O escritor fica feliz por terminar o seu livro. Passou anos elaborando as personagens, cenários, cenas, reviravoltas e o desfecho. Mas o protagonista lhe representa uma enorme alegria, pois ele deriva de um Alter ego. Um descendente direto da parte negra de si mesmo.
 
Como forma de recuperar as energias e espairecer a mente, despede-se da mulher e sai de carro sem um rumo definido. No retorno do longo passeio pelas praias e shoppings da cidade, é abordado no primeiro sinal.
 
Embora entre a semiescuridão da rua, o homem alto de braços largos e tatuados se apresenta de modo violento. Acerta uma coronhada na cabeça do escritor que perde os sentidos. Desperta amarrado e sentado numa cadeira. Meio sonolento e desnorteado aborda o local onde se encontra. Um velho galpão cheio de ganchos, serras e instrumentos cirúrgicos sobre mesas cadeiras e dependurados no telhado, todos manchados de sangue.

Tenta se desamarrar por muitos esforços até despencar ao chão. Bate as solas dos pés no assento da cadeira que lhe impede os movimentos até desmembrá-lo para se locomover com menos dificuldade. Arrasta-se pelo chão de barro nu que exala um aroma de vísceras em decomposição.

 
Chega a um cômodo de onde sai um barulho como de ossos sendo decepados. Com cautela, espicha a cabeça e mira a cena: O mesmo homem que o abordou se serve do cadáver de uma senhora. Vê a separação dos braços, pernas, dedos e, como num auge grotesco, a cabeça. O sangue é esguichado no avental branco do esquartejador.

Pior do que o choque inicial é a certeza dos próximos acontecimentos, por isso, segue à lateral mais próxima do recinto onde se desenvolve a cena dos destroços humanos. No trajeto, pensa no espetáculo de terror que ele próprio criou. O escritor se arrasta com o objetivo de tentar desfazer a conclusão de seu mais novo romance.

Com alguma dificuldade ele se ergue apoiando as costas numa parede que sustém o gancho (há algum tempo) definido por ele como o seu meio de livramento. Após conseguir ficar de pé ele rasga as cordas no gancho e parte aos galões de gasolina que avistou, desde quando recobrou os sentidos. Joga o líquido inflamável por todos os lados e acende o próprio isqueiro que sempre carrega a tiracolo para fumar. Larga-o com um gozo demoníaco nos olhos.

 
John Grafia
Enviado por John Grafia em 12/05/2018
Reeditado em 13/05/2018
Código do texto: T6334457
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