Três da madrugada

Era por volta das três da "madruga", que eu resolvi voltar de um barzinho do centro da cidade.

"Putz". Éramos os únicos clientes que restaram no bar. Pude perceber os garçons já recolhendo as cadeiras e mesas na calçada. Troquei um olhar significativo com meus amigos, enquanto terminava de virar o último gole de cerveja do meu copo.

Antonio pigarreou um pouco, entendendo o meu olhar, e imitou meu gesto, virando todo o conteúdo de seu copo na garganta de uma só vez.

-Bom pessoal, já está na ora de irmos embora, né? - eu disse, esfregando meus olhos, pois minhas vistas estavam bem embaçadas.

-Sim concordo - Respondeu Thiago. - Bora!

Thiago e Antonio se levantaram. Acenei para o garçom mais próximo. Ele se aproximou. Pedi a conta.

Logo um rapaz alto e magro veio de dentro do bar com a máquina de passar cartão, e um folheto com a nossa conta.

-Divida a conta em três, por favor. - eu disse, enquanto sacava minha carteira do bolso.O jovem garçom fez o que pedi. Então, pagamos a conta depressinha e fomos embora.

-Tem certeza que não quer uma carona? - perguntou Thiago, preocupado. - Posso levar você até a porta de sua casa.

Eu neguei, prontamente. Eu já não confiava na habilidade que eu meu amigo tinha de dirigir, até quando estava sóbrio, e menos ainda quando estava bêbado.

Segui meu caminho á pé mesmo. Conforme fui me afastando do centro, percebi que as ruas estavam desertas e muito silenciosas. Não se via vivalma. O percurso de onde eu estava até a minha casa não era tão longo. Eu teria que caminhar no mínimo 15 minutos, no meu ritmo lento e oscilante ("bebasso" como estava).

Apertei um pouco os passos para encurtar a jornada, pois cansado como estava tudo que eu queria era chegar em casa, tomar um banho e me afundar por inteiro no colchão.

De repente, ouvi um ruído de pneus cantando. Olhei para trás, e a luz forte do farol que se aproximava me cegou por alguns instantes. A princípio, eu não consegui identificar o carro, pois minha visão estava muito embaçada." Será que o Thiago resolveu vir atrás de mim pra se certificar de que eu podia chegar em casa sozinho?". Foi o que pensei. Mas, algo parecia não estar certo.

O carro veio se aproximando devagarinho de mim, enquanto eu olhava para trás, apertando as vistas para enxergar quem era, através da luz ofuscante dos faróis.

O carro parou ao meu lado esquerdo, e me estremeci ao ver uma visão aterrorizante. A janela do carro do motorista estava aberta, e o rosto do motorista me observava atentamente, um sorriso brilhante em seus lábios tingidos de vermelho vivo. O rosto dele estava coberto por uma máscara de palhaço. Mas, não era uma mascara qualquer. Era um palhaço assustador, tipo daqueles filmes de terror. E, eu como sempre tive medo de palhaços, desde criança, senti meu corpo todo se arrepiar.

-Olá Alex. -O palhaço disse, acenando com sua mão enluvada. - Quer uma carona até a sua casa?

O palhaço riu, e os dentes pontiagudos que ele possuía se arreganharam grotescamente.

Outro calafrio percorreu meu corpo, e um impulso de correr tomou conta de mim."Como ele sabe meu nome?" "E, por que está me perseguindo?". Isso era tudo que eu queria perguntar, mas o instinto de sobrevivência era mais forte nessa hora. Então, "pernas para que te quero".

Enquanto eu corria, ouvi uma risada demoníaca do palhaço, e ouvi o motor do carro acelerar atrás de mim.

Naquele momento eu corri mais do que o Forest Gump. Corri mais do que jamais tinha corrido em uma partida de futebol no colégio com meus amigos. Corri como se minha vida dependesse disso.

De repente, quando não aguentava mais correr, parei, arfando e apertando a barriga, sentindo uma dor forte e aguda no baço. Olhei para trás e não havia mais rastro do carro com o palhaço assustador.

