A CABEÇA DO MACACO - CLTS 02

A CABEÇA DO MACACO

by:Johnathan King

" Essa história é livremente inspirada no conto de W. W. Jacobs, chamado A PATA DO MACACO, de 1902."

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A VISITA

Lá fora, o vento da chuva chacoalhava os galhos das árvores, enquanto os relâmpagos iluminavam o céu, formando imagens na noite.

Na sala de visitas de John Foster, o mesmo folheava o velho jornal da manhã, enquanto dá cozinha sua esposa gritava para que Herbert, o filho do casal, descesse para o jantar.

A refeição parecia estar deliciosa, a sra. Foster havia preparado um risoto de frango com batatas gratinadas, arroz com ervilhas e uvas passas e uma salada verde com tomates persas. John e o filho lamberam os beiços quando chegaram próximos da mesa.

A família deu as mãos e juntos fizeram uma oração agradecendo. Enquanto a sra. Foster estava servindo o marido e o filho, a campainha da casa tocou, fazendo com que os três trocassem olhares.

Herbert levantou-se da mesa e dirigiu-se até a porta de entrada. Ele observou pelo olho mágico antes de abrir.

John estava com a cadeira virada na direção da sala, de olhos vidrados na porta, curioso para saber quem era o visitante. Quando reconheceu seu velho amigo, o capitão aposentado Eliot Morris, de pé e um pouco molhado pela chuva, o homem deu um salto da cadeira e com um largo sorriso no rosto correu até a entrada, lhe dando um caloroso abraço.

O capitão Morris também estava contente por rever o antigo amigo, e era visível seu entusiasmo.

Margareth estava ao lado do filho, de pé no canto da sala, observando os dois amigos matando as saudades um do outro. Ela sabia que o marido tinha um melhor amigo, que não via há muito tempo, mas sempre ouvia histórias do mesmo, que John lhe contava sempre que estava embriagado. Mãe e filho falaram algo engraçado e ambos deram uma gargalhada, que não passou despercebida.

John olhou para a esposa e o filho, e depois para Morris. Ele o puxou pelo braço e fez as devidas apresentações.

Após isso, Margareth convidou o visitante para se juntar a família no jantar. Antes, ela lhe entregou uma toalha para se secar.

O homem ainda tentou protestar, mas foi interrompido por John, que recusou-se a ouvir um não como resposta por parte de seu velho amigo. Sentados novamente na mesa, dessa vez acompanhados do capitão Morris, John e sua família puderam saborear o delicioso jantar, que foi muito elogiado pelo visitante.

Já de volta a sala de visitas, Margareth serviu uma xícaras de café para o marido e outra para o seu amigo, enquanto esses colocavam o papo em dias.Escorado no sofá, Herbert mantinha os olhos ocupados na tela do celular, enquanto os dedos trabalhavam digitando frases ineterruptas.

A mãe o repreendeu pelo mal hábito, mas o filho não deu bola para o que a mesma disse, e continuou mexendo no seu aparelho.

Margareth deu as costas e voltou para a cozinha, onde uma pilha de louças sujas aguardavam por ela. Nesse momento, ao olhar para o montante de coisa, ela desejou possuir um gênio da lâmpada que pudesse lhe conceder três desejos, soltando um risada boba em seguida.

***

UM ESTRANHO RELATO

A conversa entre os dois amigos estava correndo de maneira tranquila na sala de visitas, até o ponto em que John perguntou sobre a família do capitão, e observou a mudança de expressão no rosto do outro.

O capitão disse que tinha motivos para evitar tocar no assunto, que isso lhe trazia lembranças tristes do passado. John aconselhou o amigo a conversar com alguém, abrir o coração e que isso lhe traria alívio. Morris disse ao amigo que se lhe contasse sua história, com toda certeza seria taxado de louco.

O homem ergueu a sobrancelha em sinal de curiosidade, e se ajeitou na cadeira, esperando que o outro começasse a contar alguma história fantástica. John sabia que o amigo sempre tinha ótimas histórias para contar. Morris por outro lado, estava indeciso se deveria mesmo falar alguma coisa para seu amigo de infância.

Então, o capitão perguntou a John se o mesmo acreditava em uma lâmpada mágica que realizava desejos, dando início ao assunto. John não compreendeu a pergunta e ficou com o semblante pensativo.

