Epitáfio
Nunca gostei de cemitérios. Não sei, mas todas aquelas estatuas de mulheres lindas e eternamente tristes e de anjos piedosos olhando para o céu sempre me assustaram.
Certa vez, eu era bem pequeno, talvez uns cinco ou seis anos, eu segurava as mãos da minha mãe quando entramos por aqueles portões sóbrios, havia uma pequena multidão conosco, todos choravam em silêncio. Caminhamos em meio aos túmulos até que todos pararam. Alguém começou a falar “...esta é a nossa morada eterna...”.
Era o enterro da minha avó. Então minha mãe soltou minhas mãos por alguns segundos e foi até a minha tia que chorava muito para abraçá-la e consolá-la. A multidão que nos acompanhava foi se espremendo em direção àquele buraco no chão onde a caixa de madeira com o corpo da minha avó seria depositado e eu fui sendo empurrado para trás. Comecei a chorar também, estava com medo e queria minha mãe, mas todos choravam e ninguém prestou atenção em mim.
Então, me lembro de ter ficado ali sozinho, sentado no chão, chorando de pavor sob o olhar atento de um anjo e tenho certeza de que fiquei ali por muito tempo, mas minha mãe sempre jurou que foram apenas alguns minutos.
“Mamãe, não quero que a vovó more aqui para sempre e também não quero vir morar aqui nunca!” minha mãe, sem saber o que dizer, me abraçou com força e me carregou.
Alguns anos mais tarde, quando eu já tinha autorização para andar sozinho pela cidade, eu adorava voltar para casa com meus amigos depois da aula, pois vivíamos grandes aventuras naquele curto espaço de tempo, como apertar campainhas e correr antes que alguém abrisse a porta. Eu me divertia muito até que todos eles ficavam pelo caminho e eu tinha que percorrer os últimos quarteirões até minha casa sozinho, o que incluía atravessar a frente do cemitério.
Aqueles metros pareciam tão longos e eu caminhava o mais rápido que podia e até corria quando não havia mais ninguém andando por ali, sem nunca (nunca!) olhar para dentro daquele lugar. Que alívio eu sentia quando chegava até a esquina e atravessava a rua, deixando para trás aquela cidade de mortos.
Quando nos tornamos adolescentes e, assim, começamos a desenvolver aquele senso de crueldade próprio da idade, meus amigos e eu tínhamos o costume de nos desafiarmos uns aos outros. Percebendo que eu não me sentia muito a vontade com relação a cemitérios, um dia me desafiaram a entrar naquele lugar sozinho e ficar lá por uma hora.
Eu encarei o desafio, mas confesso que tive pesadelos por vários dias. Nos meus sonhos, que mais me pareciam lembranças e que eu comecei a ter certeza de que eles me acompanhavam desde o dia do enterro da minha avó, eu me perdia em meio aquele bosque de estátuas brancas e não conseguia achar a saída, ficava lá vagando por horas e horas, andando em círculos até que em algum momento eu avistava a saída, então eu corria naquela direção, mas, segundos antes de atravessar os altos portões de ferro que começavam a se fechar lentamente, as mãos brancas e frias de uma daquelas mulheres de mármore me seguravam até que, para meu total desespero, o portão se fechava me deixando preso lá dentro. Então, aquela estatua dizia enquanto chorava por mim “esta é a nossa morada eterna”.
Eu acordava apavorado e suando. O tremor só ia embora alguns minutos depois quando eu compreendia que estava seguro na minha cama, me enrolava no cobertor e, deitado em posição fetal, passava o resto da noite em claro, com medo de dormir e ser assombrado por aquele pesadelo novamente.
Durante todo o tempo eu nunca ia a enterros e nunca entrava naquele lugar até que chegou a hora de enterrarmos meu avô. Não tive como fugir daquilo, já que em hipótese alguma deixaria minha mãe sozinha naquela situação.
Assim que o cortejo fúnebre entrou pelos mesmos portões por onde eu tinha passado de mãos dadas com minha mãe há tantos anos, senti o pânico infantil tomar conta de mim. Era como se eu tivesse a certeza absoluta que, em algum momento, eu seria aprisionado naquele lugar e nunca mais sairia, assim como acontecia em meus sonhos.