Senti alivio e ao mesmo tempo desespero, ao perceber que na correria eu tinha extraviado do meu caminho. Agora eu estava em uma rua afastada do meu bairro. E, por sinal essa rua circulava o bosque escuro da cidade.

Parei, tentando me manter alerta, e olhei para todos os lados, e como não havia mais sinal de palhaço, corri de volta pelo mesmo lugar de onde vim. Corri em ritmo mais lento para fazer menos barulho, e passar despercebido. Mas ouvi de novo um RAAMMM, e o carro novamente materializou-se, bem na esquina, na minha frente .O carro virou e fechou o meu caminho, impedindo que eu avançasse. Eu tropecei, assustado, e cai de costas.

O palhaço dentro do carro me encarava com um sorriso malévolo no rosto. Ele saiu do carro, segurando umas algemas e se aproximou de mim, sorrateiramente.

Eu comecei a gritar na mesma hora.Mas, ele levou um dedo ao lábio e disse:

- Xiiii. Cuidado! Você vai acordar as crianças...

Ele tirou o dedo do lábio e apontou devagarinho para o banco traseiro do carro. Eu me levantei cambaleante e espiei por cima do ombo dele. E, ainda mais aterrorizado eu percebi que havia duas crianças amarradas e amordaçadas deitadas no banco traseiro do carro. As duas pareciam inconscientes.

Um grito escapou da minha garganta, e vi uma das crianças abrir os olhos.

-Você despertou as crianças. Porra! - o palhaço gritou. Ele avançou para mim, com as algemas balançando em uma mão e a outra livre tentando agarrar meu braço. Louco de medo e raiva, ao mesmo tempo, eu lutei com punhos e dentes com o palhaço até que agarrei os olhos dele, fazendo-o gritar de dor, ao mesmo tempo em que puxei a sua máscara, fazendo seu rosto ser revelado.

-Thiago? Não acredito que é você!

Meu corpo paralisou de surpresa e choque. Meu amigo e companheiro de bar estava parado ali, bem na minha frente, vestido com aquela roupa ridícula de palhaço.

-Por que você está fazendo isso? - perguntei, atônito.

- Me desculpa Alex. - Eu não posso evitar. Ele está me abrigando a fazer tudo isso.

-Ele quem? - perguntei assustado.

-Ele... - Com a voz embargada, Thiago apontou um dedo trêmulo para o porta-malas do carro. Algo lá dentro parecia se mexer, arranhando como um gato enjaulado.

Me aproximei do porta-malas com cuidado e ergui apenas uma fresta, para ver o que estava oculto lá dentro, mas algo sorrateiro saiu para fora. Uma mão escura, sombria, coberta de verrugas agarrou a barra da minha camisa, e sussurrou com uma voz rouca e demoníaca - Alex você será meu...

Não me lembro de como fui parar em casa naquela noite. Só sei que quando acordei eu estava deitado em minha cama, totalmente nu, e meu rosto havia sido pintado de branco e vermelho. Me assustei com o rosto de palhaço que vi quando olhei meu reflexo no espelho.

Assustado, eu liguei para o meu amigo Thiago, e perguntei o que ele fez na noite passada. Ele apenas disse:

- Não acredito que você se esqueceu que estávamos juntos no barzinho.

- É claro que lembro... Mas quero saber o que você fez após sairmos de lá.

Thiago pareceu ficar um pouco confuso com minha pergunta, mas respondeu:

- Depois que saí fui levar o Antonio na casa dele, e fui embora para minha casa logo em seguida.

- Tem certeza? - eu tornei a perguntar. - E as crianças? O que houve com elas?

Thiago fez mais uma pausa no telefone para rir de mim, e respondeu:

- Crianças...? Não sei do que você está falando, Alex. Você deve ter bebido demais, ontem à noite.

Sem querer ser ridicularizado resolvi encerrar aquela história ali mesmo.

- Hmm Tudo bem.Esquece.

Gilson B de Souza
Enviado por Gilson B de Souza em 26/01/2018
Reeditado em 26/01/2018
Código do texto: T6237240
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