A casa da velha.

A casa da velha.

Eu lembro muito bem, como se fosse este dia em que escrevo estas palavras. Eu tinha onze anos e havia acabado de ganhar uma bicicleta do meu pai. Meu pai era um homem alto, e ganhava a vida como marceneiro. Eu adorava dar voltas pelo quarteirão de ruas de terra e ficava fazendo manobras. Mesmo agora adulto, ainda lembro do cheiro e da poeira. Aquela liberdade era o que eu tinha, e mais sinto falta.

Muitas casas quase sem ninguém, todo muito trabalhava exceto, adolescentes e crianças, mas eu quase não os via ja que eles preferiam descer o morro.

Toda vez que eu passava pela casa trincada da esquina, uma velha saía com a cabeça na janela e com um olhar fixo, eram olhos velhos e cinzas, acho que ela fazia isso por causa do barulho que minha bicicleta emitia. A questão é que a casa era muito velha e fedia de longe eu nunca teria coragem de ir lá perto, mas vez ou outra eu via algumas crianças que ia até a porta jogavam pedras e saiam correndo gritando: bruxa! sua bruxa!. Ela saía capengando, sem chinelos e com um vestido, florido e rasgado que ia ate chão, não gritava nem dizia palavrões, ela apenas pegava as pedras do chão do quintal limpo e jogava no cantinho onde haviam plantas verdes.

Naquela época eu me perguntava como uma velha tão velha como aquela pode morar sozinha, ainda mais numa casa tão velha, com rachaduras na parede.

Um dos garotos malvados morava na rua de baixo, e certo dia havia tomando minha bola de futebol, e quando reclamei ele me derrubou no chão e riu como um gordo idiota. Um dia depois meu pai foi na casa dele, pegou minha bola e certificou de o pai dele o educaria melhor.

Eu continuei minha vida solitária, fazer amigos não era meu forte, tinha alguns na escola, mas eles moravam em outros bairros e estávamos de férias.

Um dia, a policia subiu o morro, indo de casa em casa, depois que três crianças desapareceram.

Eu era a unica criança que acompanhaou a batida policial.

Quando escrevo estas palavras, um arrepio me percorre o corpo, aquilo tudo está vindo á tona na minha cabeça. Eu até fui interrogado por vários policiais, meu pai principalmente. O pai do garoto brigão, o gordo chamado João, dissera a policia que eu havia emprestado minha bola de futebol e que o meu havia brigado com o seu filho por isso. Eles chegaram a revirar nossa casa em busca de algo que pudesse incriminar meu pai por tal desaparecimento, mas não acharam nada e no dia do desaparecimento, meu pai havia trabalhado para um dos policiais, instalando um guarda coisas, já eu estava em casa brincando.

Contei a policia que a ultima vez que eu os vi, foi jogando pedra na casa da velha da rua de cima, a casa trincada da esquina. os policiais ate me questionaram e disseram que não havia ninguém naquela casa, era uma casa abandonada á anos. Eu afirmei que sim, e que ela era bisbilhoteira, que quando eu passava de bicicleta ela olhava pela janela com olhar de condenação.

Hoje escrevo estas palavras, mas não sei se na época foi assim que falei, lembro que sentia medo de ser preso mesmo sem ser culpado, caramba eu tinha apenas onze anos, como conseguiria sumir com crianças de doze e treze e quatorze.

Meu pai pedia aos policiais calma e que eu era um menino bom. mas eles insistiam em me perguntar tudo. Depois de eu repetir várias vezes que eles jogavam pedra na casa de velha, eles decidiram averiguar. Quando chegaram perto ficaram aterrorizados pelo mal cheiro, e pela estrutura decadente da casa. Uma velha saiu na porta com um sorrisinho no rosto e perguntou aos policiais se eles também vieram chama-la de bruxa, eles disseram que não e perguntaram se ela viu três crianças. o policial disse que se tratava de uma menina, Linara de treze anos, cabelos loiros, um Menino de Doze moreno e gordinho chamado Joao, e Elton de quatorze, de boné vermelho. Ela disse que não vira nada, e que eles passavam vez ou outra na porta dela, gritando casa da bruxa, casa da bruxa.

Ela disse ao policial Marcus, que havia acabado de passar um café , e saiu para pegar, voltando em menos de dez segundos com um bule na mão e algumas xícaras sujas. Aquele café fedia, foi uma das coisas que saiu depois no noticiários. Marcus disse que não teve coragem de aceitar e já ia saindo daquela casa velha, sem nem ao menos entrar, quando viu no chão um pouco dentro da sala, á uns dois metros da porta, o que parecia um boné vermelho.