Enquanto caminhávamos em direção ao local onde meu avô repousaria eternamente ao lado de sua esposa e de seus pais, fiquei extremamente impressionado ao perceber doces, brinquedos e chupetas deixados nos pequenos túmulos de crianças que eu via pelo caminho, tornando ainda mais triste o lugar, como se o túmulo de uma criança já não fosse por si só a coisa mais triste que pode existir no mundo.
Alguém, acho que foi minha tia, não me lembro exatamente, notando que eu olhava para aquilo com terror nos olhos, tentou me acalmar explicando que era um costume muito comum que mães e pais fizessem pedidos relacionados aos seus próprios filhos àqueles bebês mortos e quando seus pedidos eram atendidos, eles traziam pequenos presentes em agradecimento.
“Que tipo de pedidos?” perguntei angustiado com o absurdo daquilo.
“Coisas simples, como que deixassem a chupeta, a mamadeira ou as fraldas...” ela respondeu com naturalidade.
Aquilo me aterrorizou de tal maneira que senti que ia desmaiar. Então, para não fazer uma cena, me concentrei em ler as lápides e assim tentar afastar aquela sensação sombria de dentro de mim.
Me distrai percebendo que a maioria repetia os mesmos dizeres: “Saudades Eternas” ou “Pai amado, esposo querido”, enquanto outras citavam versos da Bíblia, sendo que o preferido era aquele que diz que viemos do pó e ao pó voltaremos, o que não me pareceu nada reconfortante.
Naquele dia, aquilo me ajudou muito e, desde então, passei a adotar essa técnica sempre que minha presença se fazia necessária naquele lugar e aquela foi a única forma que eu encontrei de não sucumbir ao desespero que a certeza de que irremediavelmente um dia eu ficaria preso ali me causava.
Acredito que, com o tempo e muita terapia, acabei aceitando a ideia daquela morada eterna e aqui estou eu novamente.
Já li todas as lápides espalhadas por esse cemitério e nesse momento, enquanto meu corpo alimenta os vermes embaixo da terra, sento-me aqui e leio o que diz o meu epitáfio e já não sinto medo algum.
Nunca gostei de cemitérios. Não sei, mas todas aquelas estatuas de mulheres lindas e eternamente tristes e de anjos piedosos olhando para o céu sempre me assustaram.
Certa vez, eu era bem pequeno, talvez uns cinco ou seis anos, eu segurava as mãos da minha mãe quando entramos por aqueles portões sóbrios, havia uma pequena multidão conosco, todos choravam em silêncio. Caminhamos em meio aos túmulos até que todos pararam. Alguém começou a falar “...esta é a nossa morada eterna...”.
Era o enterro da minha avó. Então minha mãe soltou minhas mãos por alguns segundos e foi até a minha tia que chorava muito para abraçá-la e consolá-la. A multidão que nos acompanhava foi se espremendo em direção àquele buraco no chão onde a caixa de madeira com o corpo da minha avó seria depositado e eu fui sendo empurrado para trás. Comecei a chorar também, estava com medo e queria minha mãe, mas todos choravam e ninguém prestou atenção em mim.
Então, me lembro de ter ficado ali sozinho, sentado no chão, chorando de pavor sob o olhar atento de um anjo e tenho certeza de que fiquei ali por muito tempo, mas minha mãe sempre jurou que foram apenas alguns minutos.
“Mamãe, não quero que a vovó more aqui para sempre e também não quero vir morar aqui nunca!” minha mãe, sem saber o que dizer, me abraçou com força e me carregou.
Alguns anos mais tarde, quando eu já tinha autorização para andar sozinho pela cidade, eu adorava voltar para casa com meus amigos depois da aula, pois vivíamos grandes aventuras naquele curto espaço de tempo, como apertar campainhas e correr antes que alguém abrisse a porta. Eu me divertia muito até que todos eles ficavam pelo caminho e eu tinha que percorrer os últimos quarteirões até minha casa sozinho, o que incluía atravessar a frente do cemitério.
Aqueles metros pareciam tão longos e eu caminhava o mais rápido que podia e até corria quando não havia mais ninguém andando por ali, sem nunca (nunca!) olhar para dentro daquele lugar. Que alívio eu sentia quando chegava até a esquina e atravessava a rua, deixando para trás aquela cidade de mortos.
