MEMÓRIAS TORTUOSAS
MEMÓRIAS TORTUOSAS
Fui colocado no pau-de-arara, numa tarde que prenunciava chuva, aliás tempestade. O calor era insuportável, apesar das nuvens negras esconderem o sol, da pequena fresta do quartel onde estava, via os relâmpagos riscarem o céu, os trovões em seguida explodiam sua fúria, e isso aumentava mais o meu pavor. Os meus algozes conversavam baixinho em um canto, certamente tramando formas mais perversas de me torturar. Vieram em minha direção, pensei: a minha hora chegou. Os quatro em uníssono disseram: “comunista , filho da puta”, e em seguida levei uma saraivada de tapas no rosto, nesse momento a tempestade desabou, não seria exagero dizer que daquele momento em diante no meu corpo uma tempestade também desabou, socos, cigarro no nariz, tapas na orelha, eletrochoques, suportei tudo sem entregar os meus companheiros, e quando perceberam que o meu estado era deplorável, fui retirado do pau-de-arara e deixado ali mesmo, moralmente e fisicamente estraçalhado, não vi mais nada, nem mesmo a luz que atravessava a pequena fresta da janela.
Girvany de Morais 09/01/2018