Nervoso, o tempo vinga presságios nos ponteiros do relógio. Ninguém se lembrou de consultar as horas. Só Onofre quando furou o ancião, cinco minutos passados da hora aprazada.
— Que fazer com o corpo?
— O patrão tá mandando reforço. Deve vir homem trazendo ferramenta para enterrar o defunto. Foi o combinado: se chegar um vaqueiro sozinho, a pé ou montado... Mesmo que não diga nada... Nem que num fale. A presença dele é o recado.
Lá adiante, os ciganos olharam para Reich estendido no chão. E seguiram. Dois velhos que antes estiveram reunidos com Reich, lentamente, se retiraram. Arribaram, sem prantear o velho gajo, descartado como uma folha seca caída ao chão.
— Missão cumprida, amanhã a boiada vai pra balança — disse Onofre.
A noite cai como uma sentença.
Má sorte de cigano. Sua identidade é apenas o rosto. Desgosto profundo ele tem. Aonde chega e se apresenta, desperta cuidado. Mas cigano tem bom coração: “Gajão, deixe eu ler seu abanadiço.” E não passa disso e uma e outra baldroca. O que mais cigano gosta é de troca. Trocar cavalos, contanto que receba dinheiro de volta. Tem que ter troco, em favor do cigano.
A noite cai como uma sentença, e novo dia se levanta, no berro do boi; no galo que canta, na galinha que cacareja e no enxadeiro que pranteia: Nesta sequidão medonha, o que se semeia, nem tudo dá. Há pouca água nos rios e nem frio faz mais como nos tempos de outrora em Minas Gerais. O pasto é pouco. A fome tem pressa de chegar. É hora de levar a boiada por um caminho sem volta.
Acertado com o patrão, começa a jornada de boi rumo ao calvário. Cavalos e cavaleiros conduzem a vítima de propiciação ao trem que levará o gado ao corredor da morte. Boi de corte paga com a carne tudo que consome.
Avante, Mimoso! Vai Pimenta-de-nico.
Fecha o bico Campeão.Jardineiro...
Carapintada...Nanico...Boi estrela....
Evem o boi olhando o pasto, a solta, o bezerreiro e a casinha de curral. Tudo fica para trás. Saudade da vaca apartada da cria. Em logo, ela entrará o cio...É assim vida de gado: vem a saudade incendeia o coração do boi. E vai o boi pela estrada da vida... Ninguém reconhece sua lida, nem quer contar sua história; conversa de boi fica no ar. Tudo que ele comeu, cai como uma sentença sobre sua cabeça: “Está pronto para o abate.”
— Ora boi Bonito. Se você quer viver mais, tem que aprender a pular.
— Pular cerca?
— Não! Pular em rodeio. Ser derrubado na cama de areia por um vaqueiro. Ficar famoso. Se apresentar em Barreto. Sair na revista e na TV...
Bonito chora. E lamenta:
— Vida boa de gato. Só come e dorme. Ronrona sem parar. Nada mais ele faz além de dormir e sonhar. Vida boa é de gato.
****
Adalberto Lima, trecho de "Estrada sem fim..."
— Que fazer com o corpo?
— O patrão tá mandando reforço. Deve vir homem trazendo ferramenta para enterrar o defunto. Foi o combinado: se chegar um vaqueiro sozinho, a pé ou montado... Mesmo que não diga nada... Nem que num fale. A presença dele é o recado.
Lá adiante, os ciganos olharam para Reich estendido no chão. E seguiram. Dois velhos que antes estiveram reunidos com Reich, lentamente, se retiraram. Arribaram, sem prantear o velho gajo, descartado como uma folha seca caída ao chão.
— Missão cumprida, amanhã a boiada vai pra balança — disse Onofre.
A noite cai como uma sentença.
Má sorte de cigano. Sua identidade é apenas o rosto. Desgosto profundo ele tem. Aonde chega e se apresenta, desperta cuidado. Mas cigano tem bom coração: “Gajão, deixe eu ler seu abanadiço.” E não passa disso e uma e outra baldroca. O que mais cigano gosta é de troca. Trocar cavalos, contanto que receba dinheiro de volta. Tem que ter troco, em favor do cigano.
A noite cai como uma sentença, e novo dia se levanta, no berro do boi; no galo que canta, na galinha que cacareja e no enxadeiro que pranteia: Nesta sequidão medonha, o que se semeia, nem tudo dá. Há pouca água nos rios e nem frio faz mais como nos tempos de outrora em Minas Gerais. O pasto é pouco. A fome tem pressa de chegar. É hora de levar a boiada por um caminho sem volta.
Acertado com o patrão, começa a jornada de boi rumo ao calvário. Cavalos e cavaleiros conduzem a vítima de propiciação ao trem que levará o gado ao corredor da morte. Boi de corte paga com a carne tudo que consome.
Avante, Mimoso! Vai Pimenta-de-nico.
Fecha o bico Campeão.Jardineiro...
Carapintada...Nanico...Boi estrela....
Evem o boi olhando o pasto, a solta, o bezerreiro e a casinha de curral. Tudo fica para trás. Saudade da vaca apartada da cria. Em logo, ela entrará o cio...É assim vida de gado: vem a saudade incendeia o coração do boi. E vai o boi pela estrada da vida... Ninguém reconhece sua lida, nem quer contar sua história; conversa de boi fica no ar. Tudo que ele comeu, cai como uma sentença sobre sua cabeça: “Está pronto para o abate.”
— Ora boi Bonito. Se você quer viver mais, tem que aprender a pular.
— Pular cerca?
— Não! Pular em rodeio. Ser derrubado na cama de areia por um vaqueiro. Ficar famoso. Se apresentar em Barreto. Sair na revista e na TV...
Bonito chora. E lamenta:
— Vida boa de gato. Só come e dorme. Ronrona sem parar. Nada mais ele faz além de dormir e sonhar. Vida boa é de gato.
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Adalberto Lima, trecho de "Estrada sem fim..."