A Carta

Nicanor Doenti estava puto da vida. Acabara de receber uma carta anônima cheia de insultos a sua pessoa. A carta não viera pelo correio. Foi colocada por debaixo de sua porta. As palavras da carta se repetiam na mente de Nicanor:

“Seu bosta! Ninguém gosta de você! Você é um doente até no nome! Não tem mulher, porque além de gordo é broxa! Não serve pra nada, seu merda! Vai roubar pra ser preso, seu imbecil!”

Assinado: você sabe quem!

Nicanor tinha uma ideia de quem podia ser o autor da tal carta. Pensou em ir à polícia, mas desistiu. Achou que seria apenas perda de tempo, porque a carta foi escrita num computador e quem a escreveu não deve ter deixado impressões digitais. Nicanor suspeitava de 3 pessoas que poderiam ter escrito a carta. Duas eram homens e uma, mulher. Dois vizinhos e um colega de trabalho. A vizinha do 901, dona Solange, e o vizinho do 701, seu Rodolfo, eram fortes candidatos, mas seu colega de trabalho, Norberto, era “hors-concours”, ou seja, era o favorito disparado. Nicanor morava no apartamento 801 de um prédio localizado na Rua Barata Ribeiro, em Copacabana. Não aguentava mais o barulho feito pelos vizinhos de cima e de baixo. Mas o colega de trabalho era insuportável. Era um pilantra. Roubou sua promoção espalhando mentiras a seu respeito para o chefe de ambos. Nicanor Doenti não era um santo, mas era um homem correto, íntegro. Se não podia falar bem de alguém, mal também não falava. Preferia ficar calado. Mas Nicanor não tinha sangue de barata e de tanto pisarem no seu calo tem uma hora que o caráter e a honradez dão lugar à vingança e à sordidez. Nicanor ficou pensando como se vingaria do provável responsável pela carta. Sabia que dois iam pagar o pato sem merecer, mas alguém tinha que pagar, sem sombra de dúvida.

Esperaria um pouco para entrar em ação, afinal de contas, a vingança é um prato que se come frio. Quanto mais gelado, melhor. Após três meses do recebimento da carta, Nicanor ia, afinal, começar sua vingança.

Era início de março de 2019. Nicanor já tinha comprado todo material que precisava para se vingar em grande estilo.

A primeira foi dona Solange. Ela amava seu gato siamês, Joujou. Nicanor não teve dó. Envenenou o pobre gato com uma substância que não é detectada em exames de laboratório, mas que provoca infarto fulminante. O gato morreu e dona Solange chorou como nunca a morte de “seu filho”.

O segundo foi seu Rodolfo. Ele tinha viajado. Mas quando chegou encontrou na sua porta uma autêntica oferenda de macumba com direito a frango (já podre!), velas pretas e vermelhas e cachaça da mais vagabunda. Seu Rodolfo era evangélico fervoroso e cardíaco. Quando viu o despacho, em sua porta, teve um infarto quase fatal. Ficou internado no hospital, vários dias, se recuperando do susto quase letal.

Mas era para Norberto que estava destinado o fecho de ouro da vingança de Nicanor Doenti. Nicanor, que fora chaveiro, colocou uma quantidade de droga (maconha) escondida no carro de Norberto, suficiente para arruinar a reputação de seu “colega” de trabalho. Um telefonema anônimo para a polícia fez o resto do serviço.

Nicanor Doenti se sentia vingado. E, para comemorar de “alma lavada”, mandou vir o melhor bolo da mais cara confeitaria de seu bairro, afinal de contas, a realização de sua vingança foi o melhor presente que Nicanor podia ganhar no dia de seu aniversário.

“Quem com ferro fere, com ferro será ferido.”

FIM

Luciano RF
Enviado por Luciano RF em 06/03/2018
Código do texto: T6272103
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