Pesadelos Na Colina Aguda

O relógio anunciava o esplendor da madrugada quando saltei da cama ofegante. Percebi que novamente os pesadelos reinavam nas terras oníricas, pois o motivo de meu súbito despertar fora causado por um mecanismo de defesa de minha mente frente a um perigo instantâneo proveniente de um sonho ruim. Levantei-me cambaleante, tentando ordenar meus pensamentos.

Enquanto observava Esther, a madrasta de minhas duas filhas, dormir profundamente com um sorriso em seus lábios, fui aos poucos tentando lembrar-me qual fora o sonho que arrastou de volta minha consciência para o mundo desperto. Nada... Era impossível tentar reconstruir as imagens que me apavoraram durante o sono. Resolvi então descer a escadaria para a cozinha e beber um pouco de água, pois meus lábios estavam secos. Pensei em voltar para ver como minhas meninas dormiam no outro quarto, mas lembrei-me de que elas estavam passando aquele fim de semana no colégio interno e decidi seguir adiante.

Logo nos primeiros degraus a imagem de Madison involuntariamente apossou-se do meu consciente. Fazia alguns anos que eu não pensava em minha ex-esposa e de como sua trágica morte assombrou-me durante um bom tempo. Talvez essa memória tenha se formado devido ao meu recente pesadelo, pois quando Madison deixou de respirar comecei a ter sonhos horríveis que me impediam de sequer pensar em dormir.

Lembro agora nitidamente desses tão temidos sonhos do passado. Após sua morte, durante várias noites, eu me via em meu quarto segurando o velho machado que meu pai usava para cortar as árvores na Colina Aguda. O mesmo machado encontrava-se ensanguentado e, com o que me parecia,rebocado com pequenos tecidos de pele circundantes à lâmina mortal do instrumento. Aos meus pés, o corpo de Madison estendia-se sobre um pequeno córrego de sangue. No mesmo pesadelo, eu levava o corpo de minha esposa para o quintal e a enterrava próximo ao salgueiro que compunha o cenário externo de minha casa desde que eu era apenas uma criança. Logo em seguida eu sempre acordava ofegante e com lágrimas nos olhos.

Após muitas sessões com profissionais da psicanálise, fui instruído a consumir hipnóticos que me deixavam completamente inconsciente durante o repouso. Só assim fui capaz de dormir em paz novamente após um longo período de insônia e terrores noturnos. De acordo com os terapeutas, esses sonhos eram símbolos que representavam a minha impotência perante o suicídio de Madison, pois em minha ignorância, seu estado letárgico era apenas uma fase passageira devido ao recente parto de nossa segunda filha. Eles diziam também que esses símbolos eram provenientes de minha esperança de que Madison continuava viva, pois a única prova que existia sobre seu suicídio era a sua carta de despedida deixada em cima da mesa de nossa sala.

Nunca irei conseguir lembrar-me do dia mais triste e assustador de minha vida sem sentir um arrepio em minha alma. Madison estava sentada na cadeira de balanço da varanda quando eu a deixei para ir conseguir um pouco mais de lenha na Colina Aguda. Sua feição apática perante o meu beijo de despedida me causou uma angústia assustadora. Após conseguir madeira o suficiente, decidi retornar para a nossa casa ignorando um forte estrondo que veio do fundo do morro, como se algo tivesse sido arremessado ao rio que corria agressivamente aos pés da Colina Aguda. Já na casa, quando entrei na sala, fui capaz de notar o bilhete repousado sobre a mesa de canto. Era a caligrafia de Madison. Corri desesperadamente para a beira do abismo que se abria ao sul da colina. A correnteza do rio estava forte demais naquele dia. Então meus lamentos ecoaram sobre a terra quando caí de joelhos com as mãos no rosto, chorando.

Retornando de meus devaneios do passado, tentei descer as escadas sem pensar nesses pesadelos e memórias. A escuridão impedia que eu me arriscasse a prosseguir sem me segurar com força nos corrimões de madeira. Ao chegar à cozinha senti uma brisa gelada que fez meus pelos enriçarem. Notei então que a porta que dava diretamente para a varanda estava aberta, fazendo com que o vento sentisse-se a vontade para entrar e circular por todo o cômodo.

Ao me aproximar da porta para fechá-la fui acometido pela maior confusão de sentimentos de minha vida. Logo abaixo do salgueiro estava a figura de Madison. Ela olhava diretamente para meus olhos. Fui capaz de perceber que ela chorava quando sua voz sussurrante e espectral arrastou-se para os meus ouvidos me culpando por sua morte. Neste exato momento fui capaz de recordar o pesadelo que havia me tirado o sono naquela noite. Eu havia revivido novamente o mesmo sonho do machado ensanguentado, porém apenas um detalhe estava diferente: No lugar de Madison, era Esther que jazia morta aos meus pés.

Imediatamente corri para o quarto onde eu acreditava que minha atual esposa repousava tranquilamente. Nunca irei conseguir lembrar-me da imagem de Esther morta e coberta de sangue em nossa cama sem sentir um arrepio em minha alma. Seus lábios contorcidos juntamente com seus olhos esbugalhados compunham a atmosfera amedrontadora que refletia seus sentimentos antes da morte ceifar-lhe a alma. Ao lado dos pés da grande cama o velho machado de meu pai estava atirado no chão com o sangue incriminador banhando-o quase por completo. Ao lado da ferramenta havia um baú semiaberto. Abri o tal baú e logo me deparei com a carta de despedida de Madison que naquele instante parecia ter sido escrito pelas minhas mãos, pois era exatamente a minha caligrafia que compunha o texto. Minhas mãos! Olhei desesperadamente para as minhas mãos e percebi que ambas estavam ensanguentadas. Meus lamentos preencheram o vazio de minha casa naquela noite maldita.

E foi em meio a lamentos e soluços que eu enterrei o corpo de Esther ao lado do de Madison embaixo do velho salgueiro, enquanto os espíritos das duas choravam perante aquela cena e os ventos assopravam por entre as árvores da Colina Aguda.

FIM

(Guilherme Henrique)

>>Esse é meu primeiro conto de terror,entao perdoem meu amadorismo rs

PássaroAzul
Enviado por PássaroAzul em 22/05/2018
Reeditado em 14/06/2018
Código do texto: T6343776
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