11:11h

Olhei as horas, e eram exatamente 11:11h da manhã. O dia estava nublado e eu havia acordado tarde, por isso me espantei com a passagem do tempo assim tão rápida. Fui preparar o almoço, os tomates estavam maduros demais, não seriam mais salada, seriam molho. Uma garoa fina embaçava os vidros da janela, e quando fui fechá-la uma borboleta marrom entrou e pousou bem em cima de uma foto minha e do meu namorado. Ele chegaria em alguns minutos para almoçar, já havia avisado que hoje comeria em casa. Senti um calafrio e fiquei por alguns segundos atônito, até ouvir o telefone tocar e me acordar dos meus pensamentos. Acho que mais uma vez era a ex-namorada de Davi que nada disse depois de ver que fui eu que atendi o telefone. Mesmo depois de dois anos que ele se assumiu gay e se permitiu ser feliz comigo, ela ainda o persegue. Por muitas vezes ela passou dos limites seriamente. Quando ela começou a falar eu desliguei o telefone na cara dela e voltei a sovar a massa do macarrão que eu estava fazendo, transferindo toda minha raiva pra ele. Quando já estava montando os pratos, Davi chegou e me viu cheio de sangue, correndo para me socorrer. Mas foi apenas um descuido meu com o molho de tomate que deu esse susto nele. Eu ri demais.

Eram 12:12h, quando ouvi alguém chamando meu nome, mas não havia ninguém, morávamos em um sítio. Davi disse que não ouviu nada, mas eu posso jurar que ouvi nitidamente alguém chamar Michel umas três vezes seguidas. Desencanei e fui cortar os limões para colocar no chá gelado e acabei me cortando, pois ouvi de novo alguém me chamar. Uma gota de sangue caiu no chão, mas fiz um curativo e servi o almoço. Eu devia estar cansado, afinal estava mesmo de licença médica devido a uma crise de ansiedade nos últimos dias. Depois Davi me contou que Eva ligou para ele pela manhã antes de me ligar, querendo marcar pela milésima vez um jantar para pedir perdão, eu fiquei muito perturbado com isso. Eu nunca perdoaria tudo o que ela fez para nos separar. Não eram ciúmes, era um mau pressentimento, meu coração palpitava de uma forma diferente e uma angústia me atravessava a garganta como uma faca. E eu nunca iria esquecer o dia em que ela apontou uma arma na minha cara e ameaçou me matar, dizendo que venderia a alma ao diabo para me tirar do caminho dela e ter o Davi de volta.

Nesse mesmo dia, nada demais aconteceu. Ainda era quarta-feira e Davi me encheu o saco para aceitar ir jantar na casa de Eva no sábado; por fim, aceitei. Acordei às 3h da manhã e perdi o sono. Fui ler um livro na sala para curtir a insônia, a luz estava acesa, mas eu lembro de tê-la apagado antes de deitar. Deve ter sido o Davi, pensei comigo. A borboleta marrom ainda estava pousada em nosso porta retrato desde manhã. Resolvi tirá-la de lá, porque estava me incomodando. Depois de uns minutos lendo, resolvi tentar dormir novamente. Quando apaguei as luzes a borboleta voou desesperadamente sem rumo pela sala, eu pude sentir o arfar de suas asas. Via somente as horas fluorescentes do relógio na parede; eram 04:04h. Acendi a luz novamente e a borboleta enfim sossegou, pousando novamente sobre nossa fotografia. Pensei em matar aquele inseto, mas nunca mataria nem uma formiga. Quando acordei já eram novamente 11:11h da manhã de quinta-feira. Então, me dei conta de que eu estava a todo momento vendo as horas iguais, sempre iguais. Lembrei de que meu pai sempre rezava um Pai-nosso e uma Ave-Maria às 6h da tarde todos os dias, pois segundo ele, era a hora que as almas saíam do mundo espiritual para penar pelo mundo real. Ele dizia também que à meia-noite todo o mal se fortalecia e que quando uma pessoa acordava às 3 horas da manhã em ponto, isso era um aviso do universo para uma conexão espiritual. Mas ele nunca havia me falado se as horas iguais possuíam algum significado. Depois do almoço eu pesquisaria.

