FAREI O QUE QUISER CONTIGO!
Era um menino na casa dos seus 10 anos. Japonês, cabelos negros e lisos.
- Posso tirar uma foto sua? – Perguntou batendo na minha porta às 10hs da manhã. Fazia frio. Uma névoa cobria praticamente todo o bairro residencial de casas ordenadas, quintais limpos e jardins vistosos com margaridas e petúnias, dentre outras dezenas de espécies.
- Por que você quer uma foto minha?
- Sou novo na região, quero fotografar os vizinhos. Vou fazer um álbum de recordação.
Fiquei encabulado. Não gosto de fotos. O garoto era educado. Eu, cansado, saindo de um divórcio e sem vontade de refaz a vida, queria apenas me embriagar e ser esquecido. Felizmente para o garoto, depois daquele período obscuro, bateu-me à porta em um dos meus melhores dias. Ainda não havia bebido e fora a primeira vez que tomara um café da manhã decente. Creio que minha crise estava chegando ao fim...
- Escute, meu amigo. – Disse-lhe gentilmente. – Tudo bem se deixar para outro dia? Não me sinto dono de mim mesmo hoje. Meu astral não está legal e...
- CLICK!
- Você bateu minha foto!
Olhou para mim com um jeito estranho. Seus olhos, ficaram todo negros, piscou, ficaram completamente brancos. Gelei. Depois, voltaram ao jeito normal e saiu correndo pela calçada.
- Você não tinha o direito! Não lhe dei permissão! – Gritei irritado assim que recuperei do susto por aquela visão. Seria alucinação, fruto de minhas bebedeiras? Bati a porta assim que saíra e fui para o sofá ver TV e me encher de auto comiseração.
Sei que, simplesmente, apaguei.
Tive um sonho dos mais estranhos. Entrei em uma loja procurando algo que não sabia o que seria. Era uma reveladora de fotos, algo que não mais existe praticamente. Havia fotos por todo o lado de pessoas tristes e felizes. A balconista estava de costas com um boné e jaleco amarelos. Chamei-a:
- Olá! Pode me ajudar?
Quando ela se voltou, dei alguns passos para trás. Ela, também japonesa, não tinha olhos e suas órbitas estavam ocas. Acabei derrubando o que estava na prateleira. Voltei para pegar as coisas que haviam caído no chão e deparei-me com a minha foto aos montes. Pequei em uma e ela produzia novas fotos minhas jorrando umas das outras. A balconista sumira. Larguei a minha foto e, mesmo no chão, ela ia se reproduzindo aos montes. Era noite. Corri para a rua. Vi que as fotos continuavam aumentando dentro da loja e criaram um volume enorme. Subiam pelas vitrines e ameaçavam rompê-la. E romperam. Virou um tipo de avalanche de fotos. Começaram a sair para a rua e, erguendo-se em forma de onda, correram atrás de mim. Corria feito um louco. O asfalto da rua ficou pegajoso. Movia-me com dificuldade. Na rua central de nossa pequena cidade, repleta de lojas de lado a lado, vi diante de cada uma o menino japonês tirando minhas fotos com flash enquanto a onda se erguia. Ficou enorme e, em um repente, me abateu como se esmagasse um inseto fazendo aquele barulho típico... Splash!
Acordei caindo do sofá. Já era dia!
Passei o dia todo azedo. Bebi várias cervejas. Minha casa estava um lixo. Sentei diante da TV. Esquentei, na hora do almoço um macarrão congelado. Não sei quanto tempo ainda aguentaria naquela vida, mas fui levando. Depois do almoço ainda peguei no sono e acordei já altas horas com a TV mostrando um programa chato sobre o deserto de algum país da América do Sul.
Fui para a janela da sala e, pela janela, vi o menino japonês, vestindo uniforme de colegial, com a sua câmera pendurada no pescoço. Ele estava diante da minha casa olhando para o gramado mal cuidado. Levantou a cabeça. Mostrei-lhe o dedo. Seus olhos piscaram e ficaram completamente brancos. Assustei-me e fechei a cortina semitransparente. Notei que ele começou a caminhar em direção à janela que era enorme, do chão ao teto. Afastei-me batendo-me contra a TV. Ele parou bem diante do vidro, em seguida, bateu uma foto e era como se o flash fosse pura luz do dia.
