O RELATO DE MARYAN
 
   A cruz no meu quarto sempre caía no chão por volta das três horas da madrugada. Não sei explicar ao certo o que acontecia. O mosteiro sempre ficava inquieto a noite. Irmã Eunice dizia a mim escondido, que a muito tempo, pouco antes do mosteiro ser construído, houve um assassinato, o bispo Bernardo que vinha de viagem da paroquia de Santa Isabel e que chegara por volta das três da manhã teve uma briga com uma das freiras do convento, irmã Laurinda, a pobre freira sofria de esquizofrenia, mas o bispo não entendeu sua doença, ele disse que era obra satânica e na mesma noite, minutos depois de trancar-se no quarto com Laurinda, ele a matou, cortando sua jugular com a cruz.
   
   Quando interrogado pelos policiais, Bernardo alegou que não tinha ideia nenhuma do que estava fazendo naquele mosteiro e que não se lembrava de nada do momento que havia ido dormir a três dias atrás.Não posso dizer que não tenho estado com medo depois de ter me contado aquilo, afinal, o quarto onde tudo ocorrera era o meu. Em outubro, irmã Margareth, recém chegada, perdeu sua mala, dizia convicta que havia deixado sobre um móvel escuro no salão principal, mas ninguém reconheceu aquele moveu escuro ao qual se referira. Margareth desapareceu dois meses depois, todos a cumprimentamos antes de ir se deitar, todos a vimos entrar em seu quarto naquela noite chuvosa, ela parecia estranha, estava inexpressiva e quieta e mal tinha conseguido fazer suas tarefas naquele dia. Não foram encontrados nenhum vestígio ou prova que pudesse relacionar a um sequestro, na verdade nem parecia que tinha ido se deitar, a cama estava arrumada, seus sapatos estavam ao lado da cabeceira e sua cruz estava sobre o criado mudo, a mesma cruz que havia perdido.Sei que algo muito ruim deve ter acontecido a Irmã Margareth, Eunice também tem esse pressentimento. Mas, evitamos falar, não sei porque, mas evitamos falar sobre aquilo, Madre Hortência não nos permitirá. Em janeiro, quando o mosteiro passava por uma reforma, duas ossadas foram encontradas nas paredes, uma foi constatada ser de Margareth, mas a outra não foi identificada, ficamos cerca de seis meses fora do convento até que terminassem toda a investigação.
   
   Não tendo descoberto a identidade da segunda ossada eles arquivaram o caso. Posso estar errada, mas no dia em que descobriram os ossos, ouvi a voz de Margareth vinda de um cômodo escuro no sótão. Ela sussurrava pedindo socorro, sussurrava cada vez mais baixo, me chamando. Madre Hortência ordenou que ficasse quieta e no mesmo dia a vi em seu quarto com um livro estranho nas mãos, um livro negro coberto de desenhos demoníacos.Quando voltamos para o convento na manhã de 27 de agosto, sentimos o mosteiro inquieto novamente, o ar viciado dos quartos pungia, pulsando, ofegante, como se algo respirasse ao nosso redor, uma sensação de pânico tomou todas nós, ficamos atônitas e assustadas, mas Madre Hortência impediu-nos de ir embora, e trancou cada uma de nós em nossos quartos, dizia que os demônios estavam tentando nos possuir. Não entendia p que estava acontecendo, aquilo parecia uma prisão e a mulher que deveria nos proteger e nos guiar a deus estava nos aprisionando em horror e desespero. As 03h35 da manhã as portas de todos os quartos se abriram abruptamente, logo após ouvirmos uma pancada forte e estridente vinda da capela. Corremos juntas até a origem do som, havia uma trilha de sangue que seguia uma linha uniforme, tentei não vomitar, mas o gosto do vomito me vinha a boca esporadicamente.Ao abrir a porta da capela, um ar necrófago, seguido de um pó cinza-escuro pairou na nossa direção, quando as portas se abriram o negrume seguinte evadiu-se, parecia que tinham apagado todas as luzes do mundo, estava muito escuro lá dentro. Ouvimos Madre Hortência gritar, de forma rouca e baixa, pedindo socorro, a voz seguia de dentro da escuridão até o púlpito. Todas demos as mãos e começamos a horar e quando entramos na capela, a porta se fechou, não conseguíamos ver nada e tudo ao nosso redor começou tremer durante o temo que invocávamos o nome de deus. Um som espectral e inominável golfou em nossa direção, vindo do chão, sentimos o chão fumegar, e quando finalmente chegamos ao púlpito encontramos Irmã Eunice ao lado do corpo de Madre Hortência, coberta por seu sangue, ela observava seu cadáver fixamente e quando chamamos por seu nome, Eunice começou a rir, gargalhar num tom agudo e senil, quando desviou o olhar para nós, notamos que a orbita de seus olhos estavam totalmente avermelhadas.Já fazem cerca de oito anos agora. Evito pensar naquela noite, já não sou mais uma freira, hoje tenho dois filhos e uma família maravilhosa, mas já não aguento mais os pesadelos, eles me fazem lembrar daquele dia, e não é só isso, tenho tido lembranças estranhas, lembro-me de ter acordado as três da madrugada, lembro-me de ir até o quarto de Irmã Margareth, e infelizmente... lembro-me de tê-la esfaqueado no peito.
Vinícius N Neto
Enviado por Vinícius N Neto em 25/01/2018
Reeditado em 25/01/2018
Código do texto: T6235899
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