas me digam uma coisa vocês acreditam em maldição?- perguntou Ryan de repente como se fosse a coisa mais natural para se perguntar naquele momento. Caleb o olhou meio tenso e Mark pareceu imitar o amigo no olhar.

*

Sentia o seu coração apertado por causa de tudo. Estava cansado. Naquele dia não foi para sua casa, pois sabia que quando o pai soubesse das recentes agressões iria o chamar de fraco como das outras vezes. Pegou um ônibus para um lugar longe. Ficou na janela vendo as outras pessoas descendo e m suas paradas, algumas eram esperadas por filhos, amigos ou pais amorosos. Ficou imaginando, se iludindo, que estava indo para a sua casa também, mas um lar em que estavam lhe esperando com abraços quentinhos e um copo de achocolatado. Estava sentindo frio demais e dor no estômago. Ao tocar no local choramingou. O chute havia sido realmente forte, não tinha conseguido comer nada desde então. Algumas pessoas olhavam para ele de um modo preocupado, mas ninguém se preocupou em realmente ajudá-lo. Era sempre assim.

Desceu em uma parada conhecida. Sua testa ainda doía, mas ignorava, assim como a dor na barriga. A mochila estava muito pesada também, mas não tanto como o seu coração. E o frio aumentava ainda mais e estava acompanhado de uma forte sonolência. O vento batia em seu rosto e o cheiro de flores o fez saber que estava perto. O adocicado do ar lhe lembrou de doces momentos que passou perto dos únicos amigos que tinha: os insetos.

Uns passos depois viu o lindo campo de flores que ficava na beira da estrada, perto de um gramado verdinho e de uma floresta que ficava muito bonita no inverno. Ele ia lá ás vezes para coletar insetos, desenhar ou escrever. Não era o único que ia até lá, muitos turistas iam também e pessoas que como ele se sentiam acolhidas na natureza. Preferia ir quando não tinham muitas pessoas. Iria até lá para descansar um pouco pois era onde se sentia amado, não queria voltar para a escola ou para a sua casa tão cedo.Sentia que havia algo de errado com o seu corpo, precisava dormir. Sangue começou a escorrer pelo seu nariz apenas confirmando isso. Desmaiou em cima da grama que pareceu o envolver em um abraço quentinho. Tudo que ele precisava.

Quando abriu os olhos notou que não estava sozinho. Duas idosas estavam ao seu lado, uma era muito bonita e gentil, já a outra tinha um olho esbranquiçado e era cheia de cicatrizes no rosto.

-Quem são vocês? Onde eu estou?- perguntou meio assustado pelas presenças, mas não sentia exatamente medo.

-Calma, criança, você está seguro agora. O que fazia sozinho uma hora dessas? – a idosa bonita disse com uma voz gentil. Ela havia aberto a sua mochila e segurava em uma mão o seu pote de coletar insetos e na outra uns papeis em que Ryan costumava escrever sobre seus sentimentos em relação aos colegas. - E mais importante porque tanto rancor dentro do seu coraçãozinho?

-Do que a senhora está falando?

-Veja criança, encare o rancor que saiu de seu coraçãozinho.- Ryan não entendeu nada até que viu e não conteve o grito. Perto dele estava um monstro com longas garras afiadas. Os olhos eram espelhos e nele viu tudo, desde a primeira agressão, até quando o valentão bateu a sua cabeça no espelho. Viu bem mais que isso, viu a professora que mesmo vendo quebrarem o seu nariz não fez nada. Era o retrato da indiferença, não apenas ela, mais também alguns colegas e até as pessoas do ônibus que não fizeram nada. Tudo que viu lhe irritou. O monstro pareceu sorrir de uma forma tão intensa que ele recuou, não por medo, mas por ver a intensidade do sentimento que guardava dentro de si.

-Não tenha medo, criança. Ele não vai lhe ferir, afinal ele faz parte de você.-disse a idosa aparentemente achando que ele estava assustado.

