Mariana e eu nos casamos num mês de setembro e fomos curtir nossa lua de mel no Rio de Janeiro. Hospedamos-nos em um hotel chamado Martinique, situado em um prédio velho e nada atraente, situado em Copacabana. Apesar da aparência pouco agradável do prédio, o quarto era confortável e o hotel bem situado. Ficava a uma quadra da praia e próximo dos locais mais badalados do famoso bairro carioca. Aquele Martinique não era um hotel de primeira linha. Mas era o que dava para nós pagarmos. Afinal éramos dois professores, que trabalhavam na rede pública, e lá pelos idos de mil novecentos e setenta e seis nossos salários já não eram grande coisa. Mas era consideravelmente melhor do que é hoje. E a Mariana havia comprado, alguns anos antes, um título do Motel Clube, que nos dava cinquenta por cento de desconto para hospedagem em vários hoteis do país, especialmente naquele. Depois de uma viagem de sete horas no meu fusquinha 67, chegamos no hotel por volta das cinco horas da madrugada e tivemos que esperar no saguão até o meio dia da manhã para o quarto ser liberado. Assim, a nossa noite de núpcias foi passada dentro de um fusquinha, na Via Dutra, e o nosso despertar, no dia seguinte, aconteceu em um sofá de hotel. Estávamos tão cansados que dormimos o resto do dia e só fomos mostrar a nossa cara na praia no terceiro dia após o nosso casamento. Por sinal, uma gloriosa segunda-feira.
Éramos já duas pessoas maduras e supostamente sabíamos o que queríamos da vida. Eu com trinta e dois anos e ela com trinta e três. Queríamos uma família. Mariana não tinha mais os seus pais e eu ainda tinha a minha mãe viva, mas o que eu queria era mesmo ser o tronco de uma família e não um ramo dela. Daí o fato de começarmos a tentar fazer filhos já naquela primeira noite que dormimos no Martinique. Isso nós só conseguimos realizar dois anos mais tarde, depois que Mariana fez um tratamento, mas o fato de fazermos sexo com um propósito, digamos, mais virtuoso do que a simples realização de um prazer, parece que funcionou como um emulador dessa função do nosso organismo, pois o fato de estarmos no Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa, epítome dos prazeres que o sentido da visão nos pode dar e de todas as outras sensibilidades que ela desperta em nossa neurologia, nós passamos a maioria das nossas horas no Rio na cama. E era a primeira vez que eu e ela íamos lá
 
O fato de a Mariana ter aparecido pela primeira vez, depois de morta, justamente na nossa cama. não acendeu em minha mente nenhuma luz especial. Achei normal, dado que ela sempre fazia isso quando estava viva. Gostava de sentar-se na cama e ficar folheando suas revistas de arte. Praticamente, todas as tardes, quando eu chegava em casa, depois do trabalho, era lá que eu a encontrava. Principalmente depois que ela aposentara, e para preencher o tempo que já não precisava mais gastar no trabalho e nos cuidados pessoais com as nossas duas filhas, ela começara a pintar e fazer trabalhos anuais.
       Era normal o fato de fazermos sexo assim que eu chegava em casa. Havia já um certo tempo que a nossa vida sexual tinha tomado esse rumo. Era quase como um ritual, que estabelecemos depois que as nossas filhas cresceram e passaram a viver a vida delas, deixando nós dois praticamente sozinhos, apenas a cuidar um do outro. Era assim que mantínhamos as nossas intimidades sempre frequentes, sem nunca sofrer o arrefecimento natural que o tempo trás para um casal. Era sempre no começo da noite, depois que eu chegava do escritório, tomava o meu banho e depois me deitava ao lado dela na cama. Duas, três vezes por semana,  ás vezes. Eu sempre sabia que ela queria sexo quando eu a encontrava na cama, folheando suas revistas de arte.
      ̶  Você parece o Ralf  ̶  disse para ela uma vez. Ralf era  nosso cachorro. Um enorme pastor alemão que adorava cenouras. Todo dia, pela manhã, nós o encontrávamos na porta da cozinha, aguardando a sua cenoura. 
       ̶  Porque você está dizendo isso?
       ̶  Porque toda vez que eu chego em casa e encontro você na cama folheando uma revista, eu já sei o que você quer. É igual o Ralf pela manhã em busca da sua cenoura.
       ̶  Você acha isso ruim?
 
     Não, eu não achava. Pelo contrário. Parecia-me a melhor hora e o melhor meio de fazer sexo. Antes do jantar. Pois agora que estávamos os dois sozinhos, a gente podia se amar e depois sair para jantar fora quando estávamos dispostos, ou ir ao cinema ou teatro, coisas que ela e eu gostávamos de fazer. Ou então ficar assistindo televisão até tarde. Dessa maneira encontrávamos uma forma que quebrar uma rotina dentro da nossa própria rotina, tirando dos nossos amores aquele ar de cumprimento de tabela ou lição de casa.
(continua)