Dançando com o Diabo
As cortinas se abrem para o ato final, as luzes se apagam e apenas um clarão ilumina o fundo do palco do teatro, por onde entra a bailarina. Surge majestosa para sua interpretação visceral de cisne negro. O som acompanha o ritmo de seus pés, seu corpo se move com extrema graça e delicadeza, até que a música fica mais fúnebre e violenta, és o exato momento que ela arranca o vestido branco que usava e por baixo, da vida a um vestido idêntico, mas de cor vermelho tomate, como em uma espécie de metamorfose. O que antes era o doce bailar, agora dava lugar a fúria e violência de passos fortes, mas tão irresistíveis quanto os primeiros. Seu olhar poderoso, era inferior em beleza apenas a sua pele, que parecia um ébano iluminado pela luz da lua. Terminou a perfeita apresentação com seguidos giros e por fim vitoriosa. A plateia foi ao delírios e os aplausos duraram minutos.
Retirar a maquiagem pesada,era a pior parte das apresentações, mas isso não preocupava-a tanto, era delicioso fazer o que se ama. Pegou a bolsa preta da Cavalera, colocou um casaco em tom pastel e foi para casa. Estava cansada e era um dos dias ao qual não queria ver ninguém, apenas ficar sozinha em sua plena existência. Entrou no metrô vazio das Onze horas, nada mais perfeito do que o silêncio. Cerca de Vinte minutos depois estava em casa. Pegou o elevador sozinha, tudo parecia em equilíbrio, nenhum ser humano para atrapalhar sua vida anti social. Chegou na porta do apartamento número Trinta, enfiou as chaves na fechadura, que parecia está com dificuldade para abrir dessa vez. Tentou com um pouco mais de força, até que deixou as chaves caírem, com o susto que levou de seu vizinho tocando em seu ombro.
-quer ajuda, pra abrir a porta? –ele perguntou com um sorriso malicioso como quem implora por sexo gratuito.
-não obrigada. –ela respondeu secamente.
-bom se precisar de QUALQUER coisa me grita. –disse enquanto saía de perto dela.
-Eu não vou precisar. – ela respondeu sem nem mesmo olhar pra ele.
Finalmente conseguiu abrir a porta, entrou, fechou, tirou o casaco e foi em direção a cozinha beber água. Raiva sempre lhe dava sede. Pegou um copo, enchei de água da torneira e deu um pequeno gole, virou-se pra sala e o copo caiu no chão, derramando água no carpete de cor champanhe. Seus olhos se dilataram, deu dois passos pra trás, o coração disparou. Havia um homem, completamente estranho há cerca de três metros dela, a luz que saiu da janela iluminava apenas seus braços, mas era possível ver o branco dos grandes olhos a observá-la.
-quem é você? –ela perguntou tentando mostrar força.
O homem deu um passo pra frente.
- o que quer em minha casa? -ela perguntou novamente.
Ele não respondeu e deu mais um passo pra frente, levantou uma das mãos, era possível ver um pequeno controle remoto na sua mão direita. Os olhos dela seguem cada movimento que o corpo dele faz. O enter do controle é apertado e começa à tocar Lacrimosa de Mozart. O som é extremamente alto, mas ela consegue ouvir as únicas palavras ditas por ele, como se fossem trazidas pelo vento direto aos ouvidos dela.
-Vamos dançar?- ele convida-a.
As palavras entraram como um convite da morte para conhecer o Tártaro. Seu coração acelerou, os pelos de seus braços arrepiaram, como se tivesse sido eletrocutada. Deu o último passo para trás, até que esbarrou na pia. Ele andou em sua direção, vestia camisa e calça branca, cabelo metodicamente alinhados. Chegou a um metro de distância e então estendeu a mão para que ela lhe acompanhasse na Dança. Foram dois segundos fundamentais, aos quais com uma mão ela tocou a dele e com a outra jogou a jarra de vidro em sua cabeça. Tentou correr, mas ele segurou sua perna e imediatamente ela caiu.
-socorro... –ela gritou inutilmente.
O homem tirou um punhal totalmente dourado do bolso, com algumas inscritas em latim. O desespero dela agora era triplo, realmente a intenção dele era ceifar sua vida, se levantou e tentou correr mais uma vez. Ele a puxou pelo braço e desferiu o primeiro golpe em sua barriga. Ela abriu os lábios, dilatou novamente os olhos e deixou as lágrimas caírem. O golpe não foi fatal, não tinha a intenção de ser. Ele à abraçou e por segundos bailou com ela ao som da música. O sangue caía do punhal em pequenas gotas no tapete da sala. Ela observava o objeto na mão direita dele, seu sangue, seu tapete, sua casa e sua vida. Abraçou ele com a mesma intensidade a qual era abraçada, levou a boca até seu ouvido e disse:
-vamos juntos para o inferno.
Mordeu a orelha dele arrancado-a inteira. Sangue jorrou em cima do sofá e o grito de dor e raiva ecoaram mais alto que a música. Ele a jogou com força por cima da escrivaninha derrubando o abajur. Andou em direção a ela que estava no chão, puxou-a com violência pelos cabelos e arrastou até o meio da sala. Levantou novamente e recomeçou a dança mortal. Era seu grande prazer, Dançar com sua vítima minutos antes da morte. Rodopiavam juntos, ela sem força para lutar com a quantidade de sangue perdido, ele abraçando-a com força. Quando a música se encaminhava para o fim, disparou seguidas punhaladas na pobre garota, que já sem vida caía no carpete da sala.
Foram Vinte e oito minutos entre a ligação dos vizinhos até a chegada da polícia. Os policiais bateram na porta, mas ninguém respondia.
-Nós já tentamos, ninguém responde. –disse o vizinho de mais cedo.
-A música está alta demais , por isso liguei pra vocês. –disse uma senhora de aparentes Sessenta anos.
-Ok afastem! Vamos invadir.
O policial mais forte deu alguns passos para trás e se dirigiu a porta com toda a intensidade possível. A porta cedeu e eles entraram. A cena era grotesca, o corpo da jovem estava pendurado por cordas no lustre como se fosse uma boneca de porcelana completamente nua.