São os Loucos Anos 20
Parte VI
Parte VI
Uma transformação paulatina, mas profunda tomou conta de Nina nos dias que se seguiram a grande festa de noivado. Não demonstrou qualquer interesse pelos comentários das colunas sociais que avaliaram até a exaustão cada detalhe daquela noite espetacular.
A cada dia, ela parecia mais distante. Passava horas sentada a beira da janela de seu quarto olhando para o vazio lá fora. Havia abandonado Ulisses sem sequer finalizar a leitura e quando foi questionada pelo irmão sobre o livro que tinha causado tanta comoção se limitou a dar de ombros com um sorriso débil.
Sentia-se como se estivesse presa em um sonho do qual não conseguia acordar. Tudo aquilo que sempre lhe interessou de repente perdeu a graça. Não era fácil notar, porém, com a proximidade do anoitecer, seus olhos se enchiam de ansiedade e algo que parecia medo.
Aos poucos, durante os serões na mansão, sempre tão animados por sua presença contagiante, quando ela não perdia a oportunidade para manifestar sua opinião sobre diversos assuntos em acalorados debates com os convidados, foi se tornando silenciosa e melancólica.
Não demorou para que deixasse de se alimentar devidamente e para que profundas olheiras surgissem em volta de seus olhos se destacando sob sua pele branca.
Nina não mencionou a ninguém sobre suas noites de insonia quando se deitava na confortável cama somente para passar as horas olhando para o teto, pressentindo que algo se aproximava, algo que ela temia e ao mesmo tempo desejava, algo que ela sabia que não poderia evitar e que, a cada noite, parecia estar mais perto.
Durante o dia questionava sua lucidez, sem se permitir falar sobre aquilo, não suportaria que um médico qualquer diagnosticasse aquilo tudo como um simples episódio de histeria feminina, mal que era comumente atribuído a todas as mulheres que não se encaixavam no padrão de normalidade estabelecido pela sociedade.
Durante a noite, quando deitada em sua cama sentia que estava sendo observada, a certeza de que seu destino estava traçado a dominava.
Começou a acreditar e a esperar que o que quer que fosse em algum momento chegaria até ela e dominaria tudo, então passou a desejar que esse momento chegasse logo e colocasse um fim àquela tortura.
Numa daquelas noites, quando a escuridão que dominava seu quarto era atravessada por um único facho de luar que entrava por sua janela e ela já havia se acostumado com aquela presença que habitava a sombra à sua volta ousou perguntar:
“Quem é você? O que é você? Porque está aqui? Porque não me deixa em paz?”.
Naquele momento sentiu os pelos da nuca arrepiados e da penumbra uma voz que ela parecia conhecer desde sempre respondeu:
“Você sabe quem sou eu. Estou aqui por que isso é o que você sempre quis”.
Desde aquela noite o medo começou a dar lugar à ansiedade e aos poucos, aqueles olhos cinza que a seguiam desde a manhã no Parque Ângela começaram a se materializar e na penumbra ela podia ver a boca fina e muito vermelha, a pele tão branca e sem marcas, os olhos que brilhavam.
Sua voz era suave e parecia uma melodia. Sua beleza era luminosa e inacreditável, quase indescritível.
Agora, Nina passava a noite sendo observada e também observando até que, pouco antes do amanhecer, adormecia e quando acordava já não podia vê-lo apesar da certeza de que ele ainda estava lá, como se tivesse se tornado uma parte dela.
Não demorou muito para que, numa daquelas noites quando a presença daquele ser já tinha se tornado tão natural quanto o calor que parecia aumentar seu delírio, levantou-se da cama e foi em sua direção.
Caminhou até ele sem dizer qualquer palavra, os olhos fixos naqueles olhos profundamente cinza que pareciam conter toda a beleza e perdição do mundo, que não se desviaram dos olhos dela nem por um instante e que pareciam penetrar em cada pedaço de sua pele.
Ela estendeu as mãos até tocar aquele rosto frio como gelo, o coração disparado e todos os pelos de seu corpo arrepiados.
Fechou os olhos quando a proximidade revelou seu perfume inebriante. Sentiu os braços fortes que a envolviam com força e a levaram para perto dele.
As bocas se tocaram e Nina entrou em êxtase, já tinha sido beijada por Inácio e até por outros homens, beijos escondidos e roubados, mas nunca tinha sentido nada parecido e sequer sabia que era possível sentir-se daquela forma, então soube que estava perdida.
Na manhã seguinte, acordou cedo e cheia de apetite pela primeira vez em muito tempo, sem sequer notar o estranho cheiro de flores mortas que dominava o interior da mansão seguiu até a cozinha sentindo-se faminta.
Estranhou que o café da manhã ainda não estivesse posto à mesa, e quando perguntou a uma das criadas a razão daquele atraso soube que todos os alimentos da casa haviam amanhecido estragados.
“Deve ser o calor que azeda tudo, senhora!” disse a governanta tentando explicar sem muita certeza.
(continua)