Pisquei meus olhos e, quando abri, estava dentro daquela loja com a qual sonhara. Nitidamente não era um sonho. A vendedora estava lá, toda de amarelo, cabelo comprido olhando para baixo e melhor que ficasse assim. Olhei para todos os lados. A loja vazia, somente com aqueles álbuns, câmeras, filmes e fotos espalhados. Fui andando em direção à porta da rua. Nisso, a vendedora levantou sua cabeça. Lá estavam eles, seus olhos com órbitas vazias. Apontou-me o dedo e, da sua boca, saiu uma forma estranha de barulho, como se seu grito fosse ao mesmo tempo um sopro agudo. Tal foi a força que, mesmo tampando os ouvidos, aquilo ainda me irritava até a alma. Consegui abrir a porta e sair, mas seu grito permanecia. Corri pela rua cheia de lojas. De modo que não sabia explicar, as lojas eram todas iguais à de fotografia. Dentro, a mesma guria me apontando e gritando. Corri rua abaixo e, quando cheguei à esquina, no cruzamento com outra via comercial, um grande caminhão vinha em minha direção tendo o garoto ao volante. Corri feito um maluco. Minhas roupas começaram a incendiar. Fui tirando a camisa, depois as calças e gritava em disparada pela via até, sem forças e com aquele barulho infernal na cabeça, cair em desmaio.
Acordei em um hospital.
O cheiro de formol era intenso.
Estava todo atado à cama. Meu coração ainda disparava. Minha boca amordaçada por algum tipo de máscara hospitalar. Debati-me para que me percebessem. Uma enfermeira, também japonesa, veio e, colocando a mão no meu peito dizia:
- Acalme-se. Você está no Hospital Geral. Vamos cuidar de tudo. Está bem?
Fiz claros sinais de que a mordaça me incomodava, bem como estar preso. Ela, entendendo, me disse:
- Você está assim pela sua própria segurança. Vou chamar o médico para conversar com o Senhor? Fique calmo. Tudo bem?
Sem alternativa, acenei positivamente a cabeça. Ouvi-a, no entanto, do corredor conversar com alguém:
- O paciente que foi encontrado correndo nu despertou.
Como assim? Encontrado nu? Não fora um pesadelo? Nisso, vi que a porta do quarto batera. Tremendo, pois senti um frio de morte, ouvi passos leves se aproximando. Havia uma figura ao meu lado na cama. Mal podendo me mover, notei aqueles cabelos negros e olhos puxados, completamente brancos, enquanto o menino me sorria dizendo:
- Enquanto tiver sua foto, farei contigo o que quiser...
Gostou do texto?
Veja mais em nossos livros de Contos Fantásticos:
O Senhor do Medo!
O Morto Está... Vivo!
A Mulher de Atenas!
O
Era um menino na casa dos seus 10 anos. Japonês, cabelos negros e lisos.
- Posso tirar uma foto sua? – Perguntou batendo na minha porta às 10hs da manhã. Fazia frio. Uma névoa cobria praticamente todo o bairro residencial de casas ordenadas, quintais limpos e jardins vistosos com margaridas e petúnias, dentre outras dezenas de espécies.
- Por que você quer uma foto minha?
- Sou novo na região, quero fotografar os vizinhos. Vou fazer um álbum de recordação.
Fiquei encabulado. Não gosto de fotos. O garoto era educado. Eu, cansado, saindo de um divórcio e sem vontade de refaz a vida, queria apenas me embriagar e ser esquecido. Felizmente para o garoto, depois daquele período obscuro, bateu-me à porta em um dos meus melhores dias. Ainda não havia bebido e fora a primeira vez que tomara um café da manhã decente. Creio que minha crise estava chegando ao fim...
- Escute, meu amigo. – Disse-lhe gentilmente. – Tudo bem se deixar para outro dia? Não me sinto dono de mim mesmo hoje. Meu astral não está legal e...
- CLICK!
- Você bateu minha foto!
Olhou para mim com um jeito estranho. Seus olhos, ficaram todo negros, piscou, ficaram completamente brancos. Gelei. Depois, voltaram ao jeito normal e saiu correndo pela calçada.
- Você não tinha o direito! Não lhe dei permissão! – Gritei irritado assim que recuperei do susto por aquela visão. Seria alucinação, fruto de minhas bebedeiras? Bati a porta assim que saíra e fui para o sofá ver TV e me encher de auto comiseração.
Sei que, simplesmente, apaguei.
Tive um sonho dos mais estranhos. Entrei em uma loja procurando algo que não sabia o que seria. Era uma reveladora de fotos, algo que não mais existe praticamente. Havia fotos por todo o lado de pessoas tristes e felizes. A balconista estava de costas com um boné e jaleco amarelos. Chamei-a:
- Olá! Pode me ajudar?