-Não estou com medo.- disse e realmente não estava, o medo estava sendo substituído por outra coisa. Fazia um tempo que queria punir os culpados pelo que sofreu. - Mas como isso é possível?

-Esse lugar é mágico digamos assim, com o tempo entenderá isso.

-Porque não vi nada das últimas vezes que vim aqui?- pensou, se tivesse visto esse ser antes poderia ter evitado a testa quebrada e poderia ter dado um jeito em uma certa pessoa, ou melhor, em várias. A lista apenas aumentava.

-É uma longa história, mas lhe vi desde a primeira vez que veio aqui catar insetos e escrever , mas não tinha força suficiente ainda para intervim. Posso lhe ajudar a colecionar outras coisas, Ryan?- disse libertando na grama os poucos insetos que estavam no pote, que de alguma forma saíram voando.- Compreendo o seu rancor, me dê a sua mão e nós três vamos encher esse pote logo logo.-não precisou dizer do que, pois Ryan sabia melhor do que ninguém. A idosa de um olho só derramou uma única lágrima.

*

O valentão

Não sabia porque era do jeito que era, porque machucava os seus colegas mais fracos, sendo o principal alvo da sua raiva sem sentido Ryan. Ia sentindo algo parecido com um leve remorso quando ouviu um barulho estranho. Sentiu que corria perigo, que havia algo em seu quarto. Olhou atrás das cortinas e na direção do armário e pensou ver algo, mas não teve tempo nem para pensar em fugir. Uma coisa vinda da direção do móvel acertou seu olho direito em cheio, parecia como um espeto que atravessou o órgão.

Sentiu uma dor horrível que o impediu até mesmo de gritar. A dor piorou quando o espeto pareceu criar raízes afiadas que tinham como objetivo ajudar na retirada do olho que saiu espetado na garra do monstro que a puxou de uma vez. O ser fez menção de devorá-lo como se fosse algum petisco exótico. Pelo olho que lhe restou viu a tudo horrorizado, até mesmo viu uma idosa de aparência gentil e olhos frios que disse para o monstro:

-Nem pense nisso, sabe que esse olho tem outro destino. O primeiro de muitos outros.

Aproveitou o momento de distração e tentou se arrastar até a porta que dava para o corredor, pedia ajuda, mesmo com a perda de sangue e a dor ainda tinha forças para lutar pela sua vida. Sentiu quando garras afiadas o arrastaram, tentou inutilmente se agarrar no carpete. Quando foi virado de frente para o monstro, pálido e fraco não reagiu quando seu outro olho teve o mesmo destino, as únicas coisas que provavam que ainda estava vivo foram os movimentos de seus braços e pernas, que se debateram como se ele estivesse se afogando, na verdade realmente estava, não em água,mas em seu sangue que perdia.

Os seus olhos logo se cansaram daquela cena, porque sabia que veria outras parecidas, havia sido somente o primeiro. A idosa gentil notou algo que facilitaria o seu trabalho. Havia uma fotografia de encerramento de ano letivo em cima da estante do garoto. A lista do Ryan estava bem ali ao alcance de suas mãos.

Era possível ver que bem no centro da foto estava uma das mais culpadas, a professora que não defendia seu aluno de outros alunos maiores que ele. Deixaria ela para o final. Assim como os dois meninos que no momento da foto conversavam entre si submersos em alguma conversa mais interessante que o momento. Com esses faria algo diferente, como eram tão próximos tiraria um olho de cada para formar um par. Com o olho restante poderiam se encarar até que finalmente parassem de respirar.

Com a fotografia em mãos fez um corte em cima do rosto sorridente do menino que ainda sangrava pelas órbitas vazias de onde um dia haviam tido olhos.

