Horror no Sonho
Numa madrugada friorenta de abril, o Dr. Azevedo foi chamado ás pressas para atender um caso de psicose aguda na Rua Estreita, em Belo Monte. O paciente em questão não parava de gritar histericamente, e impulsionava seu próprio corpo à parede do quarto, com força, criando barulhos escutados pelos vizinhos. Depois de ser contido, o paciente relatou ao Dr. Azevedo que tal motivo para psicose fora um simples pesadelo. Tomado pela curiosidade, o doutor continuou atendendo o paciente e pedindo mais detalhes das visões, ao qual no final ele receitou alguns remédios para a patologia formada do paciente, e foi para casa. Lá, Dr. Azevedo escreveu longo manuscrito intitulado “O Sonho de Álvarez”, qual esse ficou escondido por vários anos em casa. Após sua morte súbita, os parentes, ao reorganizarem a residência, encontraram tal manuscrito e o levaram ao redator Paulo P., que criou uma coluna em seu jornal qual descrevia, nos mínimos detalhes, uma estranha consulta feita dez anos atrás por um psiquiatra já velho.
O manuscrito de Dr. Azevedo, em si, começa falando sobre o primeiro contato com o paciente. Este, há muito alterado, gritava palavras de modo histérico e se jogava contra os cantos da parede. O doutor preparou uma injeção, qual, com muito esforço, foi aplicada no paciente. Meia hora depois, já acamado, o paciente falou para o médico simples palavras:
- Foi um sonho, doutor.
Tal afirmação resultou em indagações posteriores, quais as respostas ficaram muito bem gravadas na memória de Dr. Azevedo. O mesmo perguntou como fora tal pesadelo, e se assustou com a quantidade de detalhes no relato do jovem psicótico. Aqui vai, como estava no manuscrito, a descrição do sonho, por Álvarez Teixeira com a ajuda do Dr. Azevedo.
Sonhei que estava numa estrada. Sim, uma estrada comum, como qualquer outra. Era de terra batida, disso eu me lembro muito bem. O céu tinha um o quê de acinzentado, o dia realmente não aparentava agradável para um passeio. Mesmo assim eu passeava, ou era o que pensava que estava fazendo.
Me lembro muito bem do barulho dos meus sapatos batendo naquela terra firme, um som oco, como se um vão eterno estivesse debaixo dos meus pés, poucos centímetros apenas. Mesmo assim a terra me aguentava, e como fazia isso. Em alguma hora, pensei ouvir ecos. Ecos esquecidos, palavras que afogaram-se no mar de minhas memórias e não mais voltaram à superfície, ecos que ecoavam no meu ouvido e me faziam gelar a espinha. Vozes ambulantes, cirandavam-me a todo instante. Mas eu não tinha medo disso, não um medo de verdade. Apenas um leve temor de quem lida com algo desconhecido, mas que está bem à sua frente.
Assim andei por muitos metros, ouvindo o ecoar e ecoar na minha cabeça sons provenientes dos confins mais estranhos desse universo. Me lembro vagamente da vegetação a minha volta. Se é que tinha uma, pois, se tinha, era completamente morta. Lembro-me de plantas rasteiras que aqui ali espichavam-se para a estrada, com sua folhagem morta e ressequida. Mas não fazia sol, não, não mesmo. Era um dia cinzento. Um dos mais cinzentos que já vi na minha vida. O sol não aparecia, e ora ou outro eu trilhava o céu com o olhar a sua procura.
Depois de alguns minutos de caminhada, avistei um tronco velho e morto, caído na beira da estrada, com alguém sentado em cima. Sim, tinha alguém, disso eu me lembro! Seus contornos eram negros como uma noite sem estrelas, e eu não conseguia distinguir se era homem ou mulher. Com um medo estranho do que viria encontrar, resolvi voltar-me e seguir na direção oposta.
Qual foi meu horror a descobrir que não conseguira fazer isso! Meus músculos simplesmente não obedeciam ao meu comando de meia volta, como se retesados. Um horror indescritível apossou-se de meu ser, e eu gritei. Um grito alto, que ecoou pelos confins daquele mundo estranho. E foi quando eu vi.... A coisa! A coisa se virou! O que quer que estivesse sentado naquele tronco, se virou na minha direção!
Fiquei com medo, confesso. Um medo estranho tomou conta de mim.... O medo do desconhecido. Sem ter para onde ir, continuei, com pequena relutância, minha caminhada em direção ao desconhecido. A medida que me aproximava, via as feições daquele que me observara.
Era um garoto. Não devia ter mais de treze anos de idade. Vestia uma roupa de colegial estranha, uma espécie de terno com short e meias longas, achei, particularmente, meio estranho. Ao me aproximar dele, parei, e fiquei do seu lado. Foi então que percebei característica horrenda daquele ser. Seus olhos não eram vistos, estavam tampados. Um lenço negro foi amarrado em seu rosto, cobrindo seus olhos e fazendo impossível descobrir qual reação ele tivera com minha chegada.
Parecia indiferente por demais. Sua boca, não se mexia. Seus músculos, sequer davam sinais de vida. Comecei a me perguntar se aquele garoto estava mesmo vivo ou não. Foi então que ele levantou o braço.... Devagar, levantou o braço direito e apontou para algum lugar naquele mundo cinzento e sem vida. Eu vi sua boca se mexer, e então ele disse, aquilo. Preferia um milhão de vezes ter acordado naquela hora, senhor! Não queria, nem por um milhão, ver o que eu vi hoje a noite, doutor! Me entenda! Vou citar o que o garoto da faixa disse, porque você está aqui para isso, mas vou.... Ele disse:
- A morte está lá! Aljar! Aljar! – Então seu rosto virou-se para mim. Sua voz angelical me deu medo, oh, nunca irei esquece-la... – Você não sente quando a morte toca em você? A morte vive, caro homem, ela vive em você, ela te mata aos poucos, enfia sua adaga afiada em seu estômago e vai penetrando, lentamente, até mata-lo.... - Então voltou-se para seu infinito cinzento e seu braço, seu dedo apontando para o nada... – Aljar! Aljar!
Me virei e vi.... Oh me deus! Aquela coisa! A coisa!
O relato acaba aí. Pelo o que parece, o paciente não deu mais detalhes sobre o que aconteceu naquele sonho, mais tarde. O paciente em questão Álvarez Teixeira, foi procurado, mas foi logo descoberta sua morte, por suicídio, poucos anos atrás. Já o manuscrito de Dr. Azevedo, provavelmente ainda está na casa de algum familiar. A coluna no jornal teve pouco público, e virou apenas mais uma história de horror entre tantas em Belo Monte. Hoje, algumas pesquisas discretas ainda buscam respostas sobre o que realmente levou à psicose de Álvarez Teixeira, o significado de tal sonho e, principalmente, porque o mesmo se matou.