Os Contos do Apocalipse: a cabeça-de-ponte parte 2

A CABEÇA-DE-PONTE, parte 2
OS CONTOS DO APOCALIPSE
Miguel Carqueija


(NOTA: as aventuras da Irmã Angélica (os Contos do Apocalipse) tiveram os seguintes textos aqui publicados: "A caçadora de demônios" em 31/3/2017 e "A cabeça-de-ponte" parte 1, em 15/8/2017):

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As duas se abaixaram por trás de rochas no alto da falésia. Acompanhavam a ondulação. Não se avistavam morcelgos, que deviam ter permanecido no navio.
— Vão tentar desembarcar pelo submarino — observou Eugênia.
— Você acha que podem ser meros contrabandistas, irmã?
— Acho que não. Nunca ouvi falar que contrabandistas fizessem uso de submarinos.
— Mas não seria impossível.
— Sei disso mas não acredito. O que vem por aí é bem pior.
— Olha só, já podemos avistar o periscópio.
— Irmã, estão tentando algo muito audacioso...
Angélica tentou pensar depressa. Elas talvez não estivessem preparadas para encarar fosse o que fosse que vinha chegando, em todo caso lá de cima não teriam muita visão tendo em vista a distância.
— Precisamos chegar mais perto.
— Pode ser loucura, Angélica. Talvez tenhamos de fugir em nossos cavalos.
— Então eu vou e você fica. Qualquer coisa aviso pelo comunicador e você me dá cobertura, se precisar. Não estamos sozinhas, temos os nossos falcões.
Eugênia suspirou.
— Está bem. Desça a ravina, esconda-se nesse matagal o mais que puder, cuidado com cobras. E leve o seu falcão.
— Vamos primeiro dar alguma comida a eles, podem ter de lutar.
Angélica deu um afago no Sultão, a ave de Eugênia. Elas pegaram pedaços de charque de suas mochilas e deram aos falcões, que os aceitaram com entusiasmo.
— Bem, agora eu vou com Ariel. Reze para que tudo dê certo!
— Vai com Deus, Angélica. Que a Virgem te proteja!
Angélica pôs-se então a descer vagarosamente, com o falcão no ombro esquerdo, agarrando-se nos galhos dos arbustos e das trepadeiras. A descida era viável mas não fácil; havia o risco de resvalar e rolar encosta abaixo; se não se traísse com isso, de qualquer forma iria se machucar.
Então não adiantava ter pressa. Ariel, felizmente, sabia se comportar. Existia uma grande empatia entre as freiras guerreiras e suas aves. E Angélixa descia num impressionante silêncio.
Estava pouco além da metade da descida quando afinal o submarino ergueu-se, um sinal de que alguém provavelmente iria desembarcar. Eugênia por sua vez tratou de alertá-la.
— Tome muito cuidade. Vai sair alguém do submarino.
Pelo barquinho acoplado numa reentrância da proa vieram duas pessoas encapuzadas. Não dava para saber se eram homens ou mulheres ou um casal. Uma delas, porém, retornou ao barco e a outra permaneceu na praia. Esta pegou um comunicador.
Infelizmente não dava para escutar a conversa, porém Angélica recebeu subitamente uma mensagem de aviso:
— Angélica, cuidado, alguém está chegando!
Angélica se ergueu de subito e viu a figura encapuzada e armada com um facão do mato; mas Ariel atacou com vontade. A lâmina golpeou inutilmente o ar quando garras, asas e bico embateram furiosamente contra o rosto embuçado. O vulto perdeu o equilíbrio e rolou pela enconsta apesar das plantas, chamando a atenção da pessoa que desembarcara.
— Angélica, volte depressa! Você está vulnrável aí!
Ela não se fez de rogada e subiu com a maior rapidez que pôde; logo o vulto que rolara encosta abaixo foi socorrido pelo outro. Ambos começaram a esquadrinhar o matagal com suas lanternas.
— O que acha, Angélica?
— Vamos dar combate a eles. São só dois.
— E se houverem outros escondidos?
— Nossos falcões verão.
Elas ordenaram a Sultão e Ariel que dessem uma busca nas proximidades. As aves partiram silenciosamente. Subito os dois vultos lá embaixo ergueram-se no ar. Ou portavam aparelhos volantes ou tinham o dom de voar, que alguns encapetados possuíam.
— Não, eles são demônios. Tenho certeza! — exclamou Angélica.
— Então não poderemos escapar deles!
Elas se puseram em campo aberto e receberam de volta seus falcões, que as tranquilizaram: eram só aqueles dois. E eles vieram, sobrevoaram rapidamente a falésia e se lançaram sobre as duas freiras.
Angélica e Eugênia empunharam seus estiletes. Não haveria diálogo. As criaturas do mal descram com garras em riste. Não havia margem para erros: habilmente manejados os estiletes penetraram fundo, atravessando as roupas, na carne dos demônios, varando-lhes os corações. Os falcões também atacaram, visando os olhos. Os dois monstros caíram ao chão, mortalmente feridos soltando grunhidos horrorosos, e as freiras jogaram sobre eles água benta. Logo os seus corpos se desfizeram, deixando apenas uma nuvem de enxofre.
As duas se afastaram daquele cheiro desagradável.
— O que você deduz disso? Isso tem alguma lógica? — perguntou Eugênia.
— Só vejo uma explicação, irmã. Esses seres devem estar sendo desembarcados em vários pontos da costa, aos poucos. Não faria sentido trazer só um ou dois.
— Devem estar vindo às centenas.
— Sim. Nós eliminamos dois, mas não podemos deter essa invasão silenciosa. Nós demos sorte, só isso.
— Angélica... não vai ser fácil.
— Ninguém jamais disse que seria fácil, Eugênia. Não esqueça, esta é a batalha final, mesmo que leve mil anos.

(Rio de Janeiro, 8 de agosto de 2017 a 7 de janeiro de 2018)


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Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 06/03/2018
Código do texto: T6272497
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