*

A professora

Era hora do intervalo e todos saíram apressados, a cadeira vazia de Ryan parecia a acusar de forma silenciosa. Era quase como se o objeto pudesse falar, mas não era apenas aquela cadeira que a atormentava, haviam mais duas cadeiras vazias. Dois desaparecimentos totalmente sem explicação, não havia corpos e nem provas. Um dos desaparecidos era o menino que sempre bateu em Ryan, lamentou não ter feito nada, poderia ter salvado os seus alunos. Para sua tristeza soube no fim daquele dia que tinha ocorrido mais outro, uma cadeira que ficou vazia de um aluno que não voltou do intervalo.

A professora sabia dos boatos. Falavam que havia alguma maldição naquela sala. Pais estavam começando a querer transferir os seus filhos de classe, escola, cidade, todos estavam com medo e por causa disso nenhum lugar parecia ser o mais longe suficiente. O perigo parecia próximo.

A turma foi dissolvida e o resto dos alunos dispersos em outras salas ou escolas, mas de alguma forma era como se tivesse algo no ar. Haviam se passado alguns meses, ela estava em uma turma de outra cidade, mas era como se as carteiras vazias a acusassem. Começou a criar fobia a cadeiras vazias. Chegou a tirar as cadeiras vazias e colocar no corredor, para que a sua consciência não usasse o objeto como forma de atormentá-la. Os dias pareciam cansativos e por isso preferia almoçar na sala, mesmo com todas aquelas cadeiras vazias, que naquele dia não se mostrariam tão vazias.

Estava pegando um guardanapo quando algo a fez gritar, sentada em uma carteira estava um ser que tinha olhos espelhados e longas garras, ele estava sentado como se esperasse a aula começar. Atrás dele uma senhora idosa que com um sorriso que poderia ser considerado confiável se não fosse por seus olhos cruéis:

-Quem ver algo e não faz nada não merece ter olhos, a senhora não acha?- ela falava com uma voz calma que tornava tudo ainda mais assustador- Agora que tudo que restou de certas crianças foi o nada desejava poder ter feito algo?

-Eu lamento muito pelo que ocorreu com o Ryan... Eu sinto culpa todo dia e.

-Sei que sente, depois que algo ocorre todos sentem.- disse com o seu sorriso aumentando a cortando no meio da frase- Mas já tivemos muito tempo para ouvir as mesmas desculpas, não é mesmo? Vamos simplificar as coisas, os seus alunos estão sentindo a sua falta.

Luz piscou e logo as carteiras estavam ocupadas pelos seus alunos sumidos. Eles não tinham mais os olhos,mas pareciam a encarar. A blusa do uniforme ou pijama que usavam estavam ensaguentados assim como os rostos, eles começaram a pedir os olhos de volta. Foi quando notou algo assustador. Um pote cheio de olhos humanos que era segurado pela senhora. As crianças estendiam as mãos em direção ao sinistro objeto.

- O pote de olhos de Ryan está começando a ficar cheio dos olhos das pessoas que viam o seu sofrimento e não faziam nada ou que foram responsáveis por ele. –a mulher parecia falar com mais calma, não eram palavras direcionadas para ela, mas para o monstro perto dela- Vou lhe contar um segredo, o menino não sabe dizer de qual dos dois sente mais raiva.

-Por favor, eu sinto.- a professora estava desesperada e tentou implorar para que não fizessem nada com ela, mas todos aquele olhos no pote pareciam falar para ela que tudo aquilo era culpa dela. Que aceitasse o seu destino sem lutar. Iria fugir, mas os olhos não permitiriam isso.

*

Ele e Mark de frente um para o outro, pálidos pela perda de sangue e dor, cada um com um dos olhos faltando e alguns cortes profundos pelo corpo. Com o olho que restava viam o estado em que o outro estava. Tentavam se confortar, mas era difícil, pois a visão do amigo naquele estado causava uma tristeza mais intensa que a dor. Mas mesmo assim preferia olhar para o amigo do que para alguns de seus colegas que estavam ao seu redor, todos sem os olhos e alguns com sorrisos cortados a força em seus lábios rasgados.

