A VIDA COMO ELA É
Meses à deriva. Três sobreviventes a bordo. O sol bate na pele nos tripulantes como uma navalha afiada que arranca dos poros muito mais do que eles podem ofertar. Os homens se encaram, entre certos do fim e dispostos a qualquer desapego para a manutenção da vida. O estoque de comida se esvaiu e o de água está sendo distribuído aos goles: três para cada um por dia.
Trocam os olhares fundos à medida que o bote sobe e desce, como desde o naufrágio, mas lhes parece um movimento mais intenso do que os outros por conta das energias em queda. O corpo dos homens nem de longe se assemelha ao comum porte atlético dos pescadores. Não têm mais uma estrutura de músculos e tecidos que revestem os esqueletos, mas esqueletos camuflados por peles flácidas e enrugadas.
- Eu não aguento mais! – o único negro da tripulação meio chora e meio sorri de angústia, arreganha o olhar ao nada como quem dá indiferença a si mesmo.
- Calma. Tudo vai dar certo... Eles vão achar a gente. Um moreno de aspecto enfermo assevera. Solta um riso amarelo aos dois amigos, mas não transmite qualquer confiança.
- Deixa de falar merda seu imbecil! A gente vai morrer aqui, droga... droga... droga! – o mais velho grita apoiado à lateral da embarcação de emergência. Bate as mãos na água de um jeito desesperado.
Silêncio. A pausa de comunicação dura um tempo indefinido. O homem negro acorda de um sonho bem real, perturbador. Nota que o tripulante mais velho está deitado de costas e ainda com as mãos na água. Achega-se a ele e toca-lhe o pescoço. Busca o outro amigo.
- O que foi? O quê?
- Puxa, pensei que...
- Pensou o que, cara?
- Que você também tinha... tinha morrido.
- Morrido? Quer dizer que o?
- Pois é.
Entreolham-se com medo de si mesmos. Viram o cadáver para deixá-lo de abdômen voltado para cima e agarram as peixeiras, ainda com eles apesar da tragédia que dizimou a dezenas de trabalhadores marítimos. Disputam a vez no par ou ímpar.
Meses à deriva. Três sobreviventes a bordo. O sol bate na pele nos tripulantes como uma navalha afiada que arranca dos poros muito mais do que eles podem ofertar. Os homens se encaram, entre certos do fim e dispostos a qualquer desapego para a manutenção da vida. O estoque de comida se esvaiu e o de água está sendo distribuído aos goles: três para cada um por dia.
Trocam os olhares fundos à medida que o bote sobe e desce, como desde o naufrágio, mas lhes parece um movimento mais intenso do que os outros por conta das energias em queda. O corpo dos homens nem de longe se assemelha ao comum porte atlético dos pescadores. Não têm mais uma estrutura de músculos e tecidos que revestem os esqueletos, mas esqueletos camuflados por peles flácidas e enrugadas.
- Eu não aguento mais! – o único negro da tripulação meio chora e meio sorri de angústia, arreganha o olhar ao nada como quem dá indiferença a si mesmo.
- Calma. Tudo vai dar certo... Eles vão achar a gente. Um moreno de aspecto enfermo assevera. Solta um riso amarelo aos dois amigos, mas não transmite qualquer confiança.
- Deixa de falar merda seu imbecil! A gente vai morrer aqui, droga... droga... droga! – o mais velho grita apoiado à lateral da embarcação de emergência. Bate as mãos na água de um jeito desesperado.
Silêncio. A pausa de comunicação dura um tempo indefinido. O homem negro acorda de um sonho bem real, perturbador. Nota que o tripulante mais velho está deitado de costas e ainda com as mãos na água. Achega-se a ele e toca-lhe o pescoço. Busca o outro amigo.
- O que foi? O quê?
- Puxa, pensei que...
- Pensou o que, cara?
- Que você também tinha... tinha morrido.
- Morrido? Quer dizer que o?
- Pois é.
Entreolham-se com medo de si mesmos. Viram o cadáver para deixá-lo de abdômen voltado para cima e agarram as peixeiras, ainda com eles apesar da tragédia que dizimou a dezenas de trabalhadores marítimos. Disputam a vez no par ou ímpar.