OLHOS DE MALDIÇÃO (HOMENAGEM A MACHADO DE ASSIS)
Retórica dos amaldiçoados, dá-me uma comparação exata e maligna para dizer
o que foram aqueles olhos(...). Não me socorre imagem capaz de socorrer, sem
quebra da insanidade do delírio, o que eles foram e me fizeram. Olhos de
blasfêmia? Vá, de maldição. É o que me dá aquela feição do horror. Traziam
não sei que fluido maligno e mórbido, uma força que arrastava para dentro,
como o veneno que sufoca e estrangula, nos dias de agonia. Para não ser
tragado, agarrei-me à sanidade, à lágrima ante a depressão, ao dizer que era
apenas o medo disfarçado de esquizofrenia; mas tão depressa me mostrava
obcecado, aquele ser sobrenatural sorria se aproximando na escuridão,
grunhindo entre sussurros, horror tão desesperador porque se fazia desejar,
ameaçando prender-me, apunhalar-me, beber o sangue e devorar-me a carne
ainda vivo. Quantos minutos gastamos naquela luta entre o bem e o mal, entre
o desejo e o proibido? Só os sinos do além terão marcado esse tempo paralelo
macabro e infinito. O tormento frente ao desconhecido, o maligno, deixa suas
marcas; nem por nos fazer esconder embaixo das cobertas, atrás da porta, espiar
pelo vão da janela, nem pelo instinto de sobrevivência. Há de fazer sentir o frio
no estômago às vítimas que se agarram à última esperança frente à lâmina do
torturador pela qual corpos jazem no chão; assim as esperanças dos que
sobrevivem ao mal se desvanecem enquanto seus passos se aproximam nas
trevas. Este suplício se abateu a Poe, Lovecraft; mas eu não tenho tempo para
reescrever o que acontecerá. Estou aqui para contar que, ao cabo de um tempo
interminável, agarrei-me à esperança que me restava, mas então em correr
desenfreado, e disse-lhe – para fugir desesperado ao medo e desejo que me sufocavam - que me renderia se me deixasse vivo, pois meu maior medo era o desejo de estar entre aquelas mãos.