Morris começou relatando que o fato em si aconteceu há cinco anos atrás, durante uma viagem que fez com sua falecida esposa pela África. Na ocasião, eles acabaram conhecendo um velho feiticeiro de uma tribo local, o capitão deu uma pausa, bebeu um pouco mais de café, para em seguida continuar com o seu relato.

Morris ia contando sua história, enquanto o seu amigo ouvia a tudo com bastante atenção e curiosidade. O capitão então falou que o tal homem presenteou a esposa e ele com uma espécie de talismã em forma de cabeça de macaco mumificada. Ele disse que o tal objeto podia realizar três desejos de quem o possuísse. A esposa do capitão, claro, ficou interessada no objeto encantado.

John estava ouvindo o relato com fascínio, cada frase dita enchia o outro de entusiasmo. Há essa altura, até Herbert havia deixado o celular de lado, e se inclinado no sofá, afim de ouvir também a história.

Margaret estava parada na porta, também atenta a tudo o que o capitão falava.

O capitão disse que a esposa e ele pegaram a cabeça do macaco e levaram junto com eles, não sem antes serem severamente advertidos das consequências de se ficar com o objetivo macabro, e principalmente, do que aconteceria caso fizessem algum pedido a cabeça. Mas que cada homem era livre para seguir seus próprios caminhos e desejos de seu coração.

O capitão ficou quieto, colocou as mãos no rosto. Parecia que estava revivendo todo o acontecido. Ele pegou sua mochila e retirou um pacote de dentro. A coisa estava embrulhada em um pano, e quando Morris a revelou, John e sua família levaram um susto. A cabeça do macaco estava enrolada no pano, era pequena e cabia na palma das mãos.

Herbert, levantando-se de onde estava e indo na direção do objeto pousado nas mãos do capitão, perguntou se a tal cabeça de macaco realmente era capaz de realizar desejos e quantos. O homem respondeu que o talismã podia realizar três desejos de quem o possuísse.

John pegou a cabeça das mãos do amigo e ficou encarando-à. No lugar onde antes existiam dois olhos, o vazio parecia ter sido preenchido por algo sobrenatural. O homem não sabia explicar, mas parecia que aquela cabeça o atraia de alguma maneira. John fez a temida pergunta, ele queria saber quanto o amigo queria no artesanato místico.

Morris mudou de expressão, seu rosto ficou pálido e seus olhos arregalados. Ele não estava acreditando na proposta feita pelo amigo. O capitão disse que não iria vender o objeto, que o mesmo era maligno e que iria destruí-lo.

John agarrou a cabeça firmemente, como quem segura um tesouro caro, evitando que Morris recuperasse o objeto cadavérico. O homem parecia outra pessoa, seu amigo de infância não o reconhecia mais.

***

A CABEÇA DO MACACO

O vento gelado da manhã batia nas folhas secas das árvores, as derrubando no chão, formando um tapete marrom. O capitão já estava de pé, próximo da janela da sala de visitas da família Foster. Ele olhava para a rua vazia, que estava encoberta por uma densa névoa branca.

A solidão do momento durou breve, não demorou muito e os Foster estavam descendo as escadas para o café da manhã. Morris se virou na direção deles, os encarando. Após saber que o velho amigo não estava disposto a desfazer-se da macabra cabeça, o capitão ficou quieto e encerrou o assunto.

A sala de visitas voltou a ser mergulhada outra vez no silêncio.

Depois do café, Morris se despediu do amigo e da família dele, e foi embora. John se sentou no sofá e pegou a cabeça do macaco, e ficou olhando atentamente para ela. O filho estava um pouco distante e perguntou se o pai iria fazer algum pedido para o talismã. O homem mostrou-se indeciso, e a esposa aconselhou o mesmo a pedir a cabeça que os fizesse ricos.

O filho concordou com o pedido da mãe, e saiu deixando o pai sozinho com a cabeça.

***

O PEDIDO

John estava deitado com a esposa, e o assunto da cabeça do macaco foi tocado. Ela queria saber se o marido acreditava mesmo na história que seu amigo contou sobre o objeto ser capaz de realizar três desejo, e se ele iria fazer algum. O homem ficou quieto. Ela então exigiu que o mesmo fizesse um pedido, para atestar a veracidade da história.

John olhava para a esposa. Ele também encarava a cabeça que segurava nas mãos. Então ele desejou, levantando o objeto para o alto.

