Cuidado pra quem deseja
A humanidade sempre teve desejos e, na mesma intensidade com que deseja, vem sua pressa em ser atendida. Fazendo de si mesma isca para a própria ruína.
Alimentando-se desses desejos ou usando os anseios mais supérfluos ou desesperados da humanidade, existem entidades, anjos, demônios, espíritos, ou seja lá como cada comunidade passou a chamar esses seres, que se mostram benevolentes em ouvir e, as vezes, atender sua suplica.
Muitos são os escritos que falam de seres que ouvem, recebem e atendem suplicas humanas. Em todos eles, mostram que estes exigem uma forma de pagamento.
Uma dessas entidades, sem forma, sem rosto e sem alma, que se alimenta dos desejos humanos, ou faz com que pensemos assim, vaga e busca pessoas desesperadas para realizar seus desejos, mas o pagamento para seu feito, poucos serão capazes de realizar.
Um homem desejava, desesperadamente, um simples barco para que assim pudesse velejar. Uma tarde qualquer, de um dia que, diante do que vem acontecer, perde total importância, estava ele sentado num café tão sujo quanto o chão de onde os pescadores jogavam os peixes podres, e o cheiro, também, não se mostra diferente da imagem, um homem com uma barba cumprida, um chapéu que cobria metade de sua face, deixando aparecer apenas a ponta de um cigarro apagado, parou em sua frente e com dedos longos demais para seu tanho, pálidos de mais para parecer humano, tocou a ponta de seu chapéu como um cumprimento para ele.
O homem retribuiu, e, como que por instinto do desespero, ou destino, esperou que o velho lhe falasse algo, e ele falou.
-Sinto grande desejo e grande coragem. O mar pulsa em seus olhos e o sal salta de suas veias.
O homem assustado, pensou em dar um passo para trás, mas ignorando, talvez, seu único momento de razão, perguntou o que o velho queria.
– Eu, agora, não almejo nada, mas o desejo de sua alma, posso realizar.
Sem entender porque, nem ao menos sentir sua língua se mover na boca, simplesmente o homem pediu para ser um grande navegador, cortando os mares e tendo seu nome reconhecido aos quatro ventos.
Mal ele fechou a boca, o velho simplesmente disse:
– Um dia voltarei para pagamento- e sem que se percebesse ou sentisse como, sumiu.
O homem foi pra casa, descrente que seu desejo se tornaria real...
Ao amanhecer o dia, ele estava dentro de um veleiro, o mais belo que si quer imaginara, com uma tripulação que aparentava impecável experiência e nas pareces, quadros de seus feitos e descobertas.
Tudo estava lá como se sempre estivesse lá. Como se aquela aparição não passasse de um sonho.
Anos se passaram, até que uma manhã, em um porto, em busca de nova tripulação, uma jovem alta demais, esguia demais, com os cabelos de uma coloração que não parecia pertencer a ninguém na terra, aproximou-se dele e, ele paralisado, ouviu apenas um sussurro que, apesar de rápido, parecia entrar em sua mente como uma conversa de horas.
– Te dei um veleiro, homens e honra. Hoje tu me darás meu pagamento. Quero que afunde este barco, como o máximo de homens que puder colocar dentro dele, até o próximo entardecer.
O homem teve apenas a ação de negar...Em sua mente ele ouvia: - Te dei o que me pediste, sem questionar, sem julgar tua vaidade, o que quero, não vai me negar!- e assim mulher levantou seus olhos, sem cor, e no mesmo mistério que veio, se foi.
Ao final do entardecer combinado, ele sabia o que deveria fazer, sentia que teria que fazer, tinha planejado tudo para sua sobrevivência, quando desistiu.
Anoiteceu em auto mar. Crente que tudo não passava de uma ilusão, foi dentar.
No meio da noite, levantou-se de seu leito, muitos homens acompanharam a cena simplesmente congelados, vendo seu capitão caminhar nu ao relento, escalar algumas cordas que formavam uma espécie de teia e começar a raspar seus pulsos ate sangrar e assim ficar tão profundo que o mesmo despencou do alto e quicou no chão como um peso morto.
Quando o corpo sem vida caiu no chão, a tripulação descongelou, quase no mesmo instante que uma névoa cobriu o barco e o corpo desapareceu.
A entidade, levou assim, seu pagamento.
Não muito longe dali, em uma cidade onde se via o mar apenas como uma risca no horizonte, uma mulher acabara de receber uma visita, de um senhor com longos dedos, olhos de cor que lembravam uma joia e uma pele pálida que o fazia parecer brilhar, estava de pé em sua varanda, pegou uma rosa dentre as várias da roseira carregada que guardava a porta, entregou a ela, falando, quase sem mexer os finos lábios e saiu andando com uma elegância, que parecia que ele não mexia os pés. Após a inesperada visita, a mulher entrou, passou algum tempo olhando a casa que tanto sonhou, passou os dedos no vidro de cada quadro das paredes, onde mostravam duas crianças, idênticas, com longos cabelos negros, presos em duas delicadas tranças, no colo de um homem e ao lado dele, ela.
Passado algum tempo, ela foi a um quarto, onde duas meninas debruçavam-se em elegante chá da tarde e trancou a porta sutilmente, para não alertá-las. Apos certifica-se que a porta estava trancada, foi ate o quarto do casal, onde um homem de cabelos igualmente negros, como o das meninas, estava sentado sob a cama lendo um jornal, com uma feição extremamente preocupado. Ela rapidamente trancou a porta.
Após prender as pessoas de sua casa, banhou as paredes com o querosene que viu na garagem, até a porta de saída e ateou fogo.
O fogo consumiu a casa em minutos, ouvia-se gritos e logo em seguida, um silencio que só era quebrado pelo barulho das chamas e dos bombeiros que chegaram logo em seguida.
Com um olhar vago, expressão vazia, sentou-se a beira da calçada, quando uma senhora que morava próximo apontou para ela- FOI ELA!!! ELA QUEIMOU A CASA!
Na mesma velocidade com que a senhora com vestido florido falava, outros concordaram e saíram de casa empunhando qualquer material capaz de ferir.
Foi a golpes de vassouras, panelas ferro, cadeiras e garrafas que uma névoa baixou naquela rua e seu corpo desapareceu.
Inspirado nas obras de Ruiz Carlos Zafon, para uma campanha de RPG.