CRIME DE GUERRA
— Você não acha conveniente... não pode ter imaginado tudo isso, afinal, a guerra muda as pessoas, você, um veterano, não acha possível que tudo não se trate apenas de um transtorno do estresse pós-trauma. Estudos constatam que 15% dos veteranos de guerra apresentam esta síndrome.
— Não faça isso...
— O que estou fazendo Marcos.
— Está tentando me desacreditar.
— Estou apenas levantando possibilidades!
Marcos não conseguira parar de tremer, seu sangue fervia. Daniel percebera que estava desconfortável com a entrevista. Seus olhos caídos observavam o vazio de suas mãos, fitando emoções incoerentes.
— Quando você vê alguém vindo na sua direção, e não tem como saber se é amigo ou inimigo, tem de decidir se quer viver ou morrer. Eu fiz uma decisão naquele campo de guerra, decidi viver. Havia um nevoeiro por todo o território. Tentei alertar a meu superior sobre a dificuldade que teríamos em completar a missão, pois a visibilidade estava muito baixa naquela região. Mas ninguém me ouviu.
— Tá, vamos começar daqui. Está me dizendo que tudo começou numa missão em um campo com pouca visibilidade...
— Pode me deixar terminar.
— Vá em frente jovem.
— Estávamos em cinco e todos avistamos a aquela silhueta esquia vindo em nossa direção. Ninguém sabia o que fazer. Diego gritou; atira. Nunca fiquei com tanto medo naquele dia. Wellington empurrou-me com o cotovelo... lembro-me que em seguida ouve um clarão, e de repente não conseguia ouvir mais nada. Haviam detonado uma granada a pouco mais de quatro metros de nós. Estava tonto na hora, minha visão rodopiava. Rafael levantou-me, carregava Henrique que havia perdido um braço. Como havia perdido sua arma, durante a explosão, pediu-me para atirar. Via sua expressão de terror, gritando comigo, mas não sabia o que fazer. Olhei para direção em que estava apontando com veemência; logo percebi que tratava-se da mesma silhueta que havíamos visto a princípio, contudo tinha se aproximado uns três metros. Acredito que o que nos separara era menos de três metros, em torno de dois e meio. Mirei na direção daquela sombra, e disparei abruptamente. A guerra é um jogo de escolhas. Num momento você pode tirar uma vida... uma vida inocente.
— Minutos depois encontramos um garoto. Devia ter no máximo, dez anos de idade. A bala havia atingido seu pulmão. Somei-o nos braços tentando estancar o sangramento, mas a hemorragia não podia ser contida, não ali aonde estávamos. Lembro-me dele me encarando, enquanto engasgava com o próprio sangue, lembro-me de seus olhos castanhos penetrando em minha alma; droga, era um garoto, um garoto... A criança morreu segundos depois, sentira suas últimas forças apertando minha mão. Eu senti seu medo, o medo da morte; deixe-o, vamos, o garoto morreu, não estava vendo, ele está morto, solte isso ai, não pode fazer nada. Deixamos o corpo do garoto no mesmo lugar, pensara que depois da missão podíamos pedir para virem recolher o corpo. Serio o mínimo possível.
— Depois disso tudo aconteceu muito rápido. Enquanto ajudava a carregar Henrique que estava desacordado. Ouvimos um grito, num tom que nunca tinha ouvido antes, era como um grasnado agudo e desafinado. Viramos assustados. O garoto estava em pé, o garoto que estava morto...
— Como sabe se ele estava morto mesmo?
— Você saberia se tivesse acontecido contigo. Tenho certeza que não tinha ouvido nem seu coração, nem seu pulso.
— Mas... está me dizendo que está baseando seu relato em pura especulação. Quer dizer, como saber se ele morreu mesmo, as vezes uma pessoa pode parecer morta, mas seus batimentos apenas diminuíram e pelo que me contou, depois da explosão havia ficado atordoado e sua audição tinha sido comprometida. Então, como pode ter tanta certeza que aquele garoto morreu mesmo.
— Que droga. Quantas vezes tenho de dizer. Depois da explosão. Depois de achar o garoto. Depois de vê-lo morrer em meus braços. Já estava consciente o suficiente para ouvir suas batidas cardíacas e como já disse. Aquele garoto não estava mais vivo.
— É o que você diz. Não está conseguindo me convencer. Até agora só ouvi uma série de informações sem embasamento nenhum, precipitadas, literalmente conjecturas de um homem abalado psicologicamente.
— Sabe o que ele fez depois daquilo? Sabe?
— Não.
— Nada. Ele continuou nos olhando, enquanto cambaleávamos para fora do campo de batalha. Ele nos observava parado no meio do campo de batalha. Não tenho como confirmar isso porque o único que viu o menino naquele estado foi Henrique e ele morreu um dia depois.
— Claramente senhores e senhoras, isto é um sintoma do que chamamos de transtorno de estresse pós-traumático.
Marcos não queria admitir em rede nacional, mas o garoto nunca sumiu. Ele continua parado próximo dele, aonde quer que vá. Após dez anos ele aprendeu a conviver com isso, com este fardo...
