DEAD WORLD - APOCALIPSE PREVIEW CLTS 03

DEAD WORLD - APOCALIPSE PREVIEW CLTS 03

by: Johnathan King

***

O DESPERTAR DO MORTO

(...)

Um odor acre pairava no ar. Aquilo era cheiro de morte. O crepúsculo em Los Angeles se aproximava e tingia o céu de rubro. Junto com ele, a brisa gelada se transformava em ventos de tempestade.

Quando o soldado Eric despertou dentro de um quarto de hospital, seus olhos fitaram o teto, depois o ambiente ao seu redor a procura de algo conhecido ou um rosto familiar. Mas ele estava sozinho. Nenhum som conhecido chegava até ele.

A dor abaixo do peito, no lado esquerdo, fez Eric levar a mão até o local. Tocou a faixa que o envolvia da cintura para cima. Apesar do desconforto, o soldado saiu da cama. Caminhou com dificuldade até próximo à janela e contemplou a rua. O ambiente revelou-se desconhecido: sujeira e destruição por todos os lados. O caos nas ruas, não lembrava em nada a Los Angeles que Eric conhecia. Ignorando os acontecimentos desde sua internação e o tempo que se encontrava desacordado, Eric caminhou até a porta do quarto. Uma maca impedia o acesso para o lado de fora. Ele a removeu, liberou a passagem e deparou-se com o corredor escuro. O pouco que conseguiu ver, não mostrou mais do que equipamentos hospitalares jogados por todos os lados, sujeira e coisas quebradas. Nada diferente do que observou da janela.

Não havia sinal da presença recente de um único ser humano por perto. O silêncio pesava e Eric buscou pela arma na cintura e só então deu-se conta de que usava uma camisola do hospital. Em sua cabeça procurava uma explicação para aquele quadro de devastação, mas nada fazia sentido. Nas paredes, manchas e anotações feitas com sangue complicavam qualquer entendimento que ele tentasse determinar.

Eric voltou até o banheiro do quarto e encarou a própria imagem no espelho. A barba cobria completamente seu rosto. As olheiras escuras faziam-no parecer mais velho. Havia emagrecido. Ele abriu o porta-espelho e retirou um aparelho de barbear, fez a barba e depois encarou a água fria do chuveiro. De volta ao quarto, ele abriu o armário e encontrou seu antigo uniforme do exército. Colocou a roupa e tocou na arma e sentiu-se protegido.

Já fora do hospital, Eric teve a visão do apocalipse em que a cidade se encontrava.

Levou o braço em direção ao rosto e enfiou o nariz na jaqueta do uniforme, para amenizar o odor de carne podre que empesteava o ar. O céu abriu suas comportas e deixou que a água caísse livremente.

Carros virados como se tivessem colidido uns nos outros. Havia marcas de incêndios recentes em vários deles. Em um estacionamento próximo, no lugar de veículos, corpos humanos apodreciam ao relento.

O soldado pôs as mãos na boca e fez menção de vomitar. Ele deu as costas à cena e seus ouvidos captaram o som de passos emergindo das sombras da escuridão da noite, então ele sacou sua pistola e ficou atento à direção dos ruídos.

***

ANTIGA VIDA

Eric chegou em casa ao final do dia. A rotina como soldado tinha dias extenuantes, como aquele. Encontrou a esposa Claire, na cozinha preparando o jantar, aproximou-se e tentou lhe dar um beijo, mas ela afastou o rosto.

-Eu não estou afim, Eric! disse com o olhar seguro nos afazeres, mas as palavras soaram incertas.

-Tá acontecendo alguma coisa, Claire? perguntou Eric.

-Precisamos conversar.

Eric ergueu os ombros e apoiou-se no balcão.

-Eu tô aqui! Sobre o que quer conversar?

Claire o encarou.

-Eu quero me separar de você.

As palavras de Claire atingiram Eric como uma bomba.

-Como é que é?

-É isso que você ouviu. Eu quero me separar de você.