Pediu licença para a velha e entrou, ela foi relutante ao deixa-lo entrar dizendo que a casa estava suja e tinha vergonha, o sorriso desapareceu um pouco e o ar ficou bem mais pesado. Marcus pegou o boné no chão e questionou-a de quem era aquele boné. Ela disse que um menino havia deixado cair no seu quintal e ela havia pegado, disse também que uma velha que mora sozinha tem tempo para cuidar das coisas dos outros, então as guarda. Marcus disse a ela que não fazia sentido ela guardar deixando caído no chão da sua sala. Marcus chamou seus dois parceiros, Mateus e Roni, para ajudar a verificar dentro da casa, a medida que passavam pelos comôdos o cheiro ficava ainda pior. foram ate o quarto onde a cama de casal estava bagunçada e tinha manchas de fezes, havia um cortinado rasgado com pássaros mortos pendurados. O Ruan era novo e logo vomitou, Roni fazia o sinal da cruz e falava meu Deus! Marcus apenas tentava manter a calma. No banheiro a privada estava seca, e havia teias de aranhas por toda parte. A velha estava na cozinha preparando um chá com matos do quintal, e disse que os serviria, já que eles não quiseram café. Depois do banheiro Marcus deu de cara com o que se chama despensa no interior, é um lugar onde guardam mantimentos ou ferramentas, chamam também de quartinho. A porta tinha uma trinca com um cadeado. Marcus disse a Mateus para pegar a chave com a velha. A velha disse á ele que não tinha a chave e que seu marido quando foi embora havia levado á uns quatro anos. Enquanto Mateus tentava descobrir se a velha falava a verdade enquanto mexia uma panela cheia de mato e água no fogo, Roni foi até a viatura e pegou um pé de cabra.

Roni me viu no quintal da casa com minha bicicleta e me mandou embora, pois não havia nada para ver ali.

Ainda consigo lembrar de como seu rosto estava perturbado naquele dia. Mateus voltou até Marcus e logo depois Roni chegou com o pé de cabra. Marcus apenas o tirou da mão de Roni e forcou o cadeado, mas o que rompeu mesmo foi o trinco com partes de madeira da porta. Marcus foi o primeiro a entrar, e o primeiro a vomitar naquele comodo, o que vira era extremamente horripilante. A despensa tinha aproximadamente quatros metros quadrados, uma partilheira perto da porta logo ao lado uma mezinha e era tudo escuro, Marcus usou a lanterna e viu em cima na cadeira ao lado da mesinha um esqueleto humano, por isso vomitou, eu espiava de fora e pude ouvi-lo dizer com um grito: "meu Deus o que é isso!. ele iluminou a janela que estava com tabuas pregadas e aos gritos pediu para Mateus que arrancasse as tabuas. Ele arrancou aquelas tábuas e abriu a janela. a luz entrou naquele espaço e tudo ficou muito claro. o esqueleto sentado a mesa era verdadeiramente humano e o que viram pendurado na parede era bizarro. na parede em ganchos de ferros haviam três adolescentes pendurados de cabeça para baixo, com os olhos arrancados e pescoços cortados, que encheram bandejas que estavam embaixo de suas cabeças. Os olhos estavam em cima da mesa em um prato de porcelana. Marcus não podia crer que aquela velha teria feito aquilo e como teria feito, era uma velha capengando. Marcus começou a tirar fotos e disse para Mateus e Roni prende-la.

Quando os dois chegaram a cozinha ela estava com uma espingarda calibre doze apontando para eles e dizendo que repetidas vezes, ele disse que eu merecia beber o sangue deles que o papai também,

ele disse! ele disse!. Mateus só tremia, mas Roni mantinha a calma e dizia: quem disse?, a senhora não precisa atirar. Neste momento eu fiquei abaixado atrás da viatura, e vi quando Marcus pulou a janela com o revolver na mão, e vi também na cozinha quando ela disparou e arrancou parte da cabeça de Mateus. em seguida Marcus correu com o barulho do tiro e atirou três vezes na velha, que caiu morta.

eu sai dali em panico, e fui para casa tão rápido que nem me lembro.

Os jornais da cidade e do estado noticiaram que uma velha de setenta e sete anos guardava o corpo do marido dentro da despensa há anos e havia matado três adolescentes depois de seduzi-los com doces cheios de tranquilizantes de cavalo.

Marcus e Roni nunca intenderam nem conseguiram explicar como uma velha de setenta e sete anos conseguiu pendurar aqueles adolescentes em ganchos, e como não viram a doze que ela usou na casa. Depois de anos também me faço esta pergunta.

Me lembro que uma semana depois fui viajar com meu pai e iriamos sair as cinco da manhã, eu lembro de ver um homem de cavalo descer pela rua, depressa a galopadas e nas suas costas havia um cortinado rasgado com o que parecia pássaros mortos.

Tiago Saartu
Enviado por Tiago Saartu em 12/02/2018
Reeditado em 04/04/2020
Código do texto: T6251973
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