O MESTRE E O MONSTRO
Dia 14 de Janeiro de 1947, hoje eu consegui traze-lo de volta. Os vasos de mercúrio tilintavam sobre o acoalho quente. Seus passos uniformes vieram até mim. Creio que esta coisa não é mais um ser humano. Ele respira e rosna como um animal e tem também aqueles olhos, como se tivesse lhe roubado a liberdade, é um olhar de dor, de sofrimento. Ele não conseguiu dar mais que meia dúzia de passos até cair. Seus movimentos se restringiam apenas a se debater debilmente, próximo de um cadáver. Sua pele podre cheirava a putrefação e nem ouso falar dos membros que gangrenavam enlouquecidamente. O pus nojento esvaia das feridas como sangue, uma gosma amarela enrijecida.
Não o quis colocar em uma cela, pois sei que não faria isso comigo. Portanto o deixei acorrentado na sala. Precisava ver se esboçava alguma reação humana, então deixei uma televisão a sua frente e selecionei um canal de notícias. Cesar observava as imagens com medo e abstração, ele tentava alcança-la babando, mas não o deixei se aproximar dela. Comprei correntes mais grossas depois de ter conseguido se livrar das anteriores. Sua forma tem mudado gradualmente, sinto que seu braço esta flácido e nem consigo ver seus dedos direito, parece um tentáculo vermelho cor-de-sangue. Parei de introduzir alumínio em suas veias a cerca de uma semana e visualmente os efeitos foram excelentes.
Tenho medo de continuar este projeto. Cesar sempre quis que ressuscitássemos alguma coisa, como estava morto e seu cadáver era propício aos testes tenho certeza que pediria que o fizesse. Os olhos deles passaram de azuis-acinzentados para uma tonalidade escura e sem íris. Concluo que ressuscitá-lo tenha trazido alguns avanços a nossa pesquisa, mas ainda é necessário muito desenvolvimento.
Uma semana após tê-lo trazido de volta, algo estranho aconteceu, seu corpo tem mostrado sinais de melhora graduais. Mesmo estando desformado, ele consegue interagir com certos impulsos, inclusive a foto de seu falecido filho, e também um de seus primeiros experimentos que falhou. É difícil vê-lo nesta situação, em pensar que a um mês atrás Cesar estava bem e tínhamos progredido na pesquisa.
Embora não pudesse deixa-lo vivo, independente de como tentasse o matar, suas células mantinham-se vivas. Era como um zumbi. Arranquei-lhe um braço e o membro ainda se mexia mesmo estando desconectado do resto do corpo. Acho que deve ser por conta dos reagentes do alumínio no seu sangue. Vejo por sua expressão que não quer ficar daquele jeito, ele tenta chorar, mas seus olhos estão esbugalhados e suas glândulas lacrimais não existem, pois secaram.
Não me resta duvidas que tenho que terminar com esse experimento falho, mas como posso faze-lo se sempre que tento ele não morre e não quero deforma-lo mais do que já está.
Tornei-me um monstro por ter seguido o caminho do meu mestre, não. Tornei-me a evolução. Logo, em algumas décadas o ser humano vivera para sempre — desculpe-me Cesar por ter de deixa-lo engaiolado, mas, temo que se lhe deixar solto descobriram toda nossa pesquisa e vão acabar nos encontrando de novo, da última vez, você morreu.
Enterrei Cesar no quintal ainda vivo dentro da gaiola, mesmo sabendo que não morrera lá embaixo, pelo menos não fugira ou chamara a atenção deles. Meu corpo também apresenta sinais de estranhos. — Desde que me criou Cesar, sua primeira experiência genuína, sempre me devotei a ti, mas agora, o mostro deve se tornar o mestre.
Dia 2 de maio de 1952. A festa está perfeita. Jose me convidou para seu banquete em sua mansão no centro. Tentei ficar o máximo possível parecido com Cesar, então desenterrei-o e tirei partes de seu rosto. Não acho que tenham notado as diferenças. Jose me cumprimentou como se fosse você Cesar. Nunca havia sido convidado antes para um baquete, mas creio que estou conseguindo me integrar a sociedade. — Nossa Cesar, sua cidade tem bastante cobaias, não é mesmo.
Outubro de 1953, a tarde tem sido ótima. Katlin nossa empregada não desconfia de que guardo os corpos no frízer. Acho que fiquei um pouco obstinado Cesar, escrevo isso em seu diário porque não vejo outra forma de conversarmos de novo. Já lhe contei. Temos um novo avanço. Nossa cobaia 08, aquela que conseguimos no banquete de 52, ela não reagiu agressivamente aos componentes químicos, parece uma pessoa real, mas sua fome por carne é insaciável, mesmo tendo um pouco de razão, tudo parece sumir quando sente o cheiro do sangue.
Dezembro de 1953, eu o perdi Cesar, perdi o corpo de Jose, o barão. Ele escapou da casa, mas antes matou Ketlin. O persegui até próximo da cidade, mas o perdi. Ele é vulnerável a balas de chumbo, uma fraqueza que adicionei durante sua reanimação.
Janeiro de 1954, eles capturaram a besta que matou mais de vinte pessoas. Eles o capturaram e tentaram lhe executar com um tiro na cabeça, mas como não era chumbo não conseguiram o matar. Não consigo me aproximar mais que dois metros antes que me detenham, e tenho medo que todo horror que passamos em 46 retorne.
Março de 1954, eu destruí todos os arquivos e incinerei as cobaias antes que eles chegassem, me perdoe por ter destruído seu corpo, mas eles poderiam tê-lo o encontrado.
Junho de 1955, estou morando em um apartamento no centro. Fazem mais de dois meses que noto sinais estranhos. Minha pele está se desmanchando. Minhas unhas do pé e das mãos caíram e meus olhos estão começando a ficar amarelos.
Agosto de 1960, não consigo mais me controlar Cesar e pouco sei escrever agora. Meus dentes cresceram e minha fome aumentou a um nível completamente diferente. As crises que lhe contei na semana passada pioraram, encontrei sangue debaixo da cama e pedaços de pele. Não sei se alguém está morto, mas eles já me deram um nome. O monstro. Não que tenham me descoberto ainda, mas estou perdendo a consciência com frequência e sei que não consigo aguentar essa vontade indominável por carne. Ela está me dominando a cada dia. Eles vão me descobrir. Vão...
Novembro de 1962, ... eu estou morto Cesar... mas não como você...