Quando nos tornamos adolescentes e, assim, começamos a desenvolver aquele senso de crueldade próprio da idade, meus amigos e eu tínhamos o costume de nos desafiarmos uns aos outros. Percebendo que eu não me sentia muito a vontade com relação a cemitérios, um dia me desafiaram a entrar naquele lugar sozinho e ficar lá por uma hora.
Eu encarei o desafio, mas confesso que tive pesadelos por vários dias. Nos meus sonhos, que mais me pareciam lembranças e que eu comecei a ter certeza de que eles me acompanhavam desde o dia do enterro da minha avó, eu me perdia em meio aquele bosque de estátuas brancas e não conseguia achar a saída, ficava lá vagando por horas e horas, andando em círculos até que em algum momento eu avistava a saída, então eu corria naquela direção, mas, segundos antes de atravessar os altos portões de ferro que começavam a se fechar lentamente, as mãos brancas e frias de uma daquelas mulheres de mármore me seguravam até que, para meu total desespero, o portão se fechava me deixando preso lá dentro. Então, aquela estatua dizia enquanto chorava por mim “esta é a nossa morada eterna”.
Eu acordava apavorado e suando. O tremor só ia embora alguns minutos depois quando eu compreendia que estava seguro na minha cama, me enrolava no cobertor e, deitado em posição fetal, passava o resto da noite em claro, com medo de dormir e ser assombrado por aquele pesadelo novamente.
Durante todo o tempo eu nunca ia a enterros e nunca entrava naquele lugar até que chegou a hora de enterrarmos meu avô. Não tive como fugir daquilo, já que em hipótese alguma deixaria minha mãe sozinha naquela situação.
Assim que o cortejo fúnebre entrou pelos mesmos portões por onde eu tinha passado de mãos dadas com minha mãe há tantos anos, senti o pânico infantil tomar conta de mim. Era como se eu tivesse a certeza absoluta que, em algum momento, eu seria aprisionado naquele lugar e nunca mais sairia, assim como acontecia em meus sonhos.
Enquanto caminhávamos em direção ao local onde meu avô repousaria eternamente ao lado de sua esposa e de seus pais, fiquei extremamente impressionado ao perceber doces, brinquedos e chupetas deixados nos pequenos túmulos de crianças que eu via pelo caminho, tornando ainda mais triste o lugar, como se o túmulo de uma criança já não fosse por si só a coisa mais triste que pode existir no mundo.
Alguém, acho que foi minha tia, não me lembro exatamente, notando que eu olhava para aquilo com terror nos olhos, tentou me acalmar explicando que era um costume muito comum que mães e pais fizessem pedidos relacionados aos seus próprios filhos àqueles bebês mortos e quando seus pedidos eram atendidos, eles traziam pequenos presentes em agradecimento.
“Que tipo de pedidos?” perguntei angustiado com o absurdo daquilo.
“Coisas simples, como que deixassem a chupeta, a mamadeira ou as fraldas...” ela respondeu com naturalidade.
Aquilo me aterrorizou de tal maneira que senti que ia desmaiar. Então, para não fazer uma cena, me concentrei em ler as lápides e assim tentar afastar aquela sensação sombria de dentro de mim.
Me distrai percebendo que a maioria repetia os mesmos dizeres: “Saudades Eternas” ou “Pai amado, esposo querido”, enquanto outras citavam versos da Bíblia, sendo que o preferido era aquele que diz que viemos do pó e ao pó voltaremos, o que não me pareceu nada reconfortante.
Naquele dia, aquilo me ajudou muito e, desde então, passei a adotar essa técnica sempre que minha presença se fazia necessária naquele lugar e aquela foi a única forma que eu encontrei de não sucumbir ao desespero que a certeza de que irremediavelmente um dia eu ficaria preso ali me causava.
Acredito que, com o tempo e muita terapia, acabei aceitando a ideia daquela morada eterna e aqui estou eu novamente.
Já li todas as lápides espalhadas por esse cemitério e nesse momento, enquanto meu corpo alimenta os vermes embaixo da terra, sento-me aqui e leio o que diz o meu epitáfio e já não sinto medo algum.