Quando ela se voltou, dei alguns passos para trás. Ela, também japonesa, não tinha olhos e suas órbitas estavam ocas. Acabei derrubando o que estava na prateleira. Voltei para pegar as coisas que haviam caído no chão e deparei-me com a minha foto aos montes. Pequei em uma e ela produzia novas fotos minhas jorrando umas das outras. A balconista sumira. Larguei a minha foto e, mesmo no chão, ela ia se reproduzindo aos montes. Era noite. Corri para a rua. Vi que as fotos continuavam aumentando dentro da loja e criaram um volume enorme. Subiam pelas vitrines e ameaçavam rompê-la. E romperam. Virou um tipo de avalanche de fotos. Começaram a sair para a rua e, erguendo-se em forma de onda, correram atrás de mim. Corria feito um louco. O asfalto da rua ficou pegajoso. Movia-me com dificuldade. Na rua central de nossa pequena cidade, repleta de lojas de lado a lado, vi diante de cada uma o menino japonês tirando minhas fotos com flash enquanto a onda se erguia. Ficou enorme e, em um repente, me abateu como se esmagasse um inseto fazendo aquele barulho típico... Splash!
Acordei caindo do sofá. Já era dia!
Passei o dia todo azedo. Bebi várias cervejas. Minha casa estava um lixo. Sentei diante da TV. Esquentei, na hora do almoço um macarrão congelado. Não sei quanto tempo ainda aguentaria naquela vida, mas fui levando. Depois do almoço ainda peguei no sono e acordei já altas horas com a TV mostrando um programa chato sobre o deserto de algum país da América do Sul.
Fui para a janela da sala e, pela janela, vi o menino japonês, vestindo uniforme de colegial, com a sua câmera pendurada no pescoço. Ele estava diante da minha casa olhando para o gramado mal cuidado. Levantou a cabeça. Mostrei-lhe o dedo. Seus olhos piscaram e ficaram completamente brancos. Assustei-me e fechei a cortina semitransparente. Notei que ele começou a caminhar em direção à janela que era enorme, do chão ao teto. Afastei-me batendo-me contra a TV. Ele parou bem diante do vidro, em seguida, bateu uma foto e era como se o flash fosse pura luz do dia.
Pisquei meus olhos e, quando abri, estava dentro daquela loja com a qual sonhara. Nitidamente não era um sonho. A vendedora estava lá, toda de amarelo, cabelo comprido olhando para baixo e melhor que ficasse assim. Olhei para todos os lados. A loja vazia, somente com aqueles álbuns, câmeras, filmes e fotos espalhados. Fui andando em direção à porta da rua. Nisso, a vendedora levantou sua cabeça. Lá estavam eles, seus olhos com órbitas vazias. Apontou-me o dedo e, da sua boca, saiu uma forma estranha de barulho, como se seu grito fosse ao mesmo tempo um sopro agudo. Tal foi a força que, mesmo tampando os ouvidos, aquilo ainda me irritava até a alma. Consegui abrir a porta e sair, mas seu grito permanecia. Corri pela rua cheia de lojas. De modo que não sabia explicar, as lojas eram todas iguais à de fotografia. Dentro, a mesma guria me apontando e gritando. Corri rua abaixo e, quando cheguei à esquina, no cruzamento com outra via comercial, um grande caminhão vinha em minha direção tendo o garoto ao volante. Corri feito um maluco. Minhas roupas começaram a incendiar. Fui tirando a camisa, depois as calças e gritava em disparada pela via até, sem forças e com aquele barulho infernal na cabeça, cair em desmaio.
Acordei em um hospital.
O cheiro de formol era intenso.
Estava todo atado à cama. Meu coração ainda disparava. Minha boca amordaçada por algum tipo de máscara hospitalar. Debati-me para que me percebessem. Uma enfermeira, também japonesa, veio e, colocando a mão no meu peito dizia:
- Acalme-se. Você está no Hospital Geral. Vamos cuidar de tudo. Está bem?
Fiz claros sinais de que a mordaça me incomodava, bem como estar preso. Ela, entendendo, me disse:
- Você está assim pela sua própria segurança. Vou chamar o médico para conversar com o Senhor? Fique calmo. Tudo bem?
Sem alternativa, acenei positivamente a cabeça. Ouvi-a, no entanto, do corredor conversar com alguém:
- O paciente que foi encontrado correndo nu despertou.
Como assim? Encontrado nu? Não fora um pesadelo? Nisso, vi que a porta do quarto batera. Tremendo, pois senti um frio de morte, ouvi passos leves se aproximando. Havia uma figura ao meu lado na cama. Mal podendo me mover, notei aqueles cabelos negros e olhos puxados, completamente brancos, enquanto o menino me sorria dizendo:
- Enquanto tiver sua foto, farei contigo o que quiser...
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A Mulher de Atenas!
O