NÃO SAIA DE CASA

Joel acordou assustado. Tivera um pesadelo horrendo com criaturas marinhas roubando o seu coração, tirando-lhe os sentimentos, de forma que ele se sentira vazio. Uma casca oca incapaz de ver através da matéria.

Checou seu celular para descobrir que ainda eram 02:13 da madrugada. Cedo demais, mas ele havia perdido o sono. Assim como em tantas outras noites de insônia que passava.

Ao se levantar para tomar um copo d'água, uma sensação de peso pegou sua cabeça. Era uma magnitude que o puxava para baixo, fazendo-o cambalear. Pensou que iria cair e, no momento seguinte, a sensação tinha ido embora, mas não sem antes deixar um recado em formato de voz:

"Não saia de casa, Joel" - dizia a voz de sua falecida avó, que ele conhecia tão bem.

Intrigado, por instinto olhou a janela da cozinha. Puxando a cortina para o lado, viu que estava tudo completamente preto lá fora. Não simplesmente escuro. Preto, como a tela de um computador desligada. Preto como o tecido em suas roupas.

E, de fato, parecia que havia um tecido espesso ali, que não o deixava ver a luz do luar, nem a da varanda da vizinha que sempre ficava acesa durante toda a noite.

Resolveu abrir a janela, mas o sentimento de que algo vinha em sua direção o fez fechar a mesma logo em seguida. Virou as costas e começou a pensar. "Será que estou sonhando ainda? Não, não é possível. Eu senti aquele peso na cabeça. Senti o vento de fora da janela, senti o toque dos meus pés no chão". Então, notou que segurava um copo d'água. Se lembrava de ter ido buscar um, mas não de ter efetivamente pego um.

Sem hesitar, não apenas largou o copo no chão. Não, isso seria muito corriqueiro. Joel atirou o copo com tanta força, que ao se chocar com o chão de azulejo, espatifou-se, fazendo voar cacos até seus cabelos e deixando uma rachadura na porcelana.

"É real", pensou. Então, abriu a porta da cozinha para ver o preto que se estendia do próximo passo até o infinito. Essa parte da cidade era iluminada. Nunca ficava tão escuro assim.

Nem percebeu que havia saído e, quando se deu conta, já estava longe da entrada de casa. Ouviu uma risada baixa, feminina, seguida de mais vozes, mas dessa vez não eram da sua avó.

"Pobre tolo Joel. A escuridão lhe atrai? Dê-nos um abraço eterno e abandone o azul dos olhos."

E, com essas palavras, sentiu seu corpo cair. E suas memórias, apagavam-se conforme a profundidade aumentava. Suas emoções, esvaíam-se como fumaça no ar.

Até que tocou o chão com o pé esquerdo, levemente. Estava seguro. Já podia abrir os olhos. E abriu.

E acordou, numa manhã chuvosa e fria. Quando foi ao espelho do banheiro, sabia que tinha perdido tudo. Abandonou o azul de seus olhos. Em seu lugar, havia a escuridão, as trevas e o sangue que viria a reunir.

Nos anos seguintes, Joel Fazzati foi um dos mais cruéis, vis e impiedosos serial killers da região. O sangue, ah, o sangue. Fazia suas pupilas dilatarem e seu riso abrir caminho de dentro de suas entranhas até se espalhar pelo ar.

Dizem que, antes de ele entrar pela sua porta sem ser convidado, escuta-se o gotejar de uma torneira sete vezes. Fique atento.

Luya
Enviado por Luya em 27/03/2018
Reeditado em 18/09/2019
Código do texto: T6291749
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