Quando chego na cozinha, a bendita borboleta está sobre a mancha de meu sangue seco, parecia saboreá-lo como néctar. Um calafrio tomou conta de mim e eu por instinto pisei naquele bicho, esmagando-o como quem apaga uma bimba de cigarro. Permaneci quieto por todo o dia, calado. Davi notou que eu estava estranho, tentou conversar; mas eu tive medo que ele zombasse de mim. O dia passou arrastado. No final da tarde uma tempestade caiu. Raios e relâmpagos de verão. Por fim chegou a hora de dormir, ainda chovia, e eu permanecia pensativo. Davi tentou me namorar, mas eu não consegui. Ele pediu que eu desabafasse e eu contei tudo a ele que concluiu que eu estava apenas ansioso e que eu precisava me cuidar e descansar. Depois ele adormeceu, e eu demorei muito tempo para pegar no sono. Acordei de madrugada, e meu coração disparou quando olhei no celular e vi que eram exatamente 3 horas da manhã de novo. Eu nunca fui de rezar, mas decidi por me ajoelhar na beira da cama e fazer isso. Logo começo a ouvir alguém sussurrando Michel e gelo por dentro, permaneço imóvel e de olhos fechados escutando meu nome, não aguento e dou um grito quando alguém me toca. Davi se assusta comigo e eu com ele me tocando. Não sei se fico envergonhado ou aliviado por saber que era ele. Começo a chorar como uma criança, e ele me faz um chá, o que me ajuda a dormir de novo. Ele, coitado, é que não dormiu direito preocupado comigo.

No outro dia, coloquei o celular para despertar um pouco cedo, queria evitar de acordar novamente às 11:11h. Assisti uns desenhos na TV da sala e quando cansei olhei as horas, e eram 10:10h. Já não queria mais saber se isso significava algo, pois eu poderia ficar sugestionado. Então organizei meus livros, almocei somente um macarrão instantâneo e fiz uma faxina na casa. Tentei manter a mente ocupada. E na madrugada de sexta-feira eu novamente acordei às 3h da manhã. Comecei a me acostumar com aquilo, percebi que eu estava sugestionado com as crendices do meu pai e fui tentando relevar o máximo que conseguia. Uma hora com certeza isso acabaria.

No sábado, a gente iria no jantar com Eva. Eu e Davi passamos o dia todo andando nas ruas do centro da cidade e nem vimos a hora passar. Tentamos ligar para ela para confirmar, mas só dava caixa postal. Por fim, estávamos arrumados e prontos para ir para casa da ex-namorada do meu atual namorado. Não sei se isso seria uma boa ideia, mas como sou civilizado aceitei. No caminho eu vi em um outdoor um anúncio com o preço de R$11,11. Um susto enorme tomou conta de mim quando uma buzina me fez frear bruscamente pois eu havia me distraído com aquela propaganda. O Davi me xingou de retardado para mais até chegar na casa de Eva.

Quando chegamos pedimos para o porteiro do prédio avisar sobre nós. Ele, então, nos disse secamente que ela havia morrido em um acidente de carro na quarta-feira de manhã. Eu vi tudo escurecer... e desmaiei.

Quando acordei eu estava andando sobre nuvens e tudo era tão distante e tão surreal. Agora eu não sabia se era ela que havia me ligado na quarta-feira, mas no fundo eu sentia que era. Ela tentou se comunicar comigo mesmo depois de morta, por todos aqueles sinais. A borboleta. As vozes. As horas. Ela estava tentando me pedir perdão. Olhei no relógio, eram meia-noite. Eu te perdoo, Eva, disse em voz alta. Quando chegamos em casa, uma outra borboleta marrom estava pousada sobre nossa foto. Percebi que não era o meu perdão que ela queria...

Rodrigo Amoreira
Enviado por Rodrigo Amoreira em 03/02/2018
Código do texto: T6244431
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