Queria apenas que aquilo acabasse logo. Caleb queria falar algo

uma palavra de agradecimento por Mark sempre ter sido seu amigo, sempre ter lhe defendido dos valentões, mas não conseguia formular as palavras, por isso tentou estender a mão na direção dele. Ao ver esse gesto Mark tentou falar algo, talvez uma despedida, mas antes que terminasse algo ocorreu.

-Cal, acorde. Caleb! Acorde!- ouvia a voz de seu amigo que mesmo estando perto parecia vim de longe. Acordou e reconheceu a barraca que eles usavam para acampar no quintal. Mark apontava uma lanterna diretamente para o seu rosto, era como se o amigo acreditasse que a luz afastaria o pesadelo.

-O que aconteceu?

-Você estava tendo um pesadelo e parecia ser dos ruins. Já estava pronto para chamar a sua mãe.

Caleb ficou em silêncio parecia está refletindo sobre alguma coisa.

-Você está bem? Parece pálido.

-Estou.- Caleb passou a mão pelo rosto como se para realmente despertar. Mark estranhou que ele pegou nos olhos, era como se quisesse se certificar que eles realmente estavam onde deveriam está. Foi quando Mark entendeu.

-Cal, você ainda tem pesadelos por causa daqueles papéis?

*

Caleb nunca gostou muito do clima de hospital. Aquelas paredes claras demais e aqueles médicos que usavam máscaras. O menino achava que eles sempre estavam escondendo algum tipo de sorriso macabro por baixo daquelas máscaras. Não queria ter vindo, mas Mark havia insistido para que fizessem uma visita a Ryan, já que o menino não tinha amigos. Ele e Mark que viviam envoltos em um mundo de assuntos e histórias que pertencia somente a eles dois, por isso nunca haviam notado muito no menino, era apenas mais um rosto entre tantos. Na verdade as vezes notava durante a aula que Ryan lhe lançava uns olhares de raiva, pensava que era porque ele e Mark estavam conversando alto demais e atrapalhando ele de entender a explicação do professor.

Ao entrarem no quarto notaram que o menino ainda estava com a cabeça enfaixada e parecia ocupado escrevendo alguma coisa. Segundo as histórias a lesão na cabeça foi resultante de uma pancada forte no espelho do banheiro masculino do segundo andar. O objeto continuava quebrado, como uma prova muda da agressão que exigia que a escola tomasse alguma providencia. Ryan foi encontrado desmaiado perto de um campo de flores. Não entendia o porque dele ter ido para lá quando o obvio seria ele ter procurado um hospital. Essa escolha poderia ter custado meio caro para o menino.

Ryan tirou os olhos dos papéis e pareceu surpreso por ver alguém indo lhe visitar. Na mesa perto da cama haviam mais alguns papeis empilhados. Caleb pensou que devia ser tedioso ficar em um hospital e Ryan devia escrever, e escrever muito, para se distrair.

-O que vocês dois fazem aqui?- perguntou Ryan com um olhar de quem achava que eles eram algum tipo de sonho.

-Viemos lhe ver, soubemos o que ocorreu e sentimos muito.

-Sei que sentem, depois que algo ocorre todos sentem muito.- as palavras dele estavam cortantes como vidro. Era possível ver que o rancor nadava no mar que eram seus olhos azuis.

-Ryan, eu não sabia que ele lhe batia se tivesse visto alguma vez teria lhe defendido que nem fiz com o Cal.- disse Mark sendo sincero. Algum outro sentimento pareceu tomar o lugar do rancor nos olhos do menino, mas Caleb não conseguiu distinguir o sentimento, pois esse logo fugiu dos olhos na forma de lágrimas. Choro esse que serviu como um imã para o abraço que ele e Mark deram no menino. Apesar desse momento ter sido dos três no dialogo que se seguiu ele se sentiu deixado de lado. Sentia-se levemente com raiva por ver Mark conversando com Ryan como conversava com ele.

