A faca que corta...!
Ticintina era cândida na sua admissão: frequentara a escola por tão pouco tempo na Onça - e o estabelecimento Professor Zico Barbosa está lá até hoje - que não se animava com leituras e muito menos com as escrituras. A exceção que fazia, e com um esforço enorme era para assinar seu nome, norma obrigatória da Fábrica de Tecidos, onde trabalhou por mais de quatro decênios, para assinar seu nome por completo. E até que tinha uma letra bonitinha, harmoniosa e apertadinha, para caber tudo no recibo:
Vicentina Justiniana de Miranda. E, nos advertia ainda que tinha ojeriza toda vez que grafava o Justiniana, de tão feio que lhe parecia.
As tentativas de lhe abrandar o espírito em relação ao nome, que além de santificado, provir de justiça, e ter nomeado até um poderoso imperador romano, quiçá até lhe chegavam ao entendimento, mas não lhe removiam aquele sentimento. E pra nós, a sobrinhada, além da parentela e das amizades, Cintina era o que bastava.
De cabeça, no entanto, Cintina guardava muita lembrança de sua meninice e nô-la relatava com uma aparente fidelidade estonteante. Quando lhe acontecia de repetir um relato, a nosso pedido, não alterava uma vírgula vocal sequer. E nem chegou a ter conhecimento de quem viria a ser Saramago...
Canções de ninar correspondiam a uma parte diminuta de suas recordações, em relação ao vasto arsenal de contos e causos. Mas não fosse dela, de que outra fonte poderíamos ter haurido o conhecimento de construções como ...Batata roxa, amarga que nem timbó...ou então, essa nos calava mais fundo e até calafrios produzia:...Calai meu menino, calai meu senhor, que a faca que corta dá talho sem dor...
Dios del Cielo, a que poderiam se referir aqueles versos tão cruéis? Não seriam simplesmente carícias...mas, pensando bem, eu aqui só suponho, pela ancestralidade da família nossa, do lado paterno, bem que a canção poderia ter a ver com algum ritual de circuncisão...
Glande conclusão?