-Olhe, Claire -Eric tentou argumentar. -Sei que o trabalho tem tomado meu tempo, mas as coisas vão melhorar.

Eric aproximou-se, mais uma vez, da esposa, mas Claire se afastou.

-Cansei de suas desculpas.

Sem reação, ele viu a esposa sair. Ficou na cozinha, remoendo as palavras de Claire, sem encontrar motivos para que ela agisse daquela maneira. Com a cabeça latejando, saiu e bateu a porta com força. Entrou no carro e dirigiu até o bar. Sentou ao lado de Bobby, seu parceiro de farda.

Eric estava num estado de incompreensão, tentando encontrar uma resposta para o pedido de divórcio da esposa. Mas não encontrava nenhuma que fizesse sentido para ele, pelo menos não naquele momento.

Ao voltar para casa bêbado, Eric deitou no sofá e apagou. Ao amanhecer, ainda zonzo por conta da bebedeira, a voz de Claire, no andar de cima, chamou sua atenção. Ficou ao pé da escada e tentou escutar com quem ela conversava. Sem sucesso, Eric resolveu subir, para continuar a conversa inacabada com a esposa. Na metade do caminho, ele parou. A esposa mantinha uma conversa íntima com alguém do doutro lado da linha. Ao término da ligação, ele aguardou a esposa entrar no banho.

Eric aproveitou o momento, entrou no quarto sem fazer barulho, pegou o aparelho da esposa, procurou pela última chamada e discou. Enquanto a chamada se completava, a cabeça de Eric latejou e as mãos suaram. A voz de Bobby, do outro lado da linha, fez a pele de Eric ferver.

-Claire, amor, já sentiu saudades de mim?

Sem fala, Eric encarou o celular de Claire e olhou na direção do banheiro. Os músculos tensos e o estômago revirado fizeram com que jogasse o celular na cama. Saiu apressado e bateu a porta.

Claire saiu do banho após ouvir o barulho, mas encontrou o quarto vazio. Ela olhou para seu telefone na cama e percebeu que alguém tinha feito uma ligação. Claire não pôde esconder a cara de preocupação ao constatar que Eric tinha ligado para Bobby, após descobrir toda a verdade sobre os dois. Ela retornou novamente a ligação para o amante e o alertou:

- Bobby, o Eric descobriu tudo sobre nós dois. Ele ligou pra você do meu celular. Eu tenho medo do que ele possa fazer.

- Calma, Claire. Quando eu encontrar com o Eric, vou conversar com ele e explicar toda a situação. Eu sei que vai ser difícil, mas ele vai ter que entender que a gente se apaixonou um pelo outro. Que não foi nossa culpa.

Eric entrou no carro. A vida havia dado a ele um soco no estômago. Ao lembrar de Bobby ao telefone, tocou na arma. Ele acertaria as contas com o parceiro. No cruzamento, não viu o sinal vermelho e a batida contra o caminhão o lançou longe.

***

NÓS E OS MORTOS

Eric continuava com a arma apontada em direção à multidão que seguia para cima dele, como uma boiada desgovernada. Duas silhuetas se destacavam no meio daquela loucura toda. Um casal corria em fuga, perseguidos de perto por uma horda de zumbis.

Os mortos-vivos avançavam lentamente, mas em ordem e determinados. Eric apontava a arma para o casal e os mortos-vivos, confuso e indeciso. Mesmo que atirasse na direção da multidão, sua arma não teria munição suficiente para deter a todos.

Eric escutou os gritos da dupla, porém não os entendia. A distância e o barulho dos zumbis atrapalhavam a comunicação. Começou a recuar de forma instintiva, mantendo a pistola apontada para eles. Sem conseguir reagir, Eric viu-se empurrado de volta ao hospital pelos dois que gritavam para que fechasse a porta do lugar.

Movido pela adrenalina, Eric conseguiu fazer o que os dois pediam. À medida que os mortos-vivos iam se aglomerando do lado de fora, a porta estalava e o vidro começava a apresentar rachaduras. Em instantes ela quebrou e eles passaram para o lado de dentro.

