La Belle de Jour
Era a moça mais linda de toda a cidade
E foi justamente pra ela
Que eu escrevi o meu primeiro blues
Mas, Belle de Jour, no azul, viajava
Seus olhos azuis, como a tarde
Na tarde de um domingo azul
La Belle de Jour
La Belle De Jour
- Alceu Valença
Dentro do banheiro uma mulher nua se observava no espelho. Ela procurava despreocupada por cravos, espinhas ou qualquer imperfeição em sua pele. Era uma espécie de um pequeno ritual antes de sair. Olhou melhor abaixo dos olhos e viu algumas olheiras, mas nada gritante.
Abriu a porta do armário onde o espelho estava e pegou um creme na parte de baixo. Olhou novamente para as olheiras e de algum modo pareciam menores. Ela achou estranho e decidiu olhar um pouco mais de perto.
- Vamos amor, se não a gente se atrasa de novo!
Ela se assustou por um momento. A voz era de seu marido a chamando do quarto.
Ela virou a cabeça na direção da porta e respondeu:
- Tá certo, já estou quase terminando aqui.
Mas seu reflexo não seguiu seu movimento. Ao olhar de volta para o espelho ela a encarava com um sorriso macabro no rosto. Ela mesma do outro lado.
- Boo!
Disse através do espelho.
A mulher assustou-se, pulando da pia e do próprio espelho, batendo as costas e a cabeça na parede de pastilhas azuis atrás dela. Fechou os olhos por alguns segundo obrigada pela dor e pelo medo. No segundo seguinte abriu os olhos encarando o espelho.
A assombração não estava ali. Na verdade não tinha nada lá, não havia reflexo nenhum dela mesma. Com alguns passos nervosos ela foi a frente do espelho sem ver seu outro eu do outro lado. Era bizarro e assustador não ver nada ali, somente a parede de pastilhas claras.
Com a ponta dos dedos trêmulos tocou a superfície do vidro tentando entender aquilo. Um ardor fez sua nuca pulsar. Ao tocar ali ela percebeu um pouco de sangue entre os cabelos molhados. A batida na parede a tinha ferido. A mulher abaixou a cabeça um tanto desorientada, ligando a torneira e tentando lavar o sangue dos dedos nervosos.
Quando levantou seu rosto novamente viu seu reflexo atrás de si olhando friamente através do espelho. Tentou gritar, mas já era tarde. O reflexo a agarrou pelas costas, cobrindo sua boca e prendendo seu pescoço num forte agarrão. Seu corpo assustado tentou de todo jeito escapar, usando sua força de maneira desesperada contra os braços firmes dela, mas sem resultado algum.
Levam menos de dois minutos para a mulher perder a consciência. Seu outro a ajoelha ainda de costas, quebrando seu pescoço num movimento preciso, fazendo o corpo tombar sem vida próximo ao vaso. Ao virar-se para o espelho percebe que seu rosto tinha um pouco de sangue oriundo da cabeça da mulher. O reflexo passa dedos próximo a boca e observa com cuidado o brilho e o calor emanando dele, quase como se deslumbrada com a sensação.
- Já terminou querida? Já tá quase na hora!
Perguntou seu marido, quase gritando da sala.
- Já vou amor, só preciso de mais um segundo.
Disse, sem tirar os olhos da mão com sangue.
Ela lavou-se, escondeu o corpo atrás da cortina do box, enrolou-se numa toalha limpa e se preparou para sair. Mas antes de deixar o banheiro olhou para o espelho uma última uma vez. Piscou um dos olhos, mas o reflexo só repetiu a ação alguns segundos depois. O reflexo do espelho então sorriu com cumplicidade, assim como o reflexo fora dele.