Viu os papéis e a curiosidade os fez ler, aproveitou que Mark e Ryan estavam ocupados conversando e ele estava sobrando. Eram papeis que falavam de olhos arrancados de pessoas que haviam feito algo para Ryan, ou que havia visto fazerem e não fizeram nada. . Em escritos que tinham como título “A professora” e “O valentão” notou que o rancor era direcionado principalmente para essas pessoas, mas também haviam outros trechos que falavam dele e de Mark.Pelo que notou pela mente de Ryan toda turma era culpada de não ter feito algo e por isso não era digna de ter olhos.Os órgãos perdidos formavam uma espécie de coleção bizarra dentro de um pote de vidro. Os olhos eram arrancados ou pelo próprio Ryan ou nas páginas que pareciam mais recentes por uma maligna idosa e um monstro. O medo começou a bater bem forte.

Tinha que fazer algo, lembrou que enquanto vinham para o quarto viram uma sala com a palavra “psicólogo” escrita do lado de fora. Talvez ele pudesse os ajudar nessa questão. Sabia que até que explicasse e ele lesse os papéis demoraria um tempo e por isso teria que ficar mais tempo naquele ambiente que lhe dava arrepios, mas no momento tinha mais medo de Ryan do que do hospital.

*

Ryan queria apenas conversar com os seus amigos, fazia um tempo que não os via, mas ao ver o olhar tenso de Caleb se perguntou se havia sido uma boa ideia a aproximação. Apenas queria falar sobre o lugar em que estavam. Falar de histórias que contavam sobre dois seres semelhantes a idosas que sempre apareciam após um acidente ou algo do tipo. Falaria de como a idosa que parecia gentil era perigosa de como quem fosse com ela não mais acordaria, ou pelo menos, não tão cedo .Ele falaria da experiência que teve, de como por sorte foi levado para o hospital antes que pudesse pegar na mão da idosa aparentemente gentil. Os dois se uniriam a ele na conversa e contariam a experiência deles e no fim todos se despediriam com promessas de se verem novamente. Talvez no meio da conversa até surgisse algum assunto mais ameno e divertido, mas de alguma forma haviam associado alguma palavra dele a aqueles papéis que Caleb havia lido.

Já faziam dez anos desde aquele dia. Ryan não era mais aquele menino de doze anos que eles foram ver no hospital, porém as vezes tinha impressão que Caleb ainda o olhava meio diferente, como se achasse que ele andava com uma gilete no bolso apenas esperando o momento certo para arrancar os seus preciosos olhos. Mark não, o seu amigo, parecia ter deixado isso no passado, entendia que ele já estava melhor, acreditava no que o psicólogo disse. Por causa dessas coisas estranhou o olhar tenso dele. Suas mãos começaram a suar sem que ninguém notasse e por um momento foi como se aquela onda de raiva começasse a voltar. Começou a pensar naqueles papéis que mesmo anos depois tinham assustado os únicos amigos que tinha. Por um momento desejou realmente ter uma gilete no bolso, mas dessa vez não para machucar os outros.

Risadas o tiraram de seus pensamentos e nervosismo, só então notou que era não era realmente um olhar tenso, se tratava de algum tipo de brincadeira que ele não soube captar por sempre achar que as pessoas estavam pensando naqueles papéis.

-Ryan, porque está assim?- perguntou Mark preocupado ao finalmente notar que ele não parecia bem- Foi apenas uma brincadeira que eu e o Cal temos. Estávamos fazendo a pausa dramática para que continuasse a falar da tal maldição. Desculpe e continue.

Precisou de um tempo para se recuperar da quase crise nervosa. Depois não quis falar mais sobre aquele assunto, preferiu apenas ouvir os amigos. Dizia para si mesmo que já era mais que hora de esquecer aquilo. Recomeços eram sempre muito bem-vindos.

Tema: Maldição e hospital