A ESCOLHA IMPOSSÍVEL
Atenção, o presente conto é uma republicação. Decidi relocá-lo para a seção Terror pelas características da narrativa, envolta numa atmosfera angustiante e com um desfecho violento. Enfim, espero que os leitores desta seção apreciem mais este trabalho. Nota do autor.
Como de costume, Marta acordara naquela segunda-feira às 5h30, preparara o café da manhã do marido e dos filhos e mais uma vez, travara uma verdadeira batalha para tirar os dois adolescentes da cama.
Agora passava das 9h, a esmerada dona de casa estava às voltas com uma pilha de roupas para passar. Quando ressurgiu na acanhada sala de estar, tendo em mãos o ferro de passar, tomou um grande susto.
Sentado em uma de suas amarfanhadas poltronas azuis, um homem de estatura gigantesca, tez alva e usando um terno preto, bem ajustado, fitava-a com serenidade, quando falou-lhe com uma voz, que de tão natural, pareceu a ela estranhamente familiar:
— Olá, Marta, como estão seus filhos?
— Quem é o senhor? Como entrou aqui? Meus filhos estão na escola. Em seguida, desviando-se do visitante inesperado, e por que não dizer inoportuno, a mulher com a agilidade de uma gata em fuga, vai até a porta da sala, a única que dava acesso à rua, esta continuava trancada. “Mas como esse sujeito conseguira entrar aqui, afinal?” Indagara-se de modo íntimo.
— Quantas perguntas, Marta. Gostaria de responder a todas, porém, tenho outras visitas para fazer, então vamos deixar de rodeios. Sou um mensageiro da morte, vim buscar seus filhos.
— Ei, que brincadeira é essa? — inquiriu a dona de casa aflita. O homem não se perturbou:
— Pois é, todos pensam que é brincadeira. Vejamos o caso do seu tio Eduardo, Marta, nunca acreditou que pudesse ter um infarto jogando futebol, no entanto, eu mesmo o levei semana passada.
— Mas isso é absurdo e...
— Absurdo, mas verdadeiro. O negócio é o seguinte, acredite ou não, fui enviado pela Morte para buscar seus filhos, entretanto, você é uma mulher generosa e caridosa para com o próximo, Marta. Como recompensa, a Morte vai poupar um de seus filhos. Qual dos dois você quer que eu leve, ou melhor, quem você quer que fique? Faça sua escolha. Tem três dias para pensar; passe bem e até logo!
— Ei, volte aqui! Tarde demais, pois da mesma forma súbita como entrara, o desconhecido agora havia sumido.
Brincadeira ou não, a verdade é que Marta ficara impressionada com as palavras e com o magnetismo que os olhos daquele homem irradiavam.
Os gêmeos univitelinos Gustavo e Leonardo eram toda a alegria daquela mãe amorosa; os jovens contavam apenas dezesseis anos, no auge da beleza, e ambos desejavam ser médicos. “De repente aparece alguém que diz que a morte vai levar um dos meus filhos e me pede para escolher, ora, essa é uma escolha impossível para uma mãe”.
Durante o jantar, enquanto os rapazes divertiam-se contando os fatos ocorridos na escola, e o marido comia feito um leão, Marta permanecia calada, sem prestar atenção no que o resto da família fazia.
— O que aconteceu, mãe? — Inquiriu o gêmeo Gustavo.
— Nada filho, a mãe tá um pouco cansada; é só isso.
...três dias depois...
— Hoje é sexta-feira — Marta comentava com o marido — creio que os meninos não precisam ir à escola, Xavier.
— Mas vejam só! Você nunca permite que eles faltem. _ redarguiu o sujeito baixinho e rechonchudo, admirado _ Além disso, eles já se levantaram, olhe.
Sim, surpreendentemente Gustavo e Leonardo não precisaram ser arrancados da cama naquela manhã, os dois estavam de pé.
Ante a surpresa dos pais, foi Leonardo quem se justificou:
— Temos prova de matemática logo na primeira aula, não podemos nos atrasar. Assim, após um rápido desjejum, todos se foram, deixando a pobre dona de casa com o coração apreensivo.
Quando Marta retornou à cozinha para lavar a louça do café, lá estava ele, o homem que se dizia mensageiro da morte estava de pé parado perto do fogão. O coração da mulher acelerou.
— Seu prazo se esgotou Marta. Quem eu devo levar, Gustavo ou Leonardo?
— Se isso for mesmo verdade — alarmou-se a senhora chorosa — leve a mim ou o meu marido, mas deixe meus filhos em paz.
— Nem você nem o Xavier podem tomar o lugar deles, todos têm a sua hora e já estamos fazendo uma concessão aqui.
Marta encarou os olhos penetrantes do arauto e falou com humildade e firmeza:
— Por favor, entenda senhor, essa é uma escolha que uma mãe não pode fazer. Peça-me qualquer coisa, menos isso.
— Certamente, eu compreendo, Marta. Faremos o que tem de ser feito. Nesse instante uma luz intensa feriu os olhos da mulher, e quando segundos depois voltou a ver bem, o homem se fora.
Marta percebia agora que na pressa de sair, Gustavo esquecera o celular em cima da mesa de refeições. Pegou o aparelho e levou-o para o quarto dos adolescentes; abriu uma gaveta da escrivaninha de estudos e retirou um álbum de fotografias. Lá estavam fotos e mais fotos dos gêmeos, sempre juntos, sempre sorrindo.
Marta folheava as fotografias e de modo que ela mesma não saberia explicar, sentia uma grande saudade nascendo em seu peito.
Ouve-se o som da campainha. O policial à porta exibia um semblante preocupado, depois de alguns instantes de hesitação perguntou:
— A senhora é Maria Marta Clemente?
— Sim, aconteceu alguma coisa? O guarda gaguejou e informou:
— É senhora, fique calma. Seus filhos sofreram um acidente enquanto esperavam no ponto de ônibus. A desventurada mulher emudecera e o policial prosseguiu:
— Foi há poucos minutos, segundo testemunhas que também estavam no ponto, o motorista perdeu os freios do caminhão, invadiu a calçada e...
— E meus filhos? — Marta conseguiu gritar.
— Sinto muito, senhora! Um de seus filhos foi um herói; ao sentir que ambos seriam atropelados, teve o reflexo de arremessar o irmão para o lado e com isso recebeu todo o impacto. Antes de perder completamente os sentidos, Marta escuta a voz grave do arauto da morte ressonar em sua cabeça como um trovão, “Gustavo fez a escolha, Marta, deu a sua vida física pelo irmão”.