Eric e o casal, movidos pelo desespero, correram para o interior do hospital, enquanto a multidão de ressuscitados investia em sua direção e preenchia os corredores do lugar, antes vazios. Eric e os novos companheiros buscaram abrigo dentro de um dos quartos do segundo andar. O trinco arrebentado os obrigou a montar uma barricada com uma cama e outros objetos pesados que tinham em mãos, enquanto do lado de fora, a horda de cadáveres acumulava-se ao pé da porta.

A única certeza que Eric tinha, naquele momento, se resumia ao fim da sua jornada no mundo dos vivos. Ele sabia que, logo, os mortos-vivos, conseguiriam passar para dentro do quarto. Era só questão de tempo.

***

O ANJO DA MOTO

Na escuridão da cidade, um ronco de moto destacou-se nas trevas. Zumbis caminhavam pelas calçadas, com seus olhares perdidos e andar letárgico. A Harley 59 cruzava as ruas e avenidas em baixa velocidade e com os faróis desligados. O piloto segurava na mão direita uma pistola semiautomática com silenciador. Atento, buscava nos prédios alguma alma viva em meio à multidão de corpos sem vida.

Johnny. Assim, aqueles que o conheciam, costumavam chamá-lo. O asfalto ainda molhado não refletia qualquer claridade. Uma leve neblina se destacava na noite escura e chuvosa de Los Angeles. Os mortos-vivos alheios à presença do motoqueiro continuavam sua marcha fúnebre e interminável.

O olhar atento de Johnny vasculhava cada ponto da cidade. Ao chegar ao cruzamento, notou uma movimentação suspeita de zumbis vinda do hospital geral de Los Angeles. Curioso, resolveu conferir. Ao se aproximar, Johnny parou a moto e observou a concentração intensa de cadáveres no local. Não havia como entrar lá. Indeciso, deu meia volta e continuou sua patrulha solitária pelas ruas alagadas da cidade.

Alguns metros adiante, Johnny ouviu o som de vidro quebrado atrás dele. O motoqueiro parou e olhou para o hospital. Alguém, no segundo andar, havia quebrado a vidraça de uma das janelas. Em seguida um corpo masculino pulou para fora seguido de outros dois. O trio andou pela mureta de segurança até chegarem à janela do quarto ao lado.

Do quarto de onde saíram, a horda de zumbis pendia com metade do corpo para o lado de fora, mordendo o ar e movimentando seus braços e mãos repetidamente. Um dos homens quebrou o vidro para abrir passagem.

Johnny retornou na sua Harley para a frente do hospital.

-Aqueles três vão precisar de ajuda. Johnny falou consigo mesmo. Ele respirou fundo e desceu da moto.Caminhou até a entrada do hospital, onde uma recepção de boas vindas esperava por ele. Os mortos-vivos viraram-se em sua direção afoitos e com suas bocarras babando gosma enegrecida, lançaram-se para cima dele.

Johnny sacou sua pistola e disparou na direção dos zumbis. Os três primeiros corpos desabaram no chão feito sacos de batatas. Ele recarregou sua pistola e investiu um novo ataque. O que restou na recepção do hospital foram corpos inertes e o chão banhado de sangue negro e apodrecido.

Em seguida, Johnny subiu ao segundo andar, onde estava concentrado o maior número de zumbis e alvejou os que cruzaram a sua frente. Ele chegou ao centro da horda e ficou impressionado com a quantidade de zumbis em um só espaço e, nesse momento, o medo despertou dentro dele. As mãos tremeram e o corpo vacilou entre seguir em frente ou dar meia volta.

Johnny esforçou-se para se manter firme e recuou alguns passos, sem perder a mira que mantinha em seus alvos. Inspirou e afastou de si a apatia provocada pelo medo. Assobiou e atiçou a curiosidade de todos os mortos-vivos ali presentes. Aos poucos, os errantes locais começaram a se movimentar em busca do calor de Johnny.

