A MORTE QUE CAIU DO CÉU - CLTS 02

“Hoje a terra foi bombardeada por meteoritos. O estranho fenômeno mobilizou toda a comunidade científica do planeta, que consideram extremamente raro que tal evento ocorra em larga escala. Na tela você acompanha registros dos meteoritos caindo em diversas partes do mundo. Todos os impactos foram confirmados como ocorridos praticamente ao mesmo tempo, entre 13 e 13h05, horário de Brasília, e os que já foram coletados até agora estão sendo analisados. O que se sabe, outro fato intrigante, é que todos eles têm exatamente o mesmo formato e tamanho”.

– Então é isso! O mundo vai acabar? Agora é pra valer? O que acha, Lívia? –Ironizou Samuel, trocando de canal. As notícias bombardeavam em todos os noticiários.

– O mundo não vai acabar, não! Você viu a matéria desde o início? Os meteoritos são do tamanho de laranjas e a maioria não atingiu ninguém. Caíram no mar e em lugares isolados e inabitados. – Observou Lívia. Fazia a janta enquanto tomava uma taça de vinho tinto. Preparava macarrão à carbonara. Eximia cozinheira que era, adorava esses momentos, em que podia demonstrar seus dotes culinários.

Samuel deixara a sala para estar com ela, sentado à cadeira da bancada. Esperavam amigos para jantar, ela serviu-lhe vinho. Marcaram as 18h e já eram 19h30, mas não fizeram muito caso com o atraso devido ao caos que acometera a cidade e claro o país, em face dos últimos acontecimentos. Só no país foram 19 meteoritos adentrando a atmosfera e um foi ali perto, 70 quilômetros a leste, num parque florestal.

– Devemos ligar pra ver o que aconteceu? – Perguntou Lívia. Despejava o macarrão em uma travessa, salpicando em seguida com o queijo parmesão. Samuel, na intenção de pegar uma das azeitonas, que Lívia acabava de dispor cuidadosamente em formato circular, teve a mão estapeada, chiando.

– Isso é para os convidados, trapaceiro! Não meta a mão!

– Nossa só uma azeitona não ia fazer diferença. Eu acho que eles devem estar parados no trânsito. Com a avenida que dá acesso ao parque bloqueada, tiveram que pegar um dos desvios, que devem estar bem congestionados.

– É, deve ser isso. Vamos esperar mais uns quinze minutos. Se não aparecerem eu ligo.

A Avenida Dr. Júlio Estevão de Barros e seus arredores converteram-se em um verdadeiro pandemônio. Muitos curiosos parados nas estradas foram ver, tocar o meteorito. Algo que fascinava e chamava a atenção de todos, pois viera do espaço e ninguém queria perder a oportunidade de no mínimo tirar uma foto.

Porém, Raquel, Emília, Paulo e Ricardo estavam apenas a alguns metros da propriedade de Samuel e Lívia. Paulo atendeu quando Lívia ligou e disse que logo chegariam.

Samuel e Lívia moravam numa região bem afastada do centro, de mata atlântica nativa e bem preservada, cercada de montanhas. Era um privilégio para poucos, mas a propriedade já estava há gerações na família de Lívia e passou para ela depois que a avó, que a criou, morreu.

– Até que enfim chegaram. Tivemos que esquentar a janta. Já estava fria! – Disse Lívia, repondo a travessa no centro da mesa, que acabara de tirar do forno.

– A, mas é macarrão à carbonara, né? Na minha casa semana passada vocês comeram pizza. Sou péssima na cozinha. A próxima que tiver lá em casa, Lívia, é você que cozinha! – Disse Raquel. Paulo a olhou de esguelha, como que a recriminando por ter dito que não sabia cozinhar. Mas Emília, que todos sabiam, sofria a falta da mesma prática, dividiu com Raquel sua parcela de vergonha por ter que revelar seu despreparo:

– Então Lívia, vai ter que cobrar e se revezar, porque terá de cozinhar pra nós duas. – Disse ela entrando com uma torta salgada comprada na padaria.

– Então, difícil chegar? – Perguntou Samuel apanhando as coisas que todos traziam. A torta de Emília. A cerveja de Ricardo e os dois refrigerantes de Raquel e Paulo, indo e vindo pacientemente.

