Horror na Carta
Saudações, caro Gomes. Ainda lembro a última vez que nos falamos, e quanto tempo faz, não é mesmo? Confesso que nesse meio tempo tenha andado por caminhos nefastos, e ainda não encontrei a esperada paz. Somo como irmãos, Gomes, amizade de irmãos. Conhecendo-me tão bem, você deve saber que não sou de mentiras. Ai, Deus, como era bom se eu estivesse por aí. Nunca senti tanta falta do calor tropical de dezembro e do tempo das mangas.
Você me pergunta o que aconteceu depois que vim parar aqui. Vou logo lhe contando. Não foi nada agradável. Acordando no meio de uma madrugada turbulenta e sem fim, vi a lua em seu zênite, a me guiar. Tendo apenas a lua como referência, não sabia por onde ir. Logo o arrependimento bateu, amigo. Como eu queria estar aí. Nós dois na fazenda, brincando como cachorros... Que saudade desse tempo! Espero com todas as forças que você esteja bem quando receber esta mensagem.
Continuando meu relato, que não gosto muito de lembrar, mas por você irei. Apenas para matar sua curiosidade, e por falar em lembranças, saiba que aqui onde estou o mundo é apenas lembranças. Onde quer que você vá, seja em um campo de pedras ou em uma costa escura e íngreme, os erros do passado voltam em sua cabeça a todo instante. Duvido qual exista o homem que não se arrependa dum pecadinho que for com isso!
Aqui, é escuro. Quando eu acordei, tudo estava escuro. Eu não sentia fome ou sede, mas estava cansado. Apalpei o chão sob mim. Era de terra batida, com algumas pedras aqui e ali. Olhei para céu e vi a lua grande, amarela. Tive medo. Você sabe que eu tenho medo de coisas grandes demais. Me levantei, rapidamente, e olhei para os quatro cantos. Não vi viv’alma, ou qualquer coisa diferente. Não enxergava um palmo em minha frente, apesar da lua brilhar, com um destacamento um tanto exagerado (chegava a ser horripilante, de tremer as mãos),
Tentei andar devagar, por aqueles confins escuros. De repente, senti algo mais curvado no meu pé, e percebi que estava chegando a uma encosta íngreme o suficiente para poder subir. Ora, sem ter por onde ir, decidi subir ali mesmo, e comecei minha escalada para o medo. Para o medo, sim, pois saiba que tudo aqui reflete e transpassa medo. Cada detalhe deste lugar mórbido, a cada vez que você pisca os olhos, é medo que você sente. Como eu aguento? Ora, não posso fazer nada, me resta aguentar e sofrer, isso nunca vai ter fim.
No meio da escalada, escorreguei um pouco, e acabei cortando minha mão. Apesar disso, não vi sinal de sangue. Não sei se porque eu não estava enxergando nada, ou porque o sangue era imperceptível. A cada minuto que se passava, a encosta ficava cada vez mais inclinada. Continuei minha escalada de quatro, para evitar novos acidentes.
Finalmente, cheguei a um lugar plano, onde supus que era o topo. Fiquei de pé, uma luz estranha atingiu meus olhos. Já acostumado com o breu, meus olhos fecharam-se. Segundos depois, após abri-los, vi em minha frente uma coisa tão estranha que não teria saído nem de uma mente tal Poe ou Lovecraft.
No limiar dos dois mundos, um guiado apenas por uma lua em zênite e a escuridão, e outro tomado por uma luz nefasta e construções com detalhes esquisitíssimos, me vi. Na minha frente, se via o que mais parecia uma cidade abandonada. Com construções montadas a grandes blocos de concreto, o lodo tomava conta de quase tudo ali. Apesar do medo, desci a encosta e fui de encontro a cidade amaldiçoada. O lugar era formado por torres e construções que pareciam templos, com monólitos bem esculpidos. As formas pareciam com seres de outro mundo. Suas mãos em garra e seus rostos deformados transpassavam agonia. Me vi revirado por dentro. Andando pela cidade, vi vultos passando entre um construção e outra.
A cidade tinha construções colossais, e tudo parecia ter saído de alguma mente macabra. Eu não sabia que seres viviam ali, e eu confesso que estava com medo de descobrir. Hoje, sou um deles. Monumentos colossais se viam no plano, o que me dava vertigem. Com uma arquitetura que nunca seria humana, a cidade era um objeto de horror em um mundo de medo.
Os vultos voltaram. Hora ou outra, eu os via passando pelos becos escuros e as vielas mal iluminadas por um crepúsculo eterno. Eu andava pela cidade e não prestava muita atenção nos meus movimentos. Eu apenas seguia o que meu cérebro mandava. Andando por aquelas torres, templos colossais e grotas subterrâneas, eu me sentia num filme de terror psicológico. Mais uma vez algo passou por trás de mim.
Sabendo que estava sendo seguido, eu parei em uma das torres. Com minhas costas à parede, comecei a suar frio. Logo um vulto e um som de grunhido veio do lado esquerdo, e então a criatura se aproximou. Como um sapo ou rã gigante, seus detalhes eram mórbidos demais para serem explicados. Com espinhas nas costas, ele grunhia para mim. Tentei correr dali. De repente, eu vi.
Uma poça d’água estava perto da torre abandonada. Nela, vi refletido meu rosto. Já não era mais humano. Com a boca grande e beiços flácidos, com olhos mortos e baços, e corpulento por demais, gritei. Ao tentar gritar, saiu apenas um grunhido incompreensível. Meu estomago se revirou de horror. Olhei para a rã gigante, e esta me olhava com indiferença.
Depois de cinco dias ali, já sabia decifrar todos os hieróglifos da cidade morta. Gravadas em pedras colossais e de idades contadas à bilhões, os textos escritos ali pareciam refletir o âmago da vida... E da morte também.
Agora não tenho mais como voltar, caro Gomes. Espero que meu amigo não tenha a mesma sorte que eu. Através desta carta psicografada, espero mandar uma mensagem a todos. Tenho esperança de que, conhecendo este mundo macabro onde vivo, repensem em suas ações. Um longo abraço. Tenho que ir. A lua me espera