Com suas bocas abertas, as mãos esticadas feito garras de caranguejos ávidas por agarrarem a presa, os zumbis lançaram-se ao ataque. Johnny preparou-se para fugir, no entanto, uma barreira de zumbis ergueu-se atrás dele, deixando-o encurralado. Ele atirou uma vez, na tentativa de dispersar os errantes, sem obter resultado.

Os mortos continuavam a avançar, vindos das duas extremidades do corredor, deixando Johnny indefeso. Apoiado contra a parede, o jovem aguardou que eles se aproximassem mais e jogou-se para o lado, em direção a uma das portas dos quartos. Entrou e descobriu que a situação não o favorecia.

***

APOCALIPSE ZUMBI

Dentro do quarto em que haviam se refugiado, Eric encontrava-se atordoado. Ele se ajeitou em um canto, colocou as mãos no rosto e, em seguida, deixou as lágrimas escorrerem livres. Um toque no ombro fez com que ele se controlasse. A mulher que o encarava apresentou-se:

-Oi, no meio dessa confusão toda nem deu pra ninguém se conhecer. Meu nome é Beth, e esse é o Marcos.

-Prazer, cara - disse Marcos, um rapaz com traços latinos, esticando a mão na direção do soldado.

-Eu sou Eric.

Para Eric, aquilo ultrapassava o limite da loucura. Ele não sabia do que tudo aquilo se tratava. E pior, não sabia se sua família estava bem e em segurança. Ao lembrar-se da esposa e da filha, Eric reviu a última conversa que teve com Claire e do pedido de divórcio que ela havia feito. O soldado puxou de dentro do bolso uma fotografia da família.

Beth se sentou ao lado de Eric e começou a explicar para ele tudo o que estava acontecendo em Los Angeles e no resto do planeta também.

O apocalipse havia iniciado há seis meses, primeiro na capital, Washington, e depois o vírus espalhou-se por outras cidades e estados, levado por pessoas mortas, mas que de alguma maneira que ninguém sabia explicar, elas podiam andar como se ainda estivessem vivas. O pior, no entanto, era que essas criaturas se alimentavam de pessoas vivas.

Eric ouvia o relato de Beth e Marcos incrédulo, mas ele sabia que eles falavam a verdade. Por alguns instantes, a mulher parou de falar e fixou os olhos na fotografia da família de Eric. Os olhos passaram de Eric para a foto.

-É a Claire e a Kate! - disse a mulher.

Eric sobressaltou-se e perguntou, agitado:

-Você as conhece, sabe onde elas estão? Sem perceber, Eric apertou os braços de Beth e a sacudiu. -Vamos, diga! Exigia saber o paradeiro da família.

Marcos puxou Beth para longe de Eric.

-Cara, qual é? Se acalme!

Eric passou as mãos pelo cabelo e o jovem de traços latinos contou a ele que todos estavam bem, e que viviam numa espécie de comunidade, junto com outros sobreviventes do apocalipse, ao pé de uma encosta nos arredores da cidade.

A pulsação de Eric acelerou. A alegria pela notícia deixou-o eufórico. Porém, a situação em que se encontravam deixava-os vulneráveis. Presos dentro de um quarto de hospital, sitiados por mortos que andavam e comiam gente, tinham que encontrar uma maneira de escaparem daquele lugar.

Eric foi até a janela e olhou para baixo e em todas as direções do hospital, a procura de uma saída daquele inferno, porém os mortos vagavam de um lado a outro, sem destino certo.

Um barulho de vidro quebrado despertou a atenção de Eric, que olhou para o lado e avistou uma corda feita de lençóis jogada de uma das janelas. Em seguida viu um homem descendo por ela. Eric gritou para ele e fez sinal com os braços até ser notado.

-O que está fazendo, cara?! -Eric gritou.

-Vou levar essa praga para longe do hospital. Aproveitem e saiam daí.