Nesse momento, logo após o pedido ter sido feito, algo bizarro aconteceu. A energia da casa oscilou e as lâmpadas começaram a piscar, como num filme de terror. Uma ventania formou-se do nada e envolveu cada cômodo do lugar, fazendo as portas e janelas da propriedade baterem de maneira frenética. A cabeça que John segurava nas mãos começou a emitir um brilho estranho e a tremer compulsivamente, e ele a rebolou para longe.

Margareth deu um grito e jogou-se na cama, agarrando o marido e enfiando o rosto no peito dele, evitando olhar para o terror que o quarto do casal havia se transformando. Num instante depois, tudo voltou ao normal. As portas e janelas deixaram de bater, o vento parou e as lâmpadas não piscavam mais.

Herbert correu até o quarto dos pais e encontrou sua mãe aos prantos, sendo consolada por seu pai. A cabeça do macaco estava jogada no chão, próxima da porta.

***

GANHOS E PERDAS

Duas semanas depois de ter feito o pedido, nada havia acontecido. John estava lendo seu jornal, como fazia todas as manhãs. A esposa encontrava-se na cozinha preparando o almoço e o filho havia ido para a escola.

Algo na última página do jornal despertou a atenção do homem, e John esboçou no rosto um largo sorriso de felicidade. Ele levantou-se da cadeira e pulando feito um desesperado, gritava que eles estavam ricos. A mulher não compreendia o que o marido estava querendo dizer.

Quando o mesmo disse que eles haviam ganhado na loteria, a princípio ela não acreditou. Então, John lhe entregou o jornal.

Margareth olhava o jornal incrédula, mal podia acreditar que o marido realmente falava a verdade, eles tinham ganhando uma fortuna. Eles estavam tão felizes que nem lembravam da cabeça do macaco, que havia sido ela a grande responsável por tudo.

A mulher estava radiante de felicidade e queria compartilhar sua alegria com o filho, mas o mesmo encontrava-se na escola naquele momento. Então, a notícia teria que esperar um pouco mais.

Mal deu tempo de se acostumar com a nova realidade e a campainha da casa tocou. Margareth ficou eufórica, ela achava que podia ser alguém do Banco, que veio trazer as boas novas para ela e a família.

Quando ela abriu a porta, uma sensação ruim tomou conta dela. Não era ninguém do Banco que veio lhe informar de dinheiro algum, era o vice - diretor da escola do filho deles. Ele estava lá para dar uma notícia para os Foster. Sua expressão era séria e preocupada.

O homem entrou e encontrou John ainda tomado pela euforia da novidade de ter ganho na loteria. Ele sentou-se ao lado do homem, o cumprimentou e Margareth lhe ofereceu uma xícara de café, que foi gentilmente recusada. O homem estava sério e não sabia como começar aquela conversa com o casal.

Então, ele resolveu ir direto ao ponto e acabar logo com aquilo, e informou ao casal que o filho deles estava morto. Herbert Foster havia morrido em um acidente de trânsito, envolvendo o ônibus escolar e um caminhão. Tudo havia acontecido muito rápido e a morte teria sido instantânea.

A notícia da perda do filho pegou o casal de surpresa e eles não podiam acreditar na veracidade da história. Margareth jogou o corpo no sofá, sua pressão estava abalada e ela chorava de forma histórica, sendo consolada pelo marido, que também encontrava-se em choque pela infeliz notícia. John desabou ao lado da esposa, logo depois, também vencido pela dor.

***

OS ÚLTIMOS DOIS DESEJOS

Já havia se passado uma semana desde a morte de Herbert, e seus pais não tinham se recuperado ainda. Principalmente sua mãe, que todos os dias ia ao cemitério levar flores para o filho e passava horas no local, muitas vezes até o entardecer.

Uma noite no quarto do casal, Margareth estava em pé do lado da janela, olhando para a rua vazia e silenciosa. Ela estava chorando baixo, quase sussurrando. Foi nesse momento que a mulher virou-se para onde o marido estava e lembrou-se da figura macabra da cabeça do macaco, que eles haviam esquecido.

Ela lembrou-se que eles ainda tinham dois desejos a serem realizados. Então, nessa hora a mulher exigiu de maneira louca que o marido pedisse para que a cabeça trouxesse o filho deles de volta a vida.

John não acreditava no que sua esposa estava lhe pedindo. A mulher berrava histericamente. O marido estava assustado, ele olhava para a esposa e não a reconhecia mais. Margareth estava alucinada. Ela exigia que o marido fizesse logo o pedido para a cabeça do macaco.