O garoto sempre está lá, escondido entre os outros na multidão, o observando. Ele achou que indo a público isso acabaria ou fariam algo que pudesse lhe ajudar, mas tudo continuou do mesmo jeito. A guerra muda as pessoas, e seus fantasmas marcam-nos para sempre.
— Não faça isso...
— O que estou fazendo Marcos.
— Está tentando me desacreditar.
— Estou apenas levantando possibilidades!
Marcos não conseguira parar de tremer, seu sangue fervia. Daniel percebera que estava desconfortável com a entrevista. Seus olhos caídos observavam o vazio de suas mãos, fitando emoções incoerentes.
— Quando você vê alguém vindo na sua direção, e não tem como saber se é amigo ou inimigo, tem de decidir se quer viver ou morrer. Eu fiz uma decisão naquele campo de guerra, decidi viver. Havia um nevoeiro por todo o território. Tentei alertar a meu superior sobre a dificuldade que teríamos em completar a missão, pois a visibilidade estava muito baixa naquela região. Mas ninguém me ouviu.
— Tá, vamos começar daqui. Está me dizendo que tudo começou numa missão em um campo com pouca visibilidade...
— Pode me deixar terminar.
— Vá em frente jovem.
— Estávamos em cinco e todos avistamos a aquela silhueta esquia vindo em nossa direção. Ninguém sabia o que fazer. Diego gritou; atira. Nunca fiquei com tanto medo naquele dia. Wellington empurrou-me com o cotovelo... lembro-me que em seguida ouve um clarão, e de repente não conseguia ouvir mais nada. Haviam detonado uma granada a pouco mais de quatro metros de nós. Estava tonto na hora, minha visão rodopiava. Rafael levantou-me, carregava Henrique que havia perdido um braço. Como havia perdido sua arma, durante a explosão, pediu-me para atirar. Via sua expressão de terror, gritando comigo, mas não sabia o que fazer. Olhei para direção em que estava apontando com veemência; logo percebi que tratava-se da mesma silhueta que havíamos visto a princípio, contudo tinha se aproximado uns três metros. Acredito que o que nos separara era menos de três metros, em torno de dois e meio. Mirei na direção daquela sombra, e disparei abruptamente. A guerra é um jogo de escolhas. Num momento você pode tirar uma vida... uma vida inocente.
— Minutos depois encontramos um garoto. Devia ter no máximo, dez anos de idade. A bala havia atingido seu pulmão. Somei-o nos braços tentando estancar o sangramento, mas a hemorragia não podia ser contida, não ali aonde estávamos. Lembro-me dele me encarando, enquanto engasgava com o próprio sangue, lembro-me de seus olhos castanhos penetrando em minha alma; droga, era um garoto, um garoto... A criança morreu segundos depois, sentira suas últimas forças apertando minha mão. Eu senti seu medo, o medo da morte; deixe-o, vamos, o garoto morreu, não estava vendo, ele está morto, solte isso ai, não pode fazer nada. Deixamos o corpo do garoto no mesmo lugar, pensara que depois da missão podíamos pedir para virem recolher o corpo. Serio o mínimo possível.
— Depois disso tudo aconteceu muito rápido. Enquanto ajudava a carregar Henrique que estava desacordado. Ouvimos um grito, num tom que nunca tinha ouvido antes, era como um grasnado agudo e desafinado. Viramos assustados. O garoto estava em pé, o garoto que estava morto...
— Como sabe se ele estava morto mesmo?
— Você saberia se tivesse acontecido contigo. Tenho certeza que não tinha ouvido nem seu coração, nem seu pulso.
— Mas... está me dizendo que está baseando seu relato em pura especulação. Quer dizer, como saber se ele morreu mesmo, as vezes uma pessoa pode parecer morta, mas seus batimentos apenas diminuíram e pelo que me contou, depois da explosão havia ficado atordoado e sua audição tinha sido comprometida. Então, como pode ter tanta certeza que aquele garoto morreu mesmo.
— Que droga. Quantas vezes tenho de dizer. Depois da explosão. Depois de achar o garoto. Depois de vê-lo morrer em meus braços. Já estava consciente o suficiente para ouvir suas batidas cardíacas e como já disse. Aquele garoto não estava mais vivo.
— É o que você diz. Não está conseguindo me convencer. Até agora só ouvi uma série de informações sem embasamento nenhum, precipitadas, literalmente conjecturas de um homem abalado psicologicamente.
— Sabe o que ele fez depois daquilo? Sabe?
— Não.
— Nada. Ele continuou nos olhando, enquanto cambaleávamos para fora do campo de batalha. Ele nos observava parado no meio do campo de batalha. Não tenho como confirmar isso porque o único que viu o menino naquele estado foi Henrique e ele morreu um dia depois.
— Claramente senhores e senhoras, isto é um sintoma do que chamamos de transtorno de estresse pós-traumático.
Marcos não queria admitir em rede nacional, mas o garoto nunca sumiu. Ele continua parado próximo dele, aonde quer que vá. Após dez anos ele aprendeu a conviver com isso, com este fardo...
O garoto sempre está lá, escondido entre os outros na multidão, o observando. Ele achou que indo a público isso acabaria ou fariam algo que pudesse lhe ajudar, mas tudo continuou do mesmo jeito. A guerra muda as pessoas, e seus fantasmas marcam-nos para sempre.