Eric virou-se para Beth e Marcos e ordenou:

-Vamos fazer uma corda de lençóis e descer até o primeiro andar. Um cara que estava em um dos quartos tá descendo e falou que vai afastar essas coisas daqui, para dar tempo da gente fugir.

-Eu não sei. Mas com certeza é amigo.

O soldado correu pegar lençóis no armário. Beth e Marcos trocaram olhares de desconfiança, mas logo foram ajudar Eric na confecção da corda. Com o artefato pronto, prenderam uma das pontas da corda no pé da cama, a outra jogaram para fora da janela e se prepararam para descer.

Eric foi o último a descer pela corda. O quarto no primeiro andar, apesar de vazio, só aumentou sua preocupação. Beth e Marcos preparavam uma nova corda. Os três voltaram a atenção para a porta. Um som familiar chegou até eles.

-Pessoal, não estamos sozinhos - disse Eric ao casal.

Os três entreolharam-se e Eric pode sentir a tensão dos novos amigos crescer. O soldado sacou sua arma e caminhou com cuidado na direção do ruído. A porta do banheiro entreaberta permitiu que Eric colocasse a cabeça para dentro bem devagar. A coisa morta encontrava-se presa do outro lado do box. O corpo de Eric relaxou por alguns instantes e um sorriso brotou no seu rosto de forma tímida. O segundo naquela noite.

-Com esse, não precisamos nos preocupar - afirmou Eric, em seguida, ordenou: - Melhor continuarem a amarrar os lençóis.

Enquanto os amigos retornavam o trabalho, Eric abriu a porta do quarto e observou os corredores escuros. A movimentação de alguns zumbis em pontos isolados do lugar fez com que ele a fechasse.

- Vamos logo com isso, pessoal! - disse Eric.

-Está pronto - respondeu Marcos. E jogou a corda pela janela. - Agora é só descermos.

***

O ALVORECER DO DIA VERMELHO

Eric, Beth e Marcos chegaram ao térreo. Tudo estava tranquilo e silencioso. E não foi difícil chegarem até a recepção abandonada.

Um vento gelado sobrava do lado de fora. Já não chovia mais, apenas uma densa neblina branca pairava no ar. A rua estava calma e deserta. Eric e seus companheiros decidiram pegar um dos veículos abandonados para deixar a cidade e seguir rumo ao acampamento.

Eric pegou na direção com Marcos no banco do carona. O soldado buscou por Beth, no banco de trás, pelo retrovisor. Ela olhava para fora. O olhar distante, a procura, talvez de alguma beleza que havia se perdido em meio ao caos. A presença dos errantes quase não podia mais ser notada, o que deixava uma ponta de inquietação no ar.

-Eles estão muito quietos -afirmou Beth.

-Acha que estão migrando? - perguntou Marcos.

-Se isso é possível, talvez - Eric respondeu. A incerteza do que viria esmagava a esperança que ele tinha em conseguirem um abrigo seguro e reencontrar sua família.

Antes de dar partida, Eric inclinou o corpo sobre o volante. Havia algo jogado na pista, adiante. Os zumbis caminhavam em linha reta em direção a outros agachados no chão, que se alimentavam com voracidade do que restou de um corpo humano.

Beth desabou em um choro sofrido e cheio de culpa. Marcos esmurrava a porta do carona, com o semblante carregado de raiva e impotência por não ter tido a chance de ter feito nada para salvar a vida do jovem que só tentou ajudá-los.

-Marcos, Beth, prestem atenção - ordenou Eric. -Pode não ser ele.

-Como não! -gritou Beth. -Olhe a moto! Ele não precisava ter ficado para nos oferecer ajuda, podia tá vivo agora com as pessoas que o amavam.

Eric decidiu ficar quieto. Querendo ou não, ele também sentia a morte daquele estranho que só tentou ajudá-los. O soldado acelerou o veículo e seguiu viagem rumo ao acampamento. Agora sem a chuva, o trajeto se tornou mais fácil.