John saiu do quarto e desceu a escada para buscar o objeto apressadamente. Ele começou a vasculhar todos os cantos da sala, até que encontrou a cabeça do macaco pousado no alto da estante. Ele pegou a coisa e subiu novamente a escada, tropeçando tamanho era o seu nervosismo. Quando entrou no quarto, sua esposa estava sentada na cama, fazendo movimentos repetitivos com as mãos.

O marido ainda tentou argumentar com a esposa, em vão. Margareth estava irredutível em sua decisão de trazer o filho do mundo dos mortos para o mundo dos vivos outra vez.

O homem pegou a cabeça do macaco e olhou fixamente para ela. Depois fechou os olhos e fez o segundo pedido.

Como da outra vez, quando fez o primeiro pedido, a energia da casa oscilou novamente, só que dessa vez a luz do lugar se apagou. Um vento gelado sobrava do lado de fora para dentro, fazendo um som assustador. As portas e janelas começaram a bater violentamente como da vez anterior. A cabeça do macaco brilhou e tremeu, sendo lançada para longe.

Feito o pedido, tudo ficou em silêncio. John e a esposa sentaram-se na beirada da cama, na expectativa de que algo acontecesse, mas não aconteceu.

Cerca de meia hora depois, o portão da casa abriu e John e a esposa puderam ouvir perfeitamente bem o som do ferro rangendo. Eles se entreolharam e sentiram sensações diferentes. Ele sentiu medo, enquanto a esposa estava cheia de alegria com a possibilidade de rever outra vez o filho. Lá em baixo, alguém batia na porta. O som das batidas era tão nítido, que subia as escadas e atravessava a porta do quarto. Margareth correu para abrir a porta, mas foi impedida pelo marido, que agarrando a esposa pelos ombros com força, tentava persuadi-la para a loucura que haviam feito.

Margareth apenas protestava, debatendo-se , na vão tentativa de se soltar. Ela alegava que o filho estava do lado de fora, e que queria entrar, enquanto John afirmava que aquilo lá fora não era mais o filho deles.

As palavras de John pegaram Margareth em cheio, como se tivesse sido atingida por um soco. Ela sentou-se na cama e começou a chorar, percebendo a loucura que havia feito. As batidas na porta continuavam, mas ninguém dizia absolutamente nada. Somente o som das batidas ecoava casa a dentro.

Nesse instante, a mulher lembrou-se de algo importante, que lhe encheu de medo. E compartilhou seu temor com o marido, que ficou igualmente assustado. Na entrada da casa, embaixo do tapete, ela sempre deixava uma chave extra para que o filho pudesse entrar quando chegava tarde da rua.

John saiu do quarto e correu pelo corredor escuro, auxiliado apenas pela luz de uma lanterna. Quando chegou no alto da escada ele parou. Já era tarde. Aquela coisa havia encontrado a chave embaixo do tapete e estava abrindo a porta. John desceu a escada feito um louco, esbarrando nos degraus e rolando até embaixo.

Quando a maçaneta da porta girou, John chegou com uma cadeira e escorou a entrada. Mas ele sabia que aquele artifício não iria deter o invasor. Era preciso tomar uma decisão definitiva. Ele se lembrou da cabeça do macaco e de que ainda tinha um último desejo para ser realizado. John subiu novamente até o quarto, trancou a porta e começou a procurar pela cabeça. Ele ouviu quando a cadeira foi removida da porta, e quando passos pesados subiam a escada, indo em direção ao quarto deles.

Ele voltou a procurar pela cabeça do macaco, enquanto a esposa ouvia pela porta o som dos passos se aproximando mais e mais deles. Quando a coisa já estava há poucos metros do quarto deles, John encontrou a cabeça e fez o último pedido.

Nesse momento, as luzes da casa voltaram e os passos pesados que viam arrastando-se pelo corredor deixaram de avançar. John e Margareth esperaram um pouco até abrirem a porta do quarto, passarem pelo corredor e descerem a escada. Na sala de visitas, a porta da rua estava aberta, e do lado de fora da casa apenas a luz de um poste distante iluminava a estrada vazia.

FIM

TEMAS: Família, Lembranças e Fanfic ( texto homenageado, A PATA DO MACACO, de W. W. Jacobs.)

Johnathan King
Enviado por Johnathan King em 15/02/2018
Reeditado em 21/02/2018
Código do texto: T6254821
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