Terror na Rússia
Havia resolvido viajar para a Rússia com o intuito de ver o meu namorado russo Jullian e também conhecer algumas reservas ambientais em St. Petersburg, além de pontos turísticos. Já estava tudo pronto: desde as malas e toda a burocracia, pensava até em morar lá durante um tempo, caso realmente eu gostasse do local, e se de fato fosse tão lindo e tranquilo como Jullian falava. Planejava ficar na casa dele pela qual já havia combinado, e inclusive acabei ficando amiga da sua irmã, Nastya, na qual tinha praticamente minha idade e falava pouco inglês, apesar disso, não nos impediu de sermos boas amigas, apesar da distância.
Cheguei à Rússia munida de agasalhos para enfrentar o frio intenso de trinta graus negativos em época de início de ano, e praticamente só estava com o básico da língua russa. Parecia loucura, mas decidi ir só com meu inglês e meu russo com frases prontas, do qual me mantenho estudando com o objetivo de adquirir um melhor nível com o tempo. Cumprimentei a família dele que vieram de carro até o aeroporto e fomos para casa, demorando meia hora para chegar lá (apesar da curta distância), devido à velocidade reduzida por conta da neve, e até que finalmente chegamos. Era uma casa grande e estava com frio, mesmo ali dentro – possivelmente o aquecedor estava com defeito. A família era muito conservadora, onde os pais de Jullian e sua irmã viviam juntos. Como o Brasil estava em época de crise, não me importaria em ficar um tempo longe, já que não tenho grandes responsabilidades. Estava começando a ter sérios planos com o meu namorado russo. A casa era enorme e parecia ser antiga, em uma construção diferente e detalhes de uma casa comum, mas com enfeites diferentes ainda do natal. Eles me faziam diversas perguntas sobre minha vida, por que estava ali, se eu pretendia viver na Rússia, e até sobre possíveis filhos futuros. Eu estava me sentindo frustrada no Brasil, havia passado por um momento de perdas e coloquei em mente que iria me casar com um estrangeiro. Já estava com Jullian fazia mais de um ano, onde nos conhecemos quando ele decidiu conhecer melhor o Brasil.
Nastya era uma jornalista, assim como eu. Todos os dias eu ia trabalhar como garçonete em um restaurante, e apesar da simples função, ainda era tudo muito complicado por conta do idioma diferente que ainda estava aprendendo. As coisas não corriam bem, aos poucos me sentia fraca e doente, além de perdida, por não ter familiares próximos. Talvez pelo clima frio do país, por ser algo novo, mas qualquer coisa eu voltaria para o Brasil caso eu não me adaptasse bem. Apenas queria viver essa nova aventura. E sabia que deveria levar um tempo até eu me acostumar com a cultura russa de modo geral, pois já estava em meus planos passar um tempo na Rússia e casar com o Jullian, mas eu mal sabia o pior que estava por vir...
A casa antiga sempre me dava arrepios, com a sensação de ter mais alguém ali e estavam me preparando para o casamento. Aqueles toques de madeira deixavam a casa muito escura de noite, apesar das lâmpadas e chamas da lareira, pois tanto o chão como paredes eram feitas de um tom meio escuro que merecia uma grande reforma. Tinha alguma coisa sombria nos pais dele, onde, apesar de contarem a história da família, mesmo esquecendo algumas palavras em inglês, havia algo que eles não contavam. Até que acordei e me vi trancada e sozinha em casa, ainda me sentia fraca e doente, algo estranho estava acontecendo. Fui ao final do corredor e entrei numa pequena sala, tinha algumas caixas e alguns discos em forma de CDs. Resolvi escutá-los, parecia ser de uma suposta antiga mulher do Jullian, falando que a dopavam aos poucos e sentia que iria matá-la para depois vender seus órgãos, pois o preço era caro e o comércio negro estava crescendo na Rússia. O detalhe é que a antiga mulher também era uma estrangeira, que com certeza já deve ter morrido. Eu me desesperei, toda aquela realidade era pior do que eu pensava. Ele nunca havia falado de alguma antiga mulher, exceto de quando estávamos nos conhecendo, apenas falou que não teve nada muito sério com ninguém, e sua família queria que ele casasse.
Havia alguns papéis com nomes de algumas pessoas, duas mulheres também estrangeiras, e que possivelmente seriam as antigas namoradas dele, quer dizer, as vítimas. As janelas estavam fechadas e ouvi a porta se abrindo, voltei correndo pro quarto me dando conta através dos áudios de que o café quente que me ofereciam havia algum tipo de substância que me deixava mal e eu recusei. Nastya desconfiou e eu falei que estava sem fome, precisava agir imediatamente e fugir dali, o problema é que estava nevando tanto ultimamente que era complicado sair para passear, mas mesmo assim, insisti e ela negou, não antes de casar. Comecei a ficar aflita com esse suposto casamento. Será que tudo o que vivi com o Jullian seria uma mentira? Depois de tudo o que ouvi e li, eu não tinha dúvidas de que existia algo obscuro no meio daquilo e eu precisava escapar se eu quisesse viver. Planejava as coisas comigo mesma rapidamente. Naquele instante, meu relacionamento e tudo o que tive com ele morreu.
Saí da cama, peguei a arma do Jullian que ele levava em sua mochila, atirei nos pais e no meu futuro marido que estava me enganando todo esse tempo, mas quando fui atirar em Nastya, notei que as balas haviam acabado. Foi tudo muito rápido. Minha esperança era escapar pela parte de cima da casa, me tranquei em um quarto e rapidamente subi as escadas que davam para o sótão, e puxei a entrada do teto para cima, deslizando um enorme nevoeiro para baixo. Segui assim mesmo, subi escalando pelo teto irregular e me joguei numa árvore, sofrendo uma queda, mas sem grandes machucados, devido a camada extensa de neve no solo. Levantei e segui rapidamente em uma floresta. Olhava para trás e por sorte, não notei sinais de Nastya, que deve ter me perdido de vista, caminhei aleatoriamente até chegar a uma vila, um pouco ferida e sem agasalhos suficientes, e mal me conseguia comunicar com as pessoas por não falar russo perfeitamente. Estava desesperada por existir a possibilidade de não voltar para casa nunca mais, até que encontrei uns estrangeiros e contei minha situação, me ajudaram e me levaram até a polícia.
Dei os nomes e tentei entregar todas as informações necessárias e me confirmaram que o tráfico de órgãos era um mercado negro que estava crescendo cada vez mais, onde muitos arrumam vítimas de fora por não saberem da realidade do país. Deram-me uma passagem para voltar para o Brasil sem nada e no aeroporto vi a seguinte notícia na televisão:
''Mulher brasileira mata os pais do seu futuro marido, depois o mata em seguida e tenta matar a irmã, ela enlouqueceu. Está foragida pela polícia. ''
O medo tomou conta de mim novamente, e se me impedissem de retornar ao meu país, por ter cometido assassinato? Não sei se teria psicológico para explicar novamente tudo o que aconteceu, e conseguir provar tudo, pois não conhecia mais ninguém ali. Gelei, e poucos minutos depois, o avião chegou, e por sorte, consegui embarcar sem problemas, talvez por estar dentro da parte de espera do vôo. Como ela teria a coragem de mentir dessa forma? Só se fosse uma psicopata, e de fato, creio que era, assim como todos da casa. Sempre vivi com medo e a certeza de nunca me acharem no Brasil, por ser uma língua completamente diferente e com lembranças do qual me apavoram até hoje, mas confesso que frequentemente sofro com pesadelos e me dou conta do quanto estava sendo enganada naquela época. O Jullian até hoje me assombra.