O alvorecer se aproximava, tingindo o céu com cores variadas, como um caleidoscópio. O veículo com os três dentro encontrava-se fora dos limites da cidade e os mortos-vivos haviam ficado para trás. O coração de Eric pulsava intensamente a cada minuto que se aproximava mais do abrigo no qual sua família estava.

Eric via a tristeza de Beth e Marcos pelo desconhecido morto. Ele também sofria. Permaneceram calados e de cabeças baixas por todo o percurso. Quando uma parte do acampamento despontou no horizonte, a euforia de Eric pela proximidade do momento em que reencontraria a esposa e a filha se transformou em desespero e confusão. Ele pisou ainda mais fundo no acelerador.

O acampamento sofria um ataque brutal por parte dos zumbis errantes. O lugar ardia em chamas e as pessoas corriam desesperadas em todas as direções, tentando salvar suas vidas. Muitas caiam no fogo.

Eric e os outros desceram do veículo atordoados e em pânico. O soldado sacou a arma. Tinha que encontrar sua família. Ele tinha um assunto pendente com a esposa e marchou rumo ao centro do conflito, sem se importar com as consequências dos seus atos ou os perigos que aguardavam por ele.

Beth e Marcos armaram-se com pedaços de madeira e seguiram junto com o soldado. O barulho dos tiros vindos de dentro da batalha, misturado aos gritos de agonia e desesperado das pessoas, eram aterradores. A carnificina se espalhava rapidamente por todas as partes como um rastro de pólvora.

Eric atirava nas cabeças dos mortos que tombavam no chão como árvores podres arrancadas pela raiz, enquanto chamava desesperadamente pelos nomes da esposa e da filha, Claire e Kate. Mas de nada adiantavam seus chamados.

Beth e Marcos socavam as cabeças podres dos zumbis com força, até esmigalharem seus crânios ocos, na difícil tentativa de ajudarem seus companheiros de acampamento.

Em determinado momento, Eric viu duas sombras adiante, o que pareciam ser sua esposa e filha. Ele correu atrás, mas se viu preso numa armadilha, as sombras eram as silhuetas de dois mortos-vivos, talvez uma mãe e um filho.

Eric encontrava-se agora encurralado no alto do acampamento. De um lado, uma legião faminta de mortos-vivos prestes a devorá-lo, do outro o fogo que subia até as alturas como um imenso muro ardente, ameaçava engoli-lo. As chamas crepitavam clareando tudo ao seu redor e emanavam um som estranho de gemidos e chiados, como se estivessem vivas.

Eric ficou sem munição, o que dificultava sua situação, e sua arma agora não passava de um acessório dispensável. Ele via os amigos no campo de batalha, lutando por suas vidas, alguns acampados também trabalhavam por sua sobrevivência. No entanto, todos os esforços deles pareciam ser inúteis diante daquela aglomeração de gente morta que não parava de aparecer, como se brotassem da terra.

A madrugada avançava para o seu final melancólico e os primeiros raios do alvorecer despontavam no céu com pequenos pontos dourados no horizonte, um contraste pavoroso com o vermelho do sangue das vítimas inocentes, que cobria o chão como um imenso tapete.

Eric fechou os olhos e ficou imóvel a espera da morte inevitável, enquanto os mortos-vivos avançavam em sua direção. Em um ato final, ele pegou a fotografia da sua família no bolso da camisa. As lágrimas desciam pelo seu rosto como uma torneira aberta, ele deixou a arma cair ao chão. Naquele instante, Eric ouviu o som de tiros vindos de dentro da horda de mortos-vivos próxima dele. Os corpos começaram a tombar e a parede de zumbis de desfez a medida que eram alvejados na cabeça.

Quando se viu outra vez em segurança, Eric reconheceu o rosto familiar de pé, em meio aos cadáveres, apontando a arma para ele. Lembranças do seu passado afloraram em sua mente. Eric, incrédulo, deixou escapar o nome daquele que, um dia, foi seu amigo de farda.

-Bobby?!.

FIM

TEMA: APOCALIPSE