– Tava uma loucura, cara! Descemos do carro uma hora. As pessoas se atropelavam pra chegar perto do negócio, esse meteorito. Nós paramos e fomos ver. Demos a volta, ficamos bem perto. O lugar todo era cercado por um forte esquema de segurança. Não entramos além da faixa de interdição, mas o que conseguimos ver foi impressionante. A pedra era lisa, arredondada, o formato parecia de um ovo e saia uma fumaça pestilenta. Teve uma hora que pareceu vibrar ou foi só delírio meu, sei lá, empolgação.

Descreveu Paulo relatando para o casal anfitrião sua impressão sobre o fantástico objeto.

Em pé ao lado da geladeira Paulo abriu a cerveja que Samuel ofereceu e formando a roda, conversavam sobre a queda dos meteoros e todas as suas estranhas implicações nas pessoas.

Na sala as mulheres terminavam a arrumação da mesa para o jantar.

– Eu vi no noticiário que na China um menino de 10 anos, morto ao ter contato com o meteorito, foi encontrado depois perambulando pelo vilarejo, vivo, mas nada humano, mais parecendo um bicho, com hábitos irracionais e tal. – Complementou Ricardo. Samuel fez cara de incredulidade e deu sua opinião:

– Ninguém sabe realmente o que esses meteoritos têm: esse tal de vírus, nem o que o vírus causa. Pode ser que essas pessoas nem estivessem mortas, mas em um estado de repouso. Acho difícil concluir alguma coisa agora sem que os cientistas e médicos deem um veredito.

– Eu acho que a mídia gosta de ver o circo pegar fogo, está aumentando demais, fazendo sensacionalismo. Esses relatos das pessoas agindo de forma estranha, dizem que não respondem como pessoas normais e passam a atacar os outros. Bem, pra mim tão só reagindo ao tal vírus, não acho que seja motivo para pânico. – Disse Paulo, colaborando com a discussão.

Na mesa já reunidos, jantavam. Entre piadas e comentários irônicos sobre o mesmo assunto, único da noite, todos pareciam despreocupados. Falácias do tipo, - que se morressem hoje morreriam com os amigos e felizes.

Quando bateram na porta, estocadas firmes e fortes precedidas por gritos de desespero e pavor, todos se alertaram, se olhando como se buscassem no outro uma resposta, sem saber cada um o que deveria fazer. Samuel adiantou-se em direção à porta. Todos quase que ao mesmo tempo o seguiram. Olhando pelo olho mágico ele perguntava:

– Quem está aí? O que quer? – Via uma mulher com um bebê no colo e uma menina de uns oito anos de idade ao seu lado. Aflita a mãe que arranhava a porta chorando copiosamente, respondia a Samuel dizendo que estava sendo perseguida e precisava de abrigo. Samuel sentindo não poder tomar a decisão de deixa-la entrar sozinho olhava para o grupo.

– Vamos deixa-la entrar. Parece desesperada, – opinou Paulo.

– Deixamos ela entrar, mas e se ela estiver contaminada. Esse vírus do espaço que está matando e deixando as pessoas incapazes, incontroláveis. Ninguém sabe o que pode acontecer. Não sabemos o que o que o vírus causa, como age. Acho arriscado, – alertou Raquel.

Enquanto conversavam perceberam que a gritaria e o choro cessaram após um forte baque contra a porta. Samuel olhou pelo olho mágico e não via ninguém. Mais uma vez debatiam para definir o que deveria ser feito. Se alguém sairia pra ver o que aconteceu com a tal mulher e seus filhos. Mas concluíram que ela já estava condenada e que ficariam seguros e protegidos na casa. Não foi unânime mas a maioria venceu e voltaram para a mesa. Depois do jantar jogaram cartas. Casal contra casal, um casal ficava de fora esperando decidir o ganhador da partida para participarem.

Samuel e Lívia, que ficaram de fora, assistiam televisão no sofá ao lado da mesa de jantar onde era realizada a partida de cartas e eventualmente interagiam entre os jogadores. A noite silenciara agora. Os únicos sons ouvidos eram dos sapos e grilos. Samuel, atendendo um pedido de Paulo, levantou-se para pegar cerveja, no que Ricardo aproveitou para pedir a sua.

– Mais alguém? – Perguntou Samuel. Raquel e Emília disseram que não queriam.

Ao voltar Samuel visualizou o quarto do casal, a porta estava aberta e no mesmo instante a janela partiu-se violentamente em vários pedaços. As cervejas caíram no chão e Samuel assustado correu para trancar a porta do quarto, quando sentiu a mesma ser puxada violentamente. Sem conseguir conter a brutal investida Samuel caiu e passando por cima dele uma mulher bastante suja, com um vestido preto aos trapos e o corpo muito machucado, andava em quatro patas, como um cachorro.

Paulo e Ricardo, que ao perceber o que estava acontecendo correram para ajudar, seguravam a mulher como podiam. Mas também sobrepujaram sua força, pois a mulher embaixo dos dois, que mantinham todo o peso dos seus corpos sobre ela, os empurrou de forma tão furiosa que eles foram arremessados, Paulo contra as costas do sofá, caindo no chão, e Ricardo contra uma cadeira.

Lívia correu para o telefone, chamando a polícia. Emília, contornando a casa pelo lado oposto em que a mulher estava, corria para atravessar a sala e chegar na cozinha. Mas assim que conseguiu abrir a gaveta da cozinha foi surpreendida pela mulher, que tinha velocidade e forças fora do comum. Emília era esganava com duas mãos firmes estreitando seu pescoço e rapidamente esvaindo o ar que cada vez menos podia captar. A mulher foi mais uma vez contida ao levar uma cadeirada nas costas disferida por Paulo. Ao cair sobre Emília ela gemia de dor soltando um urro esbaforido e animalesco. Emília entregue à exaustão, quase morta, empurrou-a, livrando-se do peso sobre suas pernas. Recuperando o fôlego ela sentia uma crescente raiva ao ver a mulher louca ali jogada. Caindo sobre ela Emília a esfaqueou diversas vezes pelas costas, chegando até a enfiar a lâmina afiada no seu pescoço três vezes.

Depois de todo o horror, atônitos e incrédulos eles se olhavam sem nada dizer.

Samuel, saindo lá fora, pôde constatar que o bebê e a menina de oito anos que estavam com a mulher, a mesma que perturbada tinha batido na porta algumas horas atrás, jaziam mortas embaixo de uma árvore na frente da casa. Tinham os corpos dilacerados como se uma fera selvagem os tivessem consumido. A quantidade de sangue e as partes de intestinos e outros órgãos espalhados fizeram Samuel desmaiar. Lívia que saiu atrás dele logo em seguida, ao ver a cena levou a mão à boca e vomitou ali mesmo. Dentro da casa ainda se recobravam do assustador incidente. Todos na sala falavam ao mesmo tempo tentando, cada um com sua versão dos fatos, dar uma provável causa que justificasse aquele grotesco espetáculo. Não tendo outro fator que não claro a queda dos meteoritos e os supostos vírus que eles trouxeram do espaço.

Distraídos conversando e sem esperar que algo mais fosse acontecer, nenhum deles percebeu quando a mulher esfaqueada na cozinha abraçou Emília por trás a arremessando no chão em um movimento preciso do corpo, em que girando sobre os pés e aplicando suas forças nas pernas e braços a fez cair bruscamente. A mulher devorava Emília ainda viva, arrancando grandes nacos de carne de seu pescoço, costas e ombros. Em pouco tempo Emília estava morta e as investidas contra ela com cadeiras, pauladas e objetos arremessados não surtiam efeito algum.

Quando a polícia finalmente chegou, se depararam com a carnificina das crianças mortas. Dois policias armados saíram do carro. Um fez sinal para o outro que contorna-se a casa pelo lado de fora. Esse policial foi surpreendido por trás tendo o pescoço rasgado por algo muito afiado e caindo morto quase que instantaneamente.

O policial que entrou se deparou com os corpos dos quatro mortos. Emília devorada viva. Paulo, com a mesma faca que Emília perfurara aquela mulher diversas vezes, enfiada bem no meio de sua testa e Raquel e Ricardo também aparentemente devorados. Raquel jazia caída sobre o sofá. O policial a encarava repulsivamente. Um olho aberto e uma cavidade vazia e ensanguentada no lugar do outro olho. Ricardo no chão da sala com um buraco na barriga, morrera numa careta horripilante de sofrimento e terror.

O policial, depois de vasculhar cuidadosamente toda a casa, sem nada encontrar, voltava para o carro quando foi surpreendido por Lívia. Disparou várias vezes contra ela. Mas os tiros pareciam atingir um corpo seco e morto e não surtiam efeito. Lívia devorava o pobre policial, que mesmo esvaziando sua arma nela não foi capaz de se defender e caia morto enquanto ela abraçada ao cadáver investia contra ele arrancando suas roupas, alimentando-se da carne de seu tórax.

Depois que o reforço policial chegou, alertados por não terem obtido resposta no rádio da viatura, foram seguidos pela polícia civil que isolou o local e coletou todas as provas e impressões digitais e uma ambulância do corpo de bombeiros.

As buscas aos policiais começaram imediatamente, assim como por todos os desaparecidos.

Mas a noite sangrenta ainda se espalharia por aquela cidadezinha e alcançaria o mundo. Na floresta como um exército faminto, os três casais, a mulher e os dois policiais seguiam caminho. Pararam em frente à uma criatura gigantesca e bizarra. Descrever em palavras poderia desqualificar os detalhes mais pitorescos daquele ser. Uma criatura constituída de um exoesqueleto de cor avermelhada. Era bípede mas tinha os joelhos ou articulações virados para trás ao invés de para frente e suas unhas eram afiadas e grossas como chifres ou dentes. Tinha longos e negros cabelos nas laterais dos braços e pernas e nas costas, entre sua espinha dorsal. À semelhança de um inseto gigante mas seu tamanho descomunal e seu rosto tão incomum, lembrando pelas presas o do javali, davam a dimensão do quão difícil era descrever aquele espécime tão particular.

Atrás da criatura colossal uma fenda dantesca rompera o solo, soltando um líquido viscoso amarelo, que era espargido para fora como lavas de um vulcão. Do visco flamejante pequenos animais invertebrados deslizavam rapidamente. Seus ventres gelatinosos , lembrando a consistência de uma lesma, movimentavam-se energicamente e as carapaças que os cobriam se chocavam em um som irritante, quando seu corpo se contraia. Os animais brotavam da gosma efervescente e pareciam multiplicar como mágica.

Notável era o poder que a besta bufante e fétida tinha sobre aqueles que vinham lhe prestar culto. Samuel, Lívia, Roberto, Paula, Raquel, Emília, a mulher de vestido preto, os dois policiais. Cada um deixava na sua frente um sacrifício. Corações humanos aos pés do monstro. Os amigos que agora nem se reconheciam um ao outro, começavam a revelar características parecidas com a criatura na frente deles. Unhas como garras rígidas, os cabelos espessos e os dentes de predadores vorazes definiam-se agora como partes deles.

Os seres alienígenas, comparativamente semelhantes a lesmas cobertas de uma armadura de queratina, tal qual o exoesqueleto de uma lagosta, subiam nos corpos dos nove metendo-se no primeiro orifício que encontrassem. Na cavidade vazia de Raquel, de onde já pendera um olho, uma das lesmas enfiou-se fazendo aquele som flácido em contato com a pele ressecada e morta. Caídos no chão, imóveis, encapsulados numa espécie de pele translúcida eles jaziam.

Em breve renovadas criaturas superiores se tornariam e até que não restasse um único ser humano na terra ainda nesta condição primitiva eles continuariam espalhando sua semente.

Finalmente depois de todas as chances desperdiçadas pela raça inferior, eles interferiam espalhando no mundo a semente de sua genética duradoura e transformadora. O mundo precisava do caos para que uma nova ordem fosse restabelecida.

TEMA: FANFIC

Uma homenagem bem evidente à todos os fãs da obra de H.P. Lovecraft. Criador do terror cósmico e que inspirou